O esquecido papel dos trabalhadores na formação do movimento ambientalista

Sindicatos automotivos, trabalhadores agrícolas e ativistas de direitos civis também foram fundamentais

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Ewan Gibbs 4 minutos de leitura

Há 60 anos, Rachel Carson, cientista e escritora da zona rural da Pensilvânia (nos EUA), publicou o livro “Primavera Silenciosa”, que expõe em detalhes os danos que os pesticidas DDT causavam nos animais e nas pessoas desde a década de 1950. O livro é amplamente creditado como tendo ajudado a consolidar o movimento ambientalista.

Rachel documentou histórias de todo o território norte-americano para alertar sobre os perigos do uso indiscriminado de pesticidas e as ameaças que representava a contaminação do solo. Ela enfrentaria acusações de alarmismo da indústria química pelo resto da vida. Mas “Primavera Silenciosa” conquistou um público cada vez mais cético em relação à ética e eficácia da indústria.

A crítica da autora às estreitas relações entre empresas e governos ecoou o conceito de elite do poder, popularizado por C. Wright Mills alguns anos antes. Ambientalistas inspirados por ela abandonaram o establishment e se tornaram fortes opositores do sistema – ou, pelo menos, se mantinham fora dele.

comunidades de trabalhadores normalmente são as que mais sofrem com a poluição e com os acidentes industriais.

Em 1990, o historiador ambiental Richard White propôs um questionamento: “você é realmente um ambientalista ou trabalha para viver?”. O ensaio de White era endereçado às pretensões ambientais de profissionais de colarinho branco que se opunham aos trabalhadores das indústrias poluentes.

Estudos mais recentes se basearam nos insights de White e destacaram o conhecimento e o respeito pela natureza desses trabalhadores. Também enfatizaram que essas comunidades normalmente são as que mais sofrem com a poluição e com os acidentes industriais.

Em “The Myth of Silent Spring” (O Mito da Primavera Silenciosa), o historiador social Chad Montrie narra a história das coalizões muito mais diversas que moldaram o movimento ambientalista norte-americano.

O AMBIENTALISMO DA CLASSE TRABALHADORA

Montrie ressaltou o papel dos sindicatos dos trabalhadores das indústrias automotivas, petrolíferas, químicas e de mineração na luta por melhorias ambientais desde o início da década de 1960, quando o livro de Rachel Carson estava ganhando popularidade.

O United Auto Workers (sindicato de trabalhadores da indústria automotiva dos EUA) apoiou campanhas por ar fresco e água limpa em cidades como Detroit, enquanto o United Farm Workers (sindicato de trabalhadores rurais) se opunha aos pesticidas usados na Califórnia.

Montrie também destacou o papel dos ativistas dos direitos civis na definição de demandas por justiça ambiental para a classe trabalhadora negra dos EUA. Isso inspirou campanhas contra o envenenamento por chumbo em cidades como St. Louis, no Missouri, e pela qualidade do ar em Gary, no estado de Indiana.

Chad Montrie ressaltou o papel dos sindicatos de trabalhadores das indústrias automotivas, petrolíferas, químicas e de mineração na luta por melhorias ambientais.

Minha pesquisa, ainda em andamento, sobre experiências de transições energéticas na comunidade e no local de trabalho no Reino Unido expôs algo semelhante. Colhi relatos de ambientalistas que se juntaram a protestos como a campanha de 1971 dos Amigos da Terra contra a política de garrafas não retornáveis da Schweppes.

Muitas deles conheceram seus companheiros de mobilização em campi universitários, em livrarias de esquerda e mercados de alimentos integrais. Esses lugares também se tornaram importantes “centros” de recrutamento para o movimento antinuclear.

Um exemplo de demanda da classe trabalhadora por ações ambientais pode ser encontrado nos registros do Scottish Trades Union Congress, centro sindical da Escócia. Na reunião de 1972, W.B. Blairford, membro do sindicato dos eletricistas, apresentou uma resolução antipoluição que estabeleceu uma agenda para o ambientalismo com consciência de classe.

Ele afirmou que, embora o ambientalismo fosse visto como “uma tendência em grande parte acadêmica e da classe média”, era “vital que os interesses dos trabalhadores estivessem plenamente representados neste importante debate”.

Blairford destacou os trabalhadores de siderúrgicas, que sofrem de doenças causadas pela indústria, os expostos ao amianto e as condições perigosas às quais mineradores de carvão são sujeitos. Também apresentou estudos sobre a poluição em áreas próximas de siderúrgicas em Durham e fábricas de cimento em Hampshire para defender que “foram os trabalhadores que mais sofreram com a poluição”.

EXTRATIVISTAS CONTRA O EXTRATIVISMO

Essas tendências ajudaram na consolidação do movimento ambientalista moderno nas sociedades anglófonas e em economias desindustrializantes. Entretanto, ignoram muitas das comunidades que sofrem o impacto de crises ambientais, como as mudanças climáticas.

Um ativismo mais combativo surgiu entre sindicalistas e grupos indígenas na América Latina. No Equador, movimentos contrários à indústria do petróleo fizeram críticas mais amplas ao extrativismo, rejeitando qualquer modelo econômico baseado na extração indevida de recursos através do colonialismo.

Esses debates e outros determinarão o futuro do ambientalismo. Já há vislumbres do que é possível. Em Glasgow, durante a mais recente cúpula da ONU sobre mudanças climáticas, Greta Thunberg marchou ao lado de trabalhadores em greve e de diversos ativistas de regiões marcadas pela extração de petróleo e de ilhas ameaçadas pela elevação do nível do mar.


SOBRE O AUTOR

Ewan Gibbs é professor de desigualdades globais na Universidade de Glasgow. saiba mais