Muito além da desidratação: como o calor extremo afeta o corpo e a mente

Os impactos das ondas de calor na saúde vão além de males como desidratação e insolação

Crédito: Fast Company Brasil

Kristin Toussaint 4 minutos de leitura

O verão do hemisfério norte acabou de começar e já está atingindo temperaturas recordes. As mudanças climáticas causadas pelo homem fazem com que as ondas de calor se tornem mais frequentes e intensas, expondo milhões de pessoas a temperaturas extremas. E isso pode ser fatal.

Na Grécia, turistas morreram durante uma recente onda de calor com dias acima de 37°C. Na Arábia Saudita, mais de 1,3 mil pessoas que participavam do Hajj (peregrinação anual muçulmana a Meca) morreram quando as temperaturas atingiram 46°C. Nos EUA, o calor é a principal causa de mortes relacionadas ao clima, matando mais do que furacões, inundações e tornados.

Mas mesmo quando o calor não é fatal, ele afeta o nosso corpo. E, com as mudanças climáticas, ainda mais pessoas serão expostas a temperaturas extremas. Cientistas estão trabalhando para entender todas as formas como o calor impacta tanto o corpo quanto a mente.

“Este campo de estudo começou reconhecendo os efeitos da insolação, exaustão por calor, desidratação – coisas que são fáceis de imaginar como sendo diretamente relacionadas ao calor”, explica Gregory Wellenius, epidemiologista ambiental e diretor do Centro de Clima e Saúde da Universidade de Boston, nos EUA.

“Com mais estudos, percebemos que isso é verdade, mas há também um quadro maior e mais complexo de efeitos sutis na saúde.”

COMO O CALOR IMPACTA O CORPO

A exposição ao calor extremo pode causar desidratação, exaustão e insolação. Há também evidências de que, em dias mais quentes, o volume de internações relacionadas a problemas nos rins aumenta. Altas temperaturas podem agravar condições crônicas de saúde, desde doenças respiratórias e enxaquecas até artrite e asma.

Isso pode ser devido às próprias doenças (para alguém com diabetes, por exemplo, o calor causa flutuações no açúcar no sangue, tornando a doença mais difícil de controlar) ou porque alguns medicamentos podem piorar ainda mais os efeitos do calor.

Diferentes medicamentos podem afetar os níveis de sódio, fazendo com que a pessoa se desidrate mais facilmente, ou mesmo prejudicar a capacidade do corpo de suar ou fazer o sangue, alterando a capacidade de regular sua temperatura.

Crédito: Gensler

Altas temperaturas também podem afetar a gravidez. Estudos associam ondas de calor a um maior risco de natimortos e nascimentos prematuros, bem como condições como pré-eclâmpsia em mulheres grávidas, baixo peso do bebê ao nascer e defeitos congênitos. Além disso, estão associadas a doenças de pele, como eczema, dermatite e surtos de rosácea.

O calor também afeta o sono – tornando mais difícil adormecer e diminuindo o tempo dos estados de sono REM e profundo –, o que, por sua vez, pode ter mais efeitos negativos na saúde. Um pequeno, mas crescente, número de estudos sugere que alguns dos impactos gerais do calor na saúde podem ser causados, em parte, pela interrupção do sono.

COMO O CALOR AFETA A SAÚDE MENTAL

As altas temperaturas estão associadas ao aumento da irritabilidade, depressão e mesmo das taxas de suicídio. Pesquisas mostram uma relação entre dias mais quentes e o aumento no número de pacientes que procuram serviços de emergência para uma variedade de condições de saúde mental e transtornos de humor. Pesquisadores até associam as altas temperaturas a um aumento dos discursos de ódio online.

O calor extremo também afeta o funcionamento do cérebro. Ele está associado a piores resultados em testes, afetando o desempenho dos estudantes – um problema que se torna ainda mais evidente entre a população de baixa renda e minorias, cujas escolas não possuem ar-condicionado.

Altas temperaturas podem agravar condições crônicas de saúde, desde doenças respiratórias e enxaquecas até artrite e asma.

Um estudo aponta que, para cada grau acima de 22°C, o desempenho em provas padronizadas do ensino médio cai 0,2% – durante ondas de calor, a diferença no desempenho pode ser drástica.

Existe “uma literatura ampla e crescente”, de acordo com Wellenius, que sugere que o calor prejudica o julgamento e a tomada de decisão. Isso significa que as pessoas ficam mais propensas a tomar decisões arriscadas ou a se comportar de forma impulsiva.

Além disso, o impacto no sono leva à fadiga mental e também afeta nossa cognição geral – incluindo coordenação motora e concentração –,  o que pode resultar em queda de produtividade e aumento no número de acidentes.

Estudos mostram que lesões ocupacionais, como cair de escadas ou prender a mão em maquinário, ocorrem mais em dias quentes. Quando as temperaturas ultrapassam os 32°C, os trabalhadores têm um risco de 6% a 9% maior de lesões.

Os acidentes também aumentam fora do ambiente de trabalho. Estudos associam o calor a um aumento no número de acidentes de carro. Embora haja elementos físicos em jogo – a luz do sol pode atrapalhar a visão dos motoristas, por exemplo, ou os pneus podem se expandir e estourar –, pesquisas associam estes acidentes a julgamento prejudicado, problemas de concentração, reações lentas e outros erros de direção.

Wellenius acredita que, conforme os pesquisadores forem entendendo como o calor nos afeta, sejam descobertos ainda mais impactos na saúde causados por altas temperaturas. Ele também espera que as pessoas percebam os riscos e que as comunidades se preparem para ondas de calor como se preparam para outros desastres naturais, como enchentes ou furacões.


SOBRE A AUTORA

Kristin Toussaint é editora assistente da editoria de Impacto da Fast Company. saiba mais