O calor do nosso corpo pode ser a nova (e inesperada) fonte de energia limpa

Setores como o de manufatura, que produzem muito calor residual também poderiam obter grandes benefícios ao transformá-lo em eletricidade

Crédito: Fast Company Brasil

Muhammad Muddasar 4 minutos de leitura

Se você já se viu em fotos tiradas por uma câmera de imagem térmica, sabe que seu corpo produz muito calor. Na verdade, esse calor é um produto residual do metabolismo. Cada metro quadrado do corpo humano emite, por hora, uma quantidade de calor equivalente a cerca de 19 fósforos. 

Infelizmente, grande parte desse calor simplesmente escapa para a atmosfera. Não seria ótimo se pudéssemos aproveitá-lo para produzir energia? Minha pesquisa mostrou que isso é de fato possível. Meus colegas e eu estamos descobrindo maneiras de capturar e armazenar o calor do corpo para a geração de energia, usando materiais ecologicamente corretos.

O objetivo é criar um dispositivo que seja capaz de gerar e armazenar energia, funcionando como um banco de energia integrado para equipamentos de tecnologia vestíveis.

Isso permitiria que dispositivos como relógios inteligentes, rastreadores de condicionamento físico ou rastreadores GPS funcionassem por muito mais tempo, ou até mesmo de forma ilimitada, aproveitando o calor do corpo.

Não é apenas o corpo humano que produz calor residual. Neste mundo tecnologicamente avançado, um volume considerável de calor residual é gerado diariamente, desde os motores dos veículos até máquinas que fabricam todo tipo de produto.

Normalmente, esse calor também é liberado na atmosfera, o que representa uma grande oportunidade perdida de recuperação de energia. O conceito que está surgindo de “recuperação de calor residual” busca solucionar essa ineficiência.

Ao aproveitar essa energia que, do contrário, seria desperdiçada, os setores podem melhorar sua eficiência operacional e contribuir para um ambiente mais sustentável.

O efeito termoelétrico é um fenômeno que pode ajudar a transformar calor em eletricidade. Isso funciona quando uma diferença de temperatura produz um potencial elétrico, pois os elétrons fluem do lado quente para o lado frio, gerando energia elétrica utilizável.

Os materiais termoelétricos convencionais, no entanto, geralmente são feitos de cádmio, chumbo ou mercúrio. Esses materiais apresentam riscos ambientais e à saúde que limitam suas aplicações práticas.

O POTENCIAL DA MADEIRA

Descobrimos que também é possível criar materiais termoelétricos a partir da madeira, oferecendo uma alternativa mais segura e sustentável.

A madeira tem sido parte integrante das civilizações humanas há séculos, servindo como fonte de materiais de construção e combustível. Estamos descobrindo o potencial dos materiais derivados da madeira para converter o calor residual, geralmente perdido nos processos industriais, em valiosa eletricidade.

Essa abordagem não apenas aumenta a eficiência energética, mas também redefine a forma como enxergamos os materiais do cotidiano como componentes essenciais das soluções de energia sustentável.

estamos descobrindo maneiras de capturar e armazenar o calor do corpo para a geração de energia.

Nossa equipe da Universidade de Limerick, em colaboração com a Universidade de Valência, desenvolveu um método sustentável para converter o calor residual em eletricidade usando produtos de madeira irlandeses, especialmente a lignina, que é um subproduto do setor de papel.

Nosso estudo mostra que as membranas à base de lignina, quando embebidas em uma solução salina, podem converter com eficiência o calor residual de baixa temperatura (abaixo de 200ºC) em eletricidade.

A diferença de temperatura entre a membrana de lignina faz com que os íons (átomos carregados) na solução salina se movam. Os íons positivos se deslocam para o lado mais frio e os negativos, para o lado mais quente. Essa separação de cargas cria uma diferença de potencial elétrico na membrana, que pode ser aproveitada como energia elétrica.

Crédito: Jitendra Jjadhav/ iStock

Como cerca de 66% do calor residual da indústria fica dentro dessa faixa de temperatura, essa inovação apresenta uma oportunidade significativa para soluções de energia sustentáveis.

Essa nova tecnologia tem o potencial de fazer uma grande diferença em muitas áreas. Setores como o de manufatura, que produzem enormes quantidades de calor residual, poderiam se beneficiar muito ao transformar isso em eletricidade – o que os ajudaria a economizar energia e diminuir o impacto sobre o meio ambiente.

Essa tecnologia pode ser usada em vários ambientes, desde o fornecimento de energia em áreas remotas até a alimentação de sensores e dispositivos em aplicações cotidianas. Sua natureza ecologicamente correta também a torna uma solução promissora para a geração de energia sustentável em edifícios e infraestrutura.

O PROBLEMA DO ARMAZENAMENTO

Capturar energia do calor residual é apenas o primeiro passo, mas armazená-la de forma eficaz é igualmente importante. Os supercapacitores são dispositivos de armazenamento de energia que carregam e descarregam eletricidade rapidamente, o que os torna essenciais para aplicações que exigem fornecimento rápido de energia.

No entanto, sua dependência de materiais de carbono derivados de combustíveis fósseis gera preocupações com a sustentabilidade, destacando a necessidade de alternativas renováveis em sua produção.

os materiais derivados da madeira também têm grande potencial para converter o calor residual em eletricidade.

Nosso grupo de pesquisa descobriu que o carbono poroso à base de lignina pode servir como eletrodo em supercapacitores para armazenamento de energia gerada a partir da coleta de calor residual, usando uma membrana de lignina.

Esse processo permite que a membrana capture e converta o calor residual em energia elétrica, enquanto a estrutura de carbono poroso facilita a rápida movimentação e o armazenamento de íons.

Ao fornecer uma alternativa ecológica que evita produtos químicos nocivos e a dependência de combustíveis fósseis, essa metodologia oferece uma solução sustentável para o armazenamento de energia a partir do calor residual.

Essa inovação na tecnologia de armazenamento de energia poderia abastecer qualquer coisa, desde eletrônicos de consumo até tecnologia vestível e veículos elétricos.

Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Muhammad Muddasar é candidato a PhD na Escola de Engenharia da Universidade de Limerick. saiba mais