Indústria farmacêutica começa a usar IA para testar novos medicamentos

Novo candidato a fármaco descoberto usando inteligência artificial pode ser um divisor de águas no tratamento da esquizofrenia

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Alex Dong 4 minutos de leitura

Quero propor um jogo: eu penso em uma palavra – qualquer uma, de qualquer tamanho, em qualquer idioma – e você tenta adivinhá-la. Posso te dar dicas se estiver no caminho certo, mas cada palpite custará milhões de dólares e levará anos. Aceita jogar?

De muitas formas, esse “jogo” se assemelha à longa, cara e arriscada jornada para descobrir um novo medicamento. Todo o processo, da pesquisa à aprovação, pode facilmente levar de 10 a 15 anos e custar bilhões de dólares.

Sem mencionar que existe uma boa chance de que não se mostre eficaz nos testes de laboratório – apenas um em cada mil candidatos a fármacos avançam até a fase de ensaios clínicos em humanos, dos quais apenas cerca de 10% são aprovados para entrar no mercado.

Mas e se os pesquisadores pudessem aumentar essas chances? E se tivessem a sorte de se aproximarem com frequência do resultado desejado, ao mesmo tempo que reduzem drasticamente o tempo e os custos? É exatamente assim que a IA está revolucionando a indústria farmacêutica – tirando o acaso da equação.

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A PsychoGenics, uma organização de pesquisa pré-clínica, está apostando nessa tecnologia. A empresa desenvolveu plataformas inovadoras de IA para descobrir medicamentos para tratar distúrbios do sistema nervoso central.

Sob a liderança da CEO e neurocientista Emer Leahy, a PsychoGenics fez uma parceria com a Sunovion Pharmaceuticals para desenvolver um antipsicótico chamado Ulotaront, que atualmente está sendo testado em ensaios clínicos de fase 3 para o tratamento da esquizofrenia.

UM MUNDO ORIENTADO POR DADOS

O grande público descobriu o poder da IA graças a aplicativos recentes como o ChatGPT. “Naturalmente, o que está na mente de todos hoje são os chatbots, porque eles são de fato muito impressionantes”, diz Thomas Fuchs, psiquiatra e reitor de inteligência artificial e saúde humana na Escola Icahn de Medicina do Hospital Mount Sinai, em Nova York.

Um em cada mil candidatos a fármacos avançam até a fase de ensaios clínicos, dos quais só de 10% são aprovados para entrar no mercado.

“A linguagem é altamente compressível e mais facilmente aprendida do que o mundo físico, pois é produzida por seres humanos e não pela natureza. E esses modelos de IA são muito bons em capturar isso.” Para fazer a transição da linguagem para a descoberta de medicamentos, é importante entender como essa tecnologia funciona.

No treinamento de modelos de linguagem, palavras são omitidas de frases para que a IA preveja qual seria o melhor complemento para aquela determinada construção. “Quando se faz isso em uma escala gigantesca, os modelos aprendem a estrutura dos dados observados”, explica Fuchs.

Quando falamos de texto, essa estrutura é o esquema da linguagem humana, como as frases são formadas ou quais palavras são frequentemente agrupadas. Na descoberta de medicamentos, porém, são os padrões moleculares no mundo natural.

No entanto, eles são incrivelmente complexos e estão escondidos nos dados produzidos através de pesquisas. Quando os modelos de IA aprendem e extraem esses padrões, podem prever as propriedades dos medicamentos, como toxicidade e bioatividade, identificar características-chave para encontrar compostos promissores ou até mesmo criar novas moléculas do zero.

COMPORTAMENTO E CÉREBRO

Os mecanismos das doenças cerebrais, como a esquizofrenia, ainda são um mistério, e sua progressão pode ser influenciada por fatores externos, como o ambiente. Por isso, a PyschoGenics não está seguindo a abordagem tradicional para a descoberta de medicamentos. Em vez de focar em genes específicos associados à doença, a empresa analisa padrões de comportamento – que são resultados do funcionamento cerebral – para identificar possíveis fármacos.

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Para avaliar o comportamento de maneira eficaz, a PsychoGenics, em parceria com a Universidade Carnegie Mellon, desenvolveu sua primeira plataforma de IA. Candidatos a medicamentos ou compostos de referência são injetados em ratos, que são então colocados em um ambiente controlado, onde seu comportamento é monitorado por cerca de uma hora.

“É basicamente uma caixa que impõe diversos desafios aos ratos, enquanto câmeras capturam imagens 3D de tudo o que estão fazendo”, explica Leahy. “Coletamos milhões de pontos de dados, então usamos machine learning para extrair padrões de comportamento e fazer previsões sobre a utilidade terapêutica.” 

Aproveitando o poder da IA para fazer análises mais rápidas e em maior escala, a PsychoGenics só precisou testar cerca de 300 compostos – uma redução significativa de tempo e custos em comparação com a média da indústria, que é de 2,5 mil – para identificar o Ulotaront como candidato para testes clínicos.

QUAL É O PRÓXIMO PASSO?

Embora o futuro deste medicamento seja incerto, está claro que os avanços em inteligência artificial estão impulsionando uma nova onda de terapias inovadoras.

As ferramentas de IA estão facilitando o processo de descoberta de fármacos, mas os compostos ainda são rigorosamente testados quanto à segurança e eficácia por meio de processos regulatórios tradicionais.

“Estamos vivendo em uma nova era – muito promissora, mas também existe um certo exagero. É muito importante que as abordagens adotadas sejam minuciosamente validadas”, enfatiza Leahy.


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