Nova estratégia: defensores da energia limpa agora falam em lucro e empregos

Com Trump revogando iniciativas ambientais, o foco na lucratividade da energia limpa ficou ainda mais evidente

Crédito: imaginima/ Getty Images

Seth Borenstein e Alexa St. John 4 minutos de leitura

Salvar o planeta já não é mais o principal argumento. Agora, líderes do setor de energia limpa estão mudando sua abordagem para destacar um outro tipo de “verde”: a geração de riqueza. Esse tipo de discurso se encaixa muito melhor no cenário atual, dominado por líderes nacionalistas e bilionários.

Até pouco tempo atrás, a indústria de energia renovável e a ONU enfatizavam a necessidade urgente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para proteger o meio ambiente e a saúde pública. As evidências eram claras: recordes de temperaturas pelo mundo, desastres climáticos cada vez mais frequentes e prejuízos bilionários.

Mas o tom mudou, especialmente depois que Donald Trump assumiu a presidência dos EUA e começou a revogar políticas ambientais. Com um discurso inflamado sobre “liberar” o petróleo, o gás e a mineração, ele deixou claro que a prioridade do governo não seria o combate às mudanças climáticas.

Diante desse cenário, representantes do setor de energia renovável partiram para o contra-ataque. Em uma rodada de lobby em Washington, há duas semanas, executivos do setor solar, eólico e hidrelétrico reforçaram seu papel no fortalecimento da economia e da indústria norte-americana. Muitos usavam broches com a frase “Dominância energética americana” – um dos slogans favoritos de Trump.

A mesma estratégia foi vista na última quinta-feira, no Brasil, durante um discurso do secretário-executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell. Em vez de focar apenas nos impactos ambientais, ele chamou a atenção para os US$ 2 trilhões investidos globalmente em energia limpa.

Stiell citou um amigo que, certa vez, lhe disse que apelar para o altruísmo das pessoas tem um alcance limitado. “Na grande corrida da vida, sempre aposte no interesse próprio: o que eu ganho com isso?”, apontou.

ESPECIALISTAS DEFENDEM QUE ENERGIA LIMPA GERA RIQUEZA

A ideia de que a energia limpa pode ser um grande negócio não é nova, mas, no atual contexto político, ela se tornou um argumento ainda mais forte.

“Esse é um discurso muito eficiente para convencer os conservadores, porque é verdadeiro”, diz Bob Inglis, ex-deputado republicano pelo estado norte-americano da Carolina do Sul e fundador do grupo RepublicEN.org, que defende políticas climáticas sob uma ótica conservadora. “Se fizermos isso da maneira certa, podemos liderar essa transformação, gerar riqueza e criar empregos.”

Como exemplo, Inglis cita Elon Musk e seu império baseado em carros elétricos, painéis solares e baterias. “Quando pessoas mais à direita percebem que podem lucrar com isso, passam a ver sentido na ideia. Do contrário, entendem que é apenas uma doação”, analisa.

A geração de empregos sempre foi um trunfo para os setores de energia solar, eólica e de veículos elétricos. Mas, agora, a estratégia vai além: o objetivo é transformar o interesse próprio em uma ferramenta de convencimento.

A ONU está apostando nisso. Durante seu discurso no Brasil, Stiell chamou os investimentos em energia limpa de “inevitáveis, dada a enorme oportunidade econômica que representam”.

Nos últimos dias, líderes da indústria de energia solar, da Oceantic Network e de outras organizações intensificaram a pressão sobre o Congresso dos EUA. Em mais de 100 reuniões e cartas enviadas a parlamentares, defenderam a manutenção de incentivos fiscais para garantir que os projetos de energia limpa continuem competitivos no mercado global.

O público-alvo dessa campanha não são políticos progressistas que já defendem ações climáticas. O objetivo é conquistar legisladores que rejeitam a pauta ambiental, mas que podem ser persuadidos pelo impacto econômico.

“Na administração anterior, o foco era mostrar os benefícios ambientais das políticas climáticas”, explica Jessie Stolark, diretora-executiva da Carbon Capture Coalition. “Agora, a ênfase está em energia, economia e empregos.”

Já Lisa Sachs, diretora do Columbia Center on Sustainable Investment, acredita que insistir na narrativa de que a transição energética é apenas uma questão ambiental foi um erro estratégico.

“A clareza com que o setor financeiro e empresarial agora defende a transição energética por razões econômicas é um alívio, depois de anos de discursos ambíguos, greenwashing e confusão”, diz Sachs. “Não é a solução perfeita para a crise climática, porque o setor privado, sozinho, não pode descarbonizar a economia. Mas, no contexto atual, essa é provavelmente a nossa melhor chance de progresso.”

Mesmo que Trump pareça irredutível, seus secretários de energia e do interior podem ser mais receptivos a esse tipo de argumento, avalia Frank Maisano, um veterano das relações públicas em Washington, que já trabalhou com setores que vão do petróleo e gás até energia eólica e baterias.

Para Joanna Depledge, historiadora do clima da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, o discurso da catástrofe climática não tem surtido efeito. “Está mais do que na hora de mudar a abordagem”, conclui.


SOBRE O AUTOR

Seth Borenstein e Alexa St. John, são repórteres da Associated Press. saiba mais