Não, o Silicon Valley Bank não faliu por ser progressista e inclusivo
Por que as acusações dos políticos do Partido Republicano não fazem sentido
Nos Estados Unidos, os republicanos estão espalhando a ideia de que o colapso de dois grandes bancos, na semana passada, foi culpa das suas práticas de investimento “progressistas e inclusivas”. Ou seja, no mais recente capítulo de uma das guerras culturais mais polarizadas do país, a ala conservadora está fazendo de tudo para difamar os esforços para enfrentar a crise climática.
Só que esse tipo de argumento não se sustenta diante das análises feitas pelos principais economistas, que associaram as falências desses bancos principalmente às suas apostas arriscadas em criptomoedas, e não aos investimentos em energia limpa. Outra causa associada ao colapso é a queda do valor dos títulos lastreados pelo governo em meio ao aumento das taxas de juros.
Os dois casos marcam a segunda e a terceira maiores falências de bancos na história dos EUA.
Os reguladores assumiram o controle do Silicon Valley Bank (SVB), na Califórnia, e do Signature Bank, em Nova York, na esperança de proteger os fundos dos clientes e impedir que uma onda de saques das contas desencadeie uma crise financeira ainda maior.
Esses dois colapsos marcam a segunda e a terceira maiores falências de bancos na história dos EUA, atrás apenas da quebra do Washington Mutual, em 2008, que ajudou a desencadear a grande recessão que se instaurou a partir dali.
ECONOMISTAS REFUTAM ACUSAÇÕES
“Estes dois foram alguns dos bancos que mais se engajaram na política e nos investimentos do tipo ESG”, declarou o deputado pelo Kentucky James Comer, republicano e presidente do Comitê de Supervisão da Câmara, em um programa da Fox News – referindo-se a fundos de investimento favoráveis ao clima e que levam em consideração fatores ambientais, sociais e de inclusão.
O governador da Flórida, Ron DeSantis – cogitado como potencial candidato do Partido Republicano à eleição presidencial de 2024 – também apareceu no programa da Fox, onde insinuou que os esforços pela diversidade e pela equidade poderiam ser os culpados pela falência.
“Eles estão preocupados demais com DEI [diversidade, equidade e inclusão] e com todo esse tipo de prática”, disse ele. “Acho que foi isso que fez com que perdessem o foco da sua missão principal.”
economistas apontam a responsabilidade do Fed, que aumentou a taxa de juros para controlar a inflação.
Outros especialistas republicanos influentes e legisladores de extrema direita, incluindo Donald Trump Jr., a deputada republicana pela Georgia Marjorie Taylor Greene e o senador do Missouri Josh Hawley concordaram com acusações semelhantes em suas redes sociais.
Acontece que essas acusações foram amplamente refutadas pelos principais economistas, que colocam a culpa mais diretamente no aumento das taxas de juros e nos esforços do Federal Reserve (Fed, equivalente ao nosso Banco Central)) para controlar a inflação, além das decisões dos bancos de investir em títulos do Tesouro dos EUA e em outros títulos lastreados pelo governo, bem como em criptomoedas, como o Bitcoin.
“Não sei bem ao certo o que é ser progressista ou inclusivo e, além disso, esses conceitos parecem mudar a cada dia. Talvez os títulos do governo estejam se tornando mais progressistas, não sei. Só sei que foram esses títulos que colocaram os bancos em uma situação complicada”, diz Dean Baker, economista sênior do Centro de Pesquisa Econômica e Política.
Dean Baker usa a gíria “woke” como sinônimo de “progressista e inclusivo”. Cabe explicar que “woke” tem sido empregado, nos EUA, como um adjetivo que descreve a tomada de consciência de alguém ou de alguma instituição – o seu “despertar – em relação a questões sociais.
O FATOR FED
De acordo com análises de Baker e de outros renomados economistas, a queda do SVB – que detinha cerca de US$ 220 bilhões em ativos – está muito ligada à decisão do banco de comprar títulos do governo em meio ao boom tecnológico entre 2019 e 2022, quando muitas empresas do Vale do Silício estavam com os bolsos cheios de dinheiro injetado por fundos de investimento.
É verdade que os dois bancos estavam engajados nos esforços para combater a mudança climática.
Entre o final de 2019 e o primeiro trimestre de 2022, os depósitos no SVB mais que triplicaram, chegando a US$ 198 bilhões e superando em muito a média nacional. Com os depósitos disparando e a demanda por empréstimos baixa, o banco optou por investir a maior parte desse dinheiro em títulos do governo.
Acontece que o valor desses papéis despencou conforme o boom da tecnologia murchava e o Fed aumentava as taxas de juros para conter a inflação. Fed é a sigla para Federal Reserve Bank (Sistema de Reserva Federal), responsável pela economia norte-americana e cujo objetivo é estabilizar o valor da moeda.
Quando os clientes começaram a pedir seu dinheiro de volta, o SVB foi forçado a vender antecipadamente US$ 21 bilhões em títulos, amargando um prejuízo de US$ 1,8 bilhão. Isso acabou desencadeando uma corrida bancária à moda antiga.
O colapso do Signature Bank pode ser explicado de forma ainda mais simples. Como observou a publicação financeira Barron's em sua análise, "as conexões do banco com a criptomoeda parecem ter assustado os clientes após o colapso do SVB. Isso os levou a uma corrida para retirar seu dinheiro do banco, o que, por sua vez, levou à ação dos reguladores".
"WOKE CAPITALISM"
É verdade que ambos estavam notadamente engajados nos esforços para combater a mudança climática. O SVB declarou que investiria pelo menos US$ 5 bilhões até 2027 para apoiar os esforços de sustentabilidade e prometeu se tornar neutro em carbono até 2025. O banco também financiou mais de 1,5 mil startups de tecnologia climática.
Já o Signature Bank se juntou voluntariamente a um importante programa de divulgação de riscos climáticos, defendendo um tipo de regra financeira que os políticos republicanos atacaram em sua guerra de narrativas contra o “capitalismo progressista” – os republicanos estão empregando, em tom debochado, a expressão “woke capitalism”.
a previsão é de que o setor de tecnologia climática se torne um mercado de US$ 1,4 trilhão nos próximos cinco anos.
Mas um número crescente de economistas tem apoiado as práticas de investimento favoráveis ao clima como benéficas para a economia mundial. Eles alertam que deixar de lidar com os perigos do aquecimento global pode resultar em perdas de trilhões de dólares nas próximas décadas.
De fato, os investimentos em energia limpa geraram retornos sete vezes maiores do que os das empresas de combustíveis fósseis entre 2011 e 2021, de acordo com um relatório conjunto do Center for Climate Finance da Imperial College Business School e da Agência Internacional de Energia.
Além disso, o Pitchbook prevê que o setor de tecnologia climática se tornará um mercado de US$ 1,4 trilhão nos próximos cinco anos, com uma taxa de crescimento anual de 8,8%.
Embora os republicanos não tenham considerado esses dados em suas teorias sobre o porquê de os dois bancos terem falido, os números não foram esquecidos por Baker, do Centro de Pesquisa Econômica e Política.
“Não sei se o engajamento em causas progressistas se tornou uma condição para fazer dinheiro. Alguns bancos podem estar se engajando simplesmente porque acham que é bom para o planeta. O fato é que eles continuam agindo como empresas com fins lucrativos – e estão, sim, lucrando com esse engajamento.”
Este artigo foi publicado originalmente no Inside Climate News e republicado com a devida permissão.