Lixo eletrônico, um problema sobre o qual ninguém parece estar a fim de falar

Indiscutivelmente pior do que o plástico, o lixo eletrônico tem seus riscos completamente ignorados

Crédito: Mikyso/ iStock

Beth Murphy 5 minutos de leitura

O plástico ajudou a melhorar todos os aspectos de nossas vidas, desde a forma como preservamos alimentos, como protegemos medicamentos, como pagamos as compras e como organizamos a higiene pessoal. No entanto, desde sempre foi  um vilão ambiental. O plástico polui o planeta, compromete a cadeia alimentar e coloca em risco a saúde da comunidade global.

Mas há outro tipo de lixo produzido pelo homem, mais pernicioso, que está causando danos ao planeta  e que passa quase despercebido. O lixo eletrônico é, indiscutivelmente, pior do que o plástico, porque produz toneladas de resíduos tóxicos e causa danos irreversíveis ao meio ambiente.

Estamos produzindo dispositivos eletrônicos em taxas alarmantes, com pouca atenção dada à sua “vida após a morte”.

No final de 2022, a previsão era de que até 2,13 bilhões de PCs, tablets e telefones celulares seriam vendidos em todo o mundo. Estamos produzindo dispositivos eletrônicos em taxas alarmantes, com pouca atenção dada à sua “vida após a morte”.

A resolução do problema não se resume a uma ação específica. Precisamos reavaliar como os produtos são projetados, como a infraestrutura e os sistemas de fabricação são inovados e como o público em geral é educado sobre o assunto.

Gigantes da tecnologia, consumidores e órgãos governamentais em todo o mundo têm alguma responsabilidade e devem ser responsabilizados.

MAIS PROGRAMAS EDUCATIVOS

Sem a intervenção adequada, o lixo eletrônico crescerá incontrolavelmente. Nos últimos oito anos, estima-se que 420,3 milhões de toneladas foram produzidas em todo o mundo (o equivalente ao peso de 400 Boeing 757). A previsão é que essa quantidade dobre até 2050.

A questão é agravada pela falta de educação do consumidor sobre o problema como um todo – desde o ciclo de vida dos produtos eletrônicos até os danos ambientais causados pelo descarte incorreto.

Parte da solução talvez esteja na abordagem de comportamentos: os consumidores, por exemplo, poderiam ser incentivados a manter seus dispositivos por mais tempo, a investir em produtos mais sustentáveis e fáceis de reciclar ou a entender para onde o lixo eletrônico acaba quando é descartado.

Os gigantes da tecnologia poderiam se comprometer com a redução do lixo eletrônico ou facilitar a criação de produtos adequados para a economia circular.

É vital identificar quem é o responsável por essa educação. A reciclagem só aumentou na consciência pública porque as políticas governamentais se tornaram mais fáceis de entender e, assim, de incorporar. Da mesma forma, as marcas logo seguiram o exemplo, respondendo à demanda do consumidor por mais produtos e materiais recicláveis.

De fato, muito pode ser aprendido com os processos existentes de reciclagem de plástico e papelão. Coletivamente, marcas, fabricantes e formuladores de políticas públicas podem colaborar para criar um plano implementável para a reciclagem de lixo eletrônico.

A indústria de eletrônicos deve fazer um balanço das iniciativas existentes, como Race to Zero, para pressionar por mudanças. Estabelecido pelas redes Best Buy, H&M Group, Ikea, Kingfisher e Walmart, o projeto incentiva os varejistas a definir metas climáticas baseadas na ciência e a adotar planos acionáveis para reduzir as emissões.

A campanha está ganhando força e, desde seu lançamento, chamou a atenção de milhares de varejistas europeus. Esse é um bom exemplo de como as marcas podem se reunir para discutir as práticas de seu próprio setor e assumir responsabilidades.

Os gigantes da tecnologia poderiam modelar suas próprias iniciativas com base nessa estrutura, reunindo os principais players para se comprometer com uma redução semelhante no lixo eletrônico ou facilitar a criação de produtos adequados para a economia circular.

Shiftphone e Fairphone, exemplos de produtos recicláveis by design (Crédito: Divulgação)

APRIMORAR PROJETOS

Os consumidores exigem cada vez mais de seus equipamentos eletrônicos. Cada iteração precisa ser menor, mais leve, mais rápida, mais eficiente e mais esteticamente agradável do que antes. Muitas vezes, porém, esses detalhes tornam os dispositivos mais difíceis de reciclar no final de sua vida útil.

Para conseguir uma aparência diferenciada, os eletrônicos são feitos de vários materiais – como prata, platina e paládio –, todos colados. Isso tornando esses dispositivos quase impossíveis de desmontar e de processar nos fluxos de reciclagem. Por isso, acabam indo para o lixo comum para apodrecer em aterros sanitários.

Os consumidores, em sua maioria, não querem comprometer a substância e a forma em nome da sustentabilidade.

A eletrônica modular é um modelo sustentável que poderíamos seguir. O Fairphone e o Shiftphone, por exemplo, são projetados com uma pegada de carbono mais limpa. O objetivo é que os dispositivos se tornem totalmente recicláveis.

Esse conceito inovador não está sendo amplamente adotado porque a tecnologia da eletrônica modular oferece uma experiência de usuário nitidamente inferior. Os consumidores, em sua maioria, não querem comprometer a substância e a forma em nome da sustentabilidade.

Como, então, criar um telefone ou dispositivo reciclável que corresponda à excelência e conveniência dos eletrônicos líderes de mercado?

Para incentivar a reciclagem de lixo eletrônico, novas tecnologias e métodos devem ser introduzidos para torná-la mais fácil e, portanto, mais atraente para consumidores e fabricantes. A promoção de formas viáveis e não perigosas de reciclagem é fundamental para reduzir grandes quantidades de materiais valiosos que são desperdiçados diariamente.

MAIS DO QUE RECICLAGEM

A reciclagem é o último ciclo da economia circular. Mas é preciso entendê-la  como parte da solução, uma vez que ela não desfaz totalmente os danos da fabricação – que é onde o problema começa.

Os designers precisam descobrir como criar produtos que sejam bonitos e que durem muito mais. Nas vezes em que essas adaptações não forem possíveis, as empresas de tecnologia devem contemplar a reciclabilidade essencial para seus  dispositivos.

No fim das contas, é como no dilema do ovo ou da galinha. Quem vai começar, com a bola já rolando em campo, a assumir a responsabilidade pelo lixo eletrônico?

Acredito que engenheiros e designers devem se concentrar na criação de produtos prontos para a economia circular, e não esperar que a legislação e a conformidade obriguem a mudanças.


SOBRE A AUTORA

Beth Murphy é especialista em economia circular da consultoria PA Consulting. saiba mais