O futuro do trabalho precisa das mulheres negras – e ele já começou
É hora de reconhecer as mulheres negras como parte essencial da inteligência coletiva que os novos tempos exigem

Saí do Brasil há 25 anos e, ao longo da minha trajetória, passei por países, organizações multilaterais, universidades e corporações onde fui muitas vezes a única mulher negra na sala. Se antes essa constatação me paralisava, hoje ela me movimenta.
O futuro do trabalho não será verdadeiramente novo enquanto seguir se parecendo com o passado. E um dos caminhos mais urgentes para transformá-lo passa pela presença ativa, estratégica e plural das mulheres negras.
Estamos diante de uma transição profunda nas dinâmicas do mercado: tecnologias emergentes, mudanças nos modelos de liderança, exigências sociais e ambientais que ganham força.
Nesse cenário, não basta discutir inovação, produtividade e impacto sem enfrentar a pergunta central: quem está tendo acesso a esse futuro? E mais: quem está ajudando a moldá-lo?
As mulheres negras não podem continuar sendo lembradas apenas nas estatísticas da exclusão. É hora de reconhecê-las como parte essencial da inteligência coletiva que esse novo tempo exige.
Meu olhar para a desigualdade racial sempre foi econômico. Não porque a dimensão moral seja menos importante, mas porque precisamos evidenciar o que o sistema perde ao nos manter à margem. A equidade racial, especialmente com foco na mulher negra, é um motor de crescimento e não um custo.
Quando há acesso à educação de qualidade, oportunidades reais de liderança e ambientes que respeitam nossas trajetórias, toda a engrenagem social e econômica se fortalece. Essa é uma equação comprovada e estratégica.
Para isso, no entanto, é preciso entender a complexidade do desafio. Gosto de pensar a desigualdade em duas dimensões: o estoque e o fluxo. O estoque diz respeito ao legado histórico da escravização e à ausência sistemática de acesso (é o que enfrentamos com políticas estruturantes, como ações afirmativas e investimentos sociais).

Já o fluxo é o que produzimos cotidianamente: as barreiras silenciosas, a desconfiança institucionalizada, o "imposto invisível" que penaliza o mérito negro. A mulher negra, mesmo quando alcança todos os requisitos formais, ainda precisa provar e sustentar seu lugar por caminhos mais difíceis. E isso é um desperdício de talento que não podemos mais naturalizar.
As soluções existem e precisam de escala. Garantir acesso à formação técnica e continuada é parte do processo, mas não basta. É necessário repensar critérios, reconhecer saberes que vêm de outras experiências, valorizar trajetórias que não seguem o modelo tradicional, mas que geram resultados concretos.
A mulher negra já está inovando em diferentes frentes, seja no empreendedorismo, na ciência, nas artes, nas comunidades, nas empresas. A diferença está em quem tem sido autorizado a ocupar os espaços mais visíveis.
A equidade racial, especialmente com foco na mulher negra, é um motor de crescimento e não um custo.
Outro passo essencial é o compromisso com a visibilidade e o desenvolvimento. Não basta contratar: é preciso sustentar essas presenças com patrocínio interno, mentorias com propósito e rotas reais de crescimento.
A liderança negra feminina não se constrói apenas com discursos inspiradores, ela exige estrutura. E mais: exige que as organizações se responsabilizem pela criação de ambientes onde essa liderança possa florescer sem medo, sem interrupção e sem a sensação de estar sempre sozinha.
Também é hora de mudar a forma como contamos as histórias. A mulher negra não é apenas resistência. Ela é criação, gestão, estratégia, solução.

Contar essas histórias é importante, mas mais importante ainda é garantir que elas se multipliquem. O futuro do trabalho precisa deixar de tratar nossas trajetórias como exceção. Isso exige intenção, investimento e uma mudança real de cultura.
Neste 25 de julho, escolho olhar para frente. Porque não estamos mais pedindo passagem – estamos pavimentando caminhos. O que o futuro do trabalho precisa não é apenas de mais diversidade nos números. Ele precisa da força criativa, analítica, coletiva e transformadora das mulheres negras em todos os níveis de decisão.
Nós já começamos. Agora é hora de garantir que não sejamos interrompidas.