O que é o “veganismo de IA” e por que ele pode crescer?

Pessoas estão deixando a inteligência artificial de lado por decisão própria. Seja por conta da natureza ou do impacto criativo

O que é o “veganismo de inteligência artificial”
Créditos: Wachiwit via Getty Images

David Joyner 3 minutos de leitura

Novas tecnologias geralmente seguem um ciclo conhecido. Inovadores e entusiastas adotam primeiro, enquanto os mais céticos demoram a entrar.

A inteligência artificial (IA) parece seguir esse padrão, mas pesquisas recentes indicam que ela pode tomar um rumo diferente, com impactos importantes para negócios, educação e sociedade.

Esse comportamento tem sido descrito como hesitação ou relutância em relação à IA. Na lógica tradicional, mesmo quem resiste acaba aderindo. Mas por que seria diferente agora?

Estudos recentes sugerem que as motivações por trás dessa rejeição são mais variadas. Algumas se parecem com as de outras tecnologias. Outras são exclusivas da IA. E para quem observa de perto esse movimento, há uma comparação que ajuda a explicar o fenômeno: o veganismo.

O QUE É VEGANISMO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL?

A ideia é simples. Assim como veganos evitam produtos de origem animal, há pessoas que escolhem não usar ferramentas baseadas em inteligência artificial. E, como no veganismo alimentar, os motivos não desaparecem com o tempo. Eles não se resolvem apenas com o uso ou a familiaridade.

O mais interessante é que muitas dessas pessoas não são tecnofóbicas. Ao contrário, fazem parte do grupo que costuma adotar inovações primeiro, como os estudantes universitários que participaram de um dos estudos citados.

A comparação com o veganismo ajuda a entender os motivos por trás dessa recusa

Esse comportamento tem precedentes. No fundo, a IA é um conjunto de algoritmos. E a aversão a decisões algorítmicas já é conhecida. Pessoas preferem, por exemplo, conselhos amorosos dados por humanos, mesmo quando os algoritmos têm um desempenho melhor.

A comparação com o veganismo também ajuda a entender os motivos mais comuns por trás dessa recusa. Três deles são bastante próximos aos que levam alguém a adotar uma dieta vegana.

QUESTÕES ÉTICAS

Um dos motivos mais frequentes para o veganismo é a preocupação com o sofrimento animal. De forma parecida, cresce o desconforto com o uso de obras criativas para treinar sistemas de inteligência artificial sem autorização ou compensação.

Foi justamente essa a pauta central das greves dos roteiristas e atores de Hollywood em 2023. As negociações visavam garantir proteções contra o uso não autorizado de roteiros, imagens e vozes para alimentar modelos de IA.

Mesmo com acordos em vigor, muitos modelos continuam sendo treinados com conteúdos de freelancers e criadores independentes, que não contam com nenhuma forma de proteção.

IMPACTO AMBIENTAL

Outra motivação importante é a preocupação ambiental. A agropecuária intensiva tem efeitos conhecidos, como desmatamento e emissões de gases. No caso da IA, os impactos estão ligados ao consumo crescente de energia e água.

Ao tomar consciência dos impactos ambientais, usuários tendem a mudar sua relação com a IA

A demanda por recursos computacionais cresce de forma acelerada. E, mesmo com ganhos de eficiência, há o chamado efeito rebote, em que a melhora no desempenho leva a um uso ainda maior da tecnologia.

Pesquisas indicam que, ao tomar consciência desses impactos, usuários tendem a mudar sua relação com a IA. Em Cambridge, por exemplo, estudantes citaram o alto consumo de água como um dos fatores para rejeitar essas ferramentas.

BEM-ESTAR PESSOAL

Muitos veganos também citam preocupações com a saúde como motivo para abandonar o consumo de carne. Algo semelhante acontece com quem evita a IA.

Um estudo da Microsoft Research mostrou que usuários mais confiantes no uso de IA generativa apresentaram queda na capacidade de pensamento crítico. Em outro levantamento, alguns estudantes disseram evitar a tecnologia com receio de se tornarem mentalmente preguiçosos.

A ideia de que o uso excessivo da IA possa trazer efeitos negativos à cognição ou ao bem-estar mental pode, portanto, motivar uma espécie de abstinência digital.

COMO A SOCIEDADE PODE RESPONDER

O veganismo criou um ecossistema próprio. Hoje há produtos certificados, restaurantes especializados e marcas voltadas a esse público. O mesmo pode acontecer com a IA.

Empresas já começam a usar a ausência de IA como diferencial, assim como fazem buscadores como DuckDuckGo ou navegadores da Mozilla, que se posicionam em defesa da privacidade.

Nos Estados Unidos, apenas cerca de 4% da população se declara vegana. Mesmo assim, isso foi suficiente para estabelecer um mercado de nicho viável. Resta saber se o veganismo de IA seguirá o mesmo caminho.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

David Joyner é reitor associado e pesquisador sênior da Faculdade de Computação do Instituto de Tecnologia da Geórgia. saiba mais