Navio de carga atravessa o mar só com a força do vento pela primeira vez em 100 anos

Startup francesa está trazendo as velas de volta à indústria de transporte marítimo

Crédito: Ronan Gladu/ TOWT

Adele Peters 3 minutos de leitura

Em agosto, um novo navio de carga partiu da França rumo a Nova York, transportando centenas de paletes de champanhe, vinho e conhaque. Foi a primeira vez em quase um século que uma grande embarcação cruzou o oceano Atlântico movida quase inteiramente pela força do vento.

A startup francesa responsável pelo design do navio, chamada TOWT (TransOceanic Wind Transport), acredita que navios de carga à vela podem competir com porta-contêineres que utilizam combustíveis fósseis.

“O vento é uma fonte abundante que conhecemos há séculos”, afirma Guillaume Le Grand, cofundador e presidente da empresa. “Com os modelos meteorológicos, as comunicações via satélite e a inteligência de rota que podemos utilizar, ele se torna uma fonte de propulsão confiável.”

A primeira embarcação da startup, batizada de Anemos, é bem diferente de um navio à vela tradicional. Ela foi inspirada nos veleiros de corrida. Os mastros são feitos de fibra de carbono, tornando-os tão leves que podem ser muito mais altos do que os convencionais de madeira. Essa altura extra permite que as velas sejam cerca de duas vezes maiores, capturando mais vento.

As velas são acionadas por um sistema mecanizado, em vez de serem manuseadas por marinheiros. “É possível controlá-las – as sete velas a bordo, juntas, medem cerca de três mil metros quadrados – usando apenas um controle remoto”, explica Le Grand.

Com cerca de 80 metros de comprimento, o Anemos é um pouco maior do que o Cutty Sark, famoso navio britânico usado para transportar chá no século 19. Mas, diferentemente do Cutty Sark, que precisava de uma tripulação de 48 marinheiros, o navio da TOWT opera com apenas sete.

Um software de rota personalizado o ajuda a aproveitar o máximo de vento possível. Para momentos em que o vento é insuficiente, o navio conta com motores elétricos a diesel que podem ser usados em modo híbrido, com baixa potência. Em cerca de 95% do tempo, ele depende exclusivamente das velas.

Na primeira viagem, alguns atrasos fizeram com que o Anemos perdesse a janela climática ideal, obrigando-o a usar combustível no início da travessia. Mas, nos últimos 10 dias, ele foi movido apenas pela força do vento.

Quando o vento está forte o suficiente e o navio está em alta velocidade, as hélices dos motores podem girar ao contrário, gerando energia a partir da água. Essa energia é usada para alimentar os equipamentos eletrônicos a bordo, desde a cozinha até a ventilação.

Crédito: Ronan Gladu/ TOWT

Embora o custo de transporte seja um pouco maior do que o de um porta-contêineres tradicional, a TOWT oferece contratos de longo prazo com preços previsíveis, sem as grandes variações causadas pelo uso de diesel ou óleo combustível.

Além disso, os primeiros clientes estão dispostos a pagar um pouco mais por um transporte sustentável, que os ajuda a cumprir suas metas climáticas – sem contar o apelo de marketing de poder afirmar que seus produtos são transportados por um navio à vela. As marcas podem adicionar um QR code nos rótulos para que os consumidores acessem dados sobre a economia de CO2 de cada viagem.

Crédito: Ronan Gladu/ TOWT

Enquanto outros apostam em combustíveis alternativos para descarbonizar o transporte marítimo, Le Grand defende que esta é uma opção melhor porque já está disponível. “A indústria naval, embora pareça disposta a descarbonizar, está apenas adiando o problema”, diz ele.

“Todos estão esperando, ou fingindo, que combustíveis descarbonizados, baratos, confiáveis e realmente eficientes vão surgir de uma hora para outra”, argumenta Le Grand. Algumas das soluções propostas são apenas greenwashing – o gás natural liquefeito, por exemplo, pode causar poluição por vazamento de metano.

Crédito: Ronan Gladu/ TOWT

Atualmente, a TOWT tem dois navios e planeja realizar travessias transatlânticas mensais. Depois de levar vinhos e destilados da França para os EUA, eles virão para a América do Sul para buscar café e transportá-lo para a Europa.

A empresa já encomendou mais seis navios, que devem começar a operar a partir de 2026. No longo prazo, Le Grand espera ter centenas de embarcações em operação. A empresa também está conversando com associações da indústria sobre a criação de um programa de treinamento para uma nova geração de marinheiros.

“Queremos formalizar e criar um curso para capitães de navios à vela modernos – algo que ainda não existe”, afirma ele.


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais