O que está em jogo ao redesenhar o mundo com IA
Se a inteligência artificial é a tecnologia mais transformadora das últimas décadas, como garantir que ela realmente traga benefícios para as pessoas?

“Precisamos de ajuda. Sério, precisamos muito da sua ajuda.”
Foi assim que Steve Jobs começou sua fala: subiu ao palco, tirou o casaco e o deixou no chão, fazendo um apelo direto a um grupo de designers para que ajudassem a moldar a revolução que estava chegando. Na Conferência Internacional de Design de 1983, em Aspen, Colorado, ele apresentou sua visão para a iminente era do computador pessoal.
Em seguida, lançou o desafio: “temos a chance de criar algo extraordinário ou vamos apenas colocar mais um produto ruim no mercado. Isso pode ser incrível… ou um desastre. E precisamos de ajuda. Sério, precisamos muito da sua ajuda.”
MAIS UM PRODUTO RUIM?
Jobs entendia que grandes avanços tecnológicos não são apenas uma questão de acelerar o que já existe, mas de criar oportunidades para reinvenções profundas e isso exige mais do que soluções técnicas. A forma como conduzimos essas revoluções define quem participa, quem se beneficia, o que conquistamos e o que deixamos para trás.
A inteligência artificial, a revolução da vez, surge em um momento de descrença generalizada nos sistemas atuais: só 36% das pessoas acreditam que a próxima geração viverá melhor, dois terços acham que a sociedade está no caminho errado e o populismo cresce no mundo todo.
Por isso, a maneira como essa transformação será conduzida é decisiva. Ela vai concentrar ainda mais riqueza, poder e frustração? Ou pode abrir as portas para uma era de abundância em ciência, educação, energia, esperança e oportunidades?
O design é justamente o que dá forma e propósito a essas criações, permitindo que a vida, os sistemas e o futuro sejam moldados de forma consciente. E é aí que está tanto o desafio quanto a oportunidade: precisamos redesenhar tudo.
COMO PODEMOS REINVENTAR?
Revoluções tecnológicas abrem janelas de oportunidade para criar novas normas sociais e repensar instituições e estruturas. Essa janela vai afetar nosso dia a dia de muitas formas: como as pessoas encontram um parceiro romântico, como crianças escrevem redações, como empresas selecionam candidatos para vagas, como nos deslocamos nas cidades e até como recebemos diagnósticos médicos.
Se vamos criar algo positivo ou não, depende de nós. Na ENSO – empresa que ajuda organizações a desenhar o futuro que desejam –, aprendemos que grandes mudanças só funcionam com três ingredientes: clareza, coragem e criatividade, para que o resultado beneficie a todos.
ENCONTRE CLAREZA: FAÇA GRANDES PERGUNTAS
Em tempos comuns, perguntas comuns funcionam: “como aumentar a participação no mercado?”, “como ser mais eficiente?” ou “como melhorar o processo?”. Essas questões pressupõem que o futuro será parecido com o passado, e que pequenas mudanças são suficientes.
Em momentos de ruptura, perguntas pequenas limitam a visão
Mas em momentos de ruptura, perguntas pequenas limitam a visão. Como disse Clayton Christensen, professor de Harvard: “não existe resposta certa sem a pergunta certa”.
Na ENSO, ao projetar o futuro, preferimos começar com questões como: “o que seria sucesso absoluto?”, “o que as pessoas realmente querem?” e, mais recentemente, “Como a inteligência artificial pode reinventar este setor e esta empresa?”.
É impressionante como líderes de uma mesma organização podem enxergar de forma tão diferente o presente, os desafios e o futuro. Ter clareza sobre isso é essencial para evitar que todos caminhem em direções opostas.
Christensen também lembrava que é preciso entender “o trabalho que precisa ser feito” para o cliente: ele quer um café ou uma experiência? Um diagnóstico ou uma conversa acolhedora? Um produto cheio de recursos ou tranquilidade? Descobrir o que é sucesso, para todos os envolvidos, é o ponto de partida de qualquer reinvenção. E o que é sucesso hoje pode ser bem diferente do que era ontem.
Muitos líderes se acostumaram a encontrar respostas rápidas usando as “melhores práticas” do mercado – mas isso só mantém ideias antigas vivas. Períodos de reinvenção pedem mais perguntas, mais escuta e mais disposição para abrir caminhos ousados.
ESTIMULE A CORAGEM: EXPLORE, NÃO APENAS PREVEJA
Dizer que não sabemos como a revolução da inteligência artificial vai se desenvolver é pouco. Alguns, como Dario Amodei, CEO da Anthropic e autor de “Machines of Loving Grace” (Máquinas de graça amorosa). Mas o próprio Amodei admite que pode “estar totalmente errado” e defende que é preciso explorar mais: “precisamos de uma visão inspiradora do futuro, não só de planos para apagar incêndios. O medo motiva, mas não basta – é preciso esperança”.
Organizações sem visão se apegam a previsões para se sentirem seguras. Já as que se inspiram no futuro exploram incansavelmente o que ainda não existe, especialmente agora, quando a IA abre possibilidades sem precedentes.
Empresas, porém, adoram previsões. Elas dão uma falsa sensação de segurança e controle, mas assumem que o futuro será apenas uma versão um pouco melhor do presente. Esse pensamento ignora mudanças nos comportamentos, canais ultrapassados de marketing e, pior, as oportunidades que estão ao alcance e não são exploradas.
Organizações sem visão se apegam a previsões para se sentirem seguras. Já as que se inspiram no futuro exploram incansavelmente o que ainda não existe, especialmente agora, quando a inteligência artificial abre possibilidades sem precedentes.
O economista Tim Harford já disse: “o problema das previsões não é só a falta de precisão, mas o fato de que elas nos impedem de pensar mais profundamente sobre o futuro”. Vale a pena refletir sobre o que vem pela frente, não para acertar, mas porque isso nos torna mais preparados.
Na ENSO, criar cenários tem se mostrado extremamente útil. Sem a pressão de “acertar na mosca”, conseguimos imaginar múltiplos futuros. Alguns seguem a lógica atual, outros exploram possibilidades otimistas ou mudanças radicais.
Cada cenário revela como a empresa pode agir, o que dizer, como as pessoas reagiriam. Esses cenários são discutidos, refinados e aprimorados. É um processo leve, curioso e criativo – exatamente o oposto dos planejamentos tradicionais, que escolhem um único caminho e acabam se transformando em disputas por orçamento e poder.