O que 200 anos de experiência podem nos ensinar sobre reflorestamento

A Índia tem séculos de experiência com o plantio de árvores. Mas o simples fato de plantá-las não garante a restauração de florestas

Créditos: Windo Nugroho/ Vijay Sadasivuni/ Pexels

Dhanapal Govindarajulu 4 minutos de leitura

Permitir que as florestas se regenerem por conta própria tem sido defendido como uma estratégia para reduzir o carbono atmosférico que aquece o planeta, ao mesmo tempo em que aumenta a biodiversidade e os benefícios que os ecossistemas oferecem, além das muitas contribuições para a população local. 

Mas os esforços para expandir a cobertura verde global como medida para mitigar as mudanças climáticas têm se concentrado no plantio de árvores de crescimento rápido. Os motivos são óbvios: isso traz resultados mais rapidamente do que a restauração natural de florestas. Essa é uma abordagem bastante útil quando o objetivo é extrair madeira ou certificar créditos de carbono para compensar emissões.

A Índia se comprometeu a restaurar cerca de 21 milhões de hectares de floresta até 2030.

Embora plantações em fazendas e terras áridas possam fornecer lenha e madeira, aliviando a pressão sobre florestas naturais e auxiliando em sua regeneração, o plantio indiscriminado pode resultar em espécies invasoras e até mesmo desapropriar as pessoas de suas terras.

A Índia tem séculos de experiência com o plantio de árvores, oferecendo ao mundo lições valiosas sobre as implicações das diferentes abordagens de restauração florestal para as comunidades locais e para os ecossistemas. Essa visão de longo prazo é rara e precisa ser considerada para evitar que erros do passado sejam repetidos.

O PLANTIO NA ÍNDIA DA ERA COLONIAL

A partir do século 18, a Grã-Bretanha estendeu sua influência sobre o país e controlou grande parte de seus negócios por meio da Companhia das Índias Orientais. Entre 1857 e 1947, a monarquia britânica governou a Índia e direcionou seu foco para as florestas.

O objetivo era extrair grandes quantidades de madeira para construir trilhos de trem e navios para transportar o algodão, a borracha e o chá que eram retirados de lá. Porém, com o Ato Florestal Indiano de 1865, as florestas com árvores de alto rendimento se tornaram propriedade do Estado.

Para maximizar a produção, as autoridades britânicas restringiram os direitos da população local de coletar recursos além de grama e bambu. Até mesmo a criação de gado foi limitada. Como resposta, as comunidades indianas queimaram partes das florestas.

Nesse período, plantações de teca – uma espécie adaptada ao clima quente e úmido da Índia e fonte de madeira durável – se espalharam. Pastagens intocadas e florestas abertas foram substituídas por monoculturas de teca.

Acácia-negra ( Crédito: Freepik)

Por volta de 1790, houve a introdução de eucaliptos e outras árvores exóticas no país. Uma dessas espécies foi a acácia-negra (Acacia mearnsii), introduzida em 1861, com algumas centenas de milhares de mudas plantadas no distrito de Nilgiris. Essa região é o que os cientistas chamam de “hotspot de biodiversidade” – um ecossistema raro, repleto de espécies.

A acácia-negra se tornou invasora e dominou grande parte das pastagens montanhosas da região. O pinheiro se espalhou pelo Himalaia e tomou o lugar do carvalho, enquanto a teca substituiu o sal, uma planta nativa, no centro da Índia.

Tanto o carvalho quanto o sal são valorizados por sua utilidade como combustível, forragem, fertilizante, medicamento e óleo. Sua perda e a perda de pastagens empobreceram muitos indianos.

RESTAURAÇÃO NA ÍNDIA DOS DIAS DE HOJE

A Índia se comprometeu a restaurar cerca de 21 milhões de hectares de floresta até 2030 como parte do Desafio de Bonn. Um relatório de progresso divulgado pelo governo em conjunto com a União Internacional para a Conservação da Natureza em 2018 afirmou que aproximadamente 10 milhões de hectares estavam em processo de restauração.

A ênfase em ampliar a área de cobertura verde se reflete na política florestal nacional, que tem como objetivo reflorestar 33% do território do país. No entanto, as estratégias sob essa política incluem monoculturas, como o eucalipto, que cresce rapidamente e pode acelerar o aumento da cobertura.

Crédito: Freepik

Em alguns casos, essas árvores são plantadas em pastagens e outros ecossistemas onde a vegetação é naturalmente escassa. Como resultado, o reflorestamento prejudica as populações rurais e indígenas, que dependem desses ecossistemas.

A contínua introdução de árvores exóticas aumenta o risco de surgimento de novas espécies invasoras, de maneira semelhante ao que ocorreu com a acácia-negra há 200 anos.

FLORESTAS FUTURAS

O sucesso dos esforços de restauração florestal não pode ser medido apenas pela expansão da cobertura verde. A definição de “floresta” adotada pelo governo indiano ainda engloba plantações compostas por uma única espécie de árvore.

A contínua introdução de árvores exóticas aumenta o risco de surgimento de novas espécies invasoras.

Isso significa que os levantamentos bienais não são capazes de quantificar a extensão de floresta natural restaurada, tampouco refletem as consequências de substituir árvores nativas por espécies competitivas. Além disso, não conseguem identificar se essas árvores exóticas invadiram pastagens naturais que foram erroneamente classificadas como florestas restauradas.

O plantio não necessariamente indica que uma floresta está sendo restaurada. Reviver ecossistemas nos quais as árvores são escassas também é importante. Uma métrica mais útil seria avaliar se as comunidades locais e o meio ambiente estão realmente se beneficiando, não apenas observar as copas das árvores de cima.

Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation e reproduzido em acordo com a licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Dhanapal Govindarajulu é pesquisador de pós-graduação no Instituto de Desenvolvimento Global da Universidade de Manchester. saiba mais