Mineração em águas profundas sem prejuízo da vida marinha: será possível?
Startup anuncia modo mais sustentável de colher níquel e cobalto, mas especialistas temem que ecossistemas vitais seriam prejudicados
Um dia desses, durante uma tarde de trabalho, uma equipe de engenheiros acompanhava os movimentos de um pequeno robô. Ele flutuava nas águas cristalinas da Baía Georgiana, no Canadá, recolhendo suavemente pedras do fundo arenoso.
A Impossible Metals, startup que projetou o robozinho, pretende provar que é possível coletar metais do fundo do mar de forma sustentável – como o cobalto e o níquel usados na fabricação de baterias de veículos elétricos.
O teste em águas rasas foi a primeira vez em que esse conceito foi colocado à prova. Mas, de todo jeito, os cientistas ainda se perguntam se é possível haver algum tipo de mineração em alto mar que não prejudique o meio ambiente.
A mineração em águas profundas está prestes a se tornar realidade. Algumas empresas podem começar a operar já no ano que vem, extraindo minerais que se acumularam naturalmente a milhares de metros debaixo d'água. Biólogos marinhos alertam que essa prática pode causar um desastre ambiental.
A maioria das empresas planeja usar máquinas enormes para dragar o fundo do oceano ou perfurar montanhas subaquáticas, destruindo ecossistemas únicos. O ambiente frio e escuro é o lar de diversas espécies frágeis. O coral de águas profundas, por exemplo, vive até quatro mil. Se um habitat como esse for destruído, o ecossistema não vai se recuperar tão cedo.
Cavar e dragar o fundo do oceano pode criar partículas suspensas– chamadas de plumas de sedimentos – que flutuam pela água, sufocando a vida marinha e liberando toxinas, como o mercúrio, que podem acabar na cadeia alimentar.
Quando as mineradoras trazem rochas à superfície para processá-las em navios, os resíduos são despejados de volta na água, criando mais partículas venenosas. Essa intervenção pode afetar a indústria pesqueira. Ela também liberaria carbono do fundo do oceano.
A maioria das empresas de mineração planeja trabalhar primeiro nas planícies abissais do oceano, onde há “nódulos” em forma de batata, cheios de minerais valiosos. Em vez de desenterrar esses nódulos, a Impossible Metals planeja utilizar seus veículos robóticos para recolhê-los, criando o mínimo de perturbação possível.
Os robôs usarão inteligência artificial para identificar qualquer vida marinha nas rochas e evitar pegá-las. A empresa afirma que também está trabalhando com cientistas para planejar quantos nódulos devem ser preservados como habitat.
“Como temos essa capacidade de extração seletiva, podemos deixar corredores de habitat e diferentes densidades para trás, para garantir que não haja perda de biodiversidade”, explica Jason Gillham, diretor de tecnologia da startup e um de seus fundadores.
A Impossible Metals planeja usar frotas de grandes veículos autônomos com centenas de braços robóticos. Embora qualquer veículo que se mova em águas profundas possa criar plumas de sedimentos em suspensão, os engenheiros estão trabalhando em um projeto que se mova suavemente, para minimizar esse problema.
Depois que as rochas forem coletadas, a empresa também planeja usar um novo sistema para extrair o metal em uma instalação offshore, usando bactérias naturais para dissolver as rochas em uma solução. A equipe acredita que esse processo evitará a geração de resíduos tóxicos que normalmente vêm da mineração, e que também usará muito menos energia.
Os ambientalistas argumentam que nada disso é suficiente. “Acho que eles não têm como extrair sem causar nenhum dano”, critica Arlo Hemphill, ativista de mineração em alto mar do Greenpeace EUA.
Provavelmente, plumas de sedimentos em suspensão vão continuar se formando, mesmo que a empresa trabalhe com cuidado. Também é provável que parte da vida marinha que vive nas rochas seja difícil de detectar.
A indústria de mineração argumenta que é fundamental acessar mais metais, tanto para as baterias de lítio usadas em carros elétricos quanto para armazenar energia renovável. Mas defensores do meio ambiente, como Hemphill, apontam para o fato de que novas tecnologias de bateria deveriam reduzir e eventualmente eliminar a necessidade de alguns desses materiais.
Uma organização obscura chamada International Seabed Authority (ISA) tem controle sobre o que acontece em águas internacionais e planeja emitir licenças para empresas de mineração em alto mar começarem a trabalhar já em julho de 2023. Como a Impossible Metals ainda está desenvolvendo sua tecnologia, provavelmente não começará a operar até, pelo menos, 2026.
A resistência política começou este ano, quando países como Alemanha, França, Nova Zelândia, Fiji e um punhado de outros pediram uma moratória na mineração em alto mar por causa dos riscos. Embora a ISA se autogoverne, os membros das Nações Unidas podem votar para proibir a mineração, caso haja oposição suficiente.
Mas os projetos de mineração também podem ser prejudicados pela economia, já que uma lista crescente de empresas, da BMW à Samsung, já afirmou que não comprará materiais extraídos do mar profundo. “Essa prática pode não ser economicamente lucrativa”, diz Douglas McCauley, professor de ciências oceânicas da Universidade da Califórnia.
“Isso é algo que pode vir a acontecer, e parece já estar acontecendo nesse caso. Os potenciais compradores, para os quais as empresas estão tentando minerar, estão respondendo: 'não temos interesse no seu material’. Ou seja: pode ser que nunca haja de fato uma demanda”, diz McCauley.