O que a teoria dos germes pode nos ensinar sobre o combate à crise climática

No final do século 19, cirurgiões que negavam a existência de germes passaram a adotar técnicas antissépticas

Crédito: Fast Company Brasil

Ron Barret 3 minutos de leitura

Por mais estranho que possa parecer, a teoria dos germes pode nos ensinar muito sobre como lidar com os diferentes posicionamentos de hoje em relação às mudanças climáticas.

Enquanto fazia minha pesquisa para um novo livro sobre a história das infecções, encontrei muitas semelhanças entre as primeiras discussões sobre a existência de micróbios e os debates atuais sobre o aquecimento global.

Ambos expõem a dificuldade de perceber uma ameaça invisível. Também mostram que interesses econômicos atuam para manter o status quo. Mas, sobretudo, revelam como pessoas com crenças e interesses diferentes ainda podem concordar com políticas e práticas essenciais para enfrentar um problema global.

A máxima “ver para crer” tem um papel importante nisso. Até meados do século 19, era muito difícil ver os pequenos organismos responsáveis pelas chamadas “doenças febris”.

Embora as evidências indiretas fossem convincentes, muitas pessoas permaneceram céticas em relação aos “animálculos” – como os microrganismos eram chamados – até que o microscópio fosse suficientemente desenvolvido.

Ainda assim, a aceitação foi gradual. A ideia dominante sobre gases causadores de doenças, chamados miasmas, persistiu por várias décadas até que a explicação de que a febre é causada por organismos vivos fosse finalmente aceita.

As mudanças climáticas enfrentam um desafio semelhante. Embora todos possam ver e sentir o clima, muitas vezes é difícil observar padrões e tendências sem a ajuda de gráficos técnicos.

"A Clínica Agnew", de 1889, por Thomas Eakins (Crédito: Wikipédia)

Mesmo quando as pessoas reconhecem o quadro geral, não se sentem responsáveis, já que, assim como as infecções, é algo invisível a olho nu. É difícil propor soluções individuais quando as evidências da causa humana não são vistas.

Somado a isso, os interesses econômicos muitas vezes se sobrepõem às recomendações científicas. No caso da teoria dos germes, as primeiras recomendações para prevenir a propagação de infecções incluíam quarentenas em portos e fronteiras, o que impedia o fluxo internacional de comércio.

TEORIA VERSUS PRÁTICA

No caso das mudanças climáticas, a recomendação é diminuir o consumo de combustíveis à base de carbono, reduzindo assim o fluxo de petróleo. Essas estratégias podem ameaçar meios de subsistência e lucros. Não é surpresa, portanto, que sindicatos estejam divididos em relação a iniciativas verdes e que a indústria de combustíveis fósseis espalhe desinformação sobre a crise climática.

Mas as crenças e interesses não precisam estar alinhados se todos virem benefícios. Foi exatamente o que aconteceu nas últimas décadas do século 19, quando cirurgiões que negavam a existência de germes acabaram adotando as técnicas antissépticas propostas por Joseph Lister, pioneiro nas técnicas de desinfecção nas cirurgias e considerado o "pai" da cirurgia moderna.

É difícil propor soluções individuais quando as evidências da causa humana não são vistas.

Eles fizeram isso por um motivo prático – seus pacientes apresentavam melhora com os novos métodos. Ainda assim, não aceitavam que essas técnicas preveniam infecções por organismos vivos. Continuavam afirmando que apenas impediam a transmissão de miasmas.

Lister, no entanto, estava mais preocupado em salvar vidas do que em vencer discussões. Desde que adotassem seus métodos, ele pouco se importava com as justificativas. Quando se tratava de prevenir infecções, eram os comportamentos – e não as crenças – que contavam.

O mesmo pode ser dito sobre a crise climática. Mudar comportamentos é mais importante do que mudar crenças. Um exemplo é o crescente movimento ambientalista entre cristãos evangélicos. Organizações como Green Faith e Creation Care Task Force estão usando escrituras bíblicas para promover a proteção ambiental como um dever sagrado.

    Embora muitos desses grupos reconheçam as mudanças climáticas, algumas de suas crenças centrais contradizem as teorias evolutivas. Mas não precisamos concordar sobre a evolução para eliminar o uso de combustíveis fósseis. Isso também vale para prioridades e interesses econômicos.

    E esta é uma lição que podemos aprender com o embate sobre germes: apesar de não concordarem com todas as medidas de prevenção de doenças, foi possível encontrar um ponto em comum – e isso fez com que as taxas de mortalidade caíssem consideravelmente, como nunca antes na história.

    Este artigo foi publicado no “The Conversation” e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


    SOBRE O AUTOR

    Ron Barrett é professor de antropologia no Macalester College. saiba mais