Inovação é sempre algo bom? Esta startup acredita que não

Usando lã descartada e antigas práticas têxteis, startup de tapetes abraça a ideia de que melhorias tecnológicas nem sempre levam a mudanças positivas

Crédito: Cicil/ Divulgação

Adele Peters 5 minutos de leitura

Depois de uma década trabalhando na indústria têxtil, Caroline Cockerham e Laura Tripp decidiram que queriam fazer algo diferente. Elas sabiam dos desafios ambientais da produção, incluindo os produtos químicos tóxicos, e conheciam as longas cadeias de suprimentos e produtos baseados nas tendências e destinados a acabar rapidamente em aterros sanitários. Quando lançaram uma startup própria, chamada Cicil, a intenção era criar algo mais sustentável.

Mas a dupla também questionou uma premissa básica dos negócios: será que a inovação é sempre uma coisa boa?

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Em sua experiência de trabalho com grandes marcas, as duas observavam as empresas perseguindo a inovação a todo custo e pensavam: “inovação virou realmente um sinônimo de novidade, alimentada pela máquina de marketing”, diz Caroline. “É só isso: vendas, vendas, vendas. ‘Traga-nos algo novo para que possamos contar outra história e ganhar mais dinheiro.’”

Mas as supostas melhorias na tecnologia nem sempre são positivas. No mundo dos têxteis, por exemplo, os revestimentos de tapetes ou sofás projetados para repelir manchas geralmente são feitos com PFAS, os produtos químicos tóxicos “para sempre” que estão ligados a problemas de saúde.

Não é tão raro que a tecnologia tenha consequências não intencionais. Em grande escala, as tecnologias que possibilitaram a Revolução Industrial levaram às mudanças climáticas. A demanda por carros elétricos está impactando o abastecimento de água e a biodiversidade na América do Sul, conforme a mineração de lítio cresce. E há inúmeros outros exemplos.

A rotatividade das novas tecnologias segue seu passo, e é difícil argumentar que devemos desacelerar o trabalho em novas tecnologias climáticas, por exemplo — mesmo quando elas não sejam perfeitas. Mas algumas empresas também estão retornando a técnicas mais antigas e escolhendo deliberadamente métodos de produção mais lentos.

Crédito: Cicil/ Divulgação

A Cicil fabrica tapetes de lã, trabalhando com cadeias de suprimentos locais e métodos tradicionais de fabricação. A lã não é tingida. Para fazer tons de cinza, os designers misturam lã preta e marrom que não poderia ser usadas de outra maneira. 

A marca fez uma escolha pelo “ritmo lento” – semelhante à moda lenta, destinada a produzir itens bem-feitos e que as pessoas podem manter por décadas, em vez de substituir sempre que a próxima tendência surgir.

As designers começaram pelo material, em vez de criar primeiro um design e tentar obter materiais de todo o mundo para fabricá-lo. Elas entraram em contato com uma cooperativa que trabalha com pequenos lavradores e encontraram lã que nem sempre estava sendo usada porque era grossa demais para peças como suéteres.

“Muitas vezes, por ser produzida em pequenos lotes e por pequenos agricultores, eles não têm onde vender sua lã, e ela acaba sendo compostada ou até queimada. Conseguimos desbloquear uma cadeia de suprimentos que reúne esse material, que muitas vezes era desperdiçado, e transformá-lo em algo de alto valor.”

Crédito: Cicil/ Divulgação

A lã é um material naturalmente antimicrobiano e resistente a manchas. “Estamos simplesmente deixando o tecido fazer seu trabalho, em vez de adicionar algo que não é necessário”, diz Laura. “Estamos tentando simplificar as coisas o máximo possível e fazer a pergunta: será que precisamos mudar o que já funciona?”

Outras empresas também estão defendendo abordagens de baixa tecnologia. A Golightly Cashmere, por exemplo, fabrica gorros e suéteres em teares manuais em um estúdio de tricô no Novo México e oferece conserto por toda a vida do produto.

Crédito: Cicil/ Divulgação

Em uma indústria completamente diferente, algumas startups estão trazendo veleiros de volta para entrega de carga. Na Alemanha, a DHL agora usa mais de 17 mil bicicletas e triciclos de carga para fazer entregas, em vez de usar caminhões.

Nas fazendas, as técnicas de agricultura “regenerativas”, que estão se tornando mais comuns, copiam ideias muito usadas no passado. Alguns arquitetos estão recorrendo a estratégias antigas para resfriar casas sem energia. Outras empresas, como a Cicil, estão retornando a métodos de produção mais antigos para artigos domésticos.

Crédito: Cicil/ Divulgação

“A fabricação padrão é projetada para ser rápida, barata e uniforme”, diz Carly Nance, cofundadora da The Citizenry, uma loja de artigos para o lar que trabalha com artesãos de todo o mundo, incluindo mulheres do Afeganistão que precisavam encontrar novas rotas para enviar tapetes feitos à mão, depois que o Talibã assumiu o controle.

A Citizenry paga aos artesãos, em média, duas a três vezes mais do que os padrões do comércio justo. Para que ela cresça significativamente, mais consumidores terão que parar de pensar em produtos como tapetes como algo barato e descartável. Carly acredita que isso já está começando a acontecer.

Artesã apoiada pela Turquoise Mountain no Afeganistão (Crédito: Turquoise Mountain/ The Citizenry)

“A única maneira de substituir a ‘fabricação rápida’ é uma mudança maior do perfil do consumidor, passando a investir em menos coisas, mas que sejam de melhores, e trocando o descartável pelo artesanato de qualidade”, diz ela.

Graças a um planejamento cuidadoso, a Cicil conseguiu manter seus preços competitivos. Mas, assim como a The Citizenry, espera que os consumidores valorizem “a quantidade de mãos que tocaram este produto, desde o campo até a fábrica, para levá-lo ao cliente”, diz Laura.

“Esperamos que, ao contar essa história e trazer à luz essa cadeia de suprimentos, o cliente entenda, como nós, o valor do que está adquirindo. É importante pagar as pessoas de forma justa pelo seu trabalho e precificar o produto de acordo com o seu valor. Estamos realmente tentando mudar para essa mentalidade.”


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais