O que está em jogo ao redesenhar o mundo com IA

Se a inteligência artificial é a tecnologia mais transformadora das últimas décadas, como garantir que ela realmente traga benefícios para as pessoas?

O que está em jogo ao redesenhar o mundo com IA
Créditos: imagedepotpro via Getty images

Sebastian Buck 5 minutos de leitura

“Precisamos de ajuda. Sério, precisamos muito da sua ajuda.”

Foi assim que Steve Jobs começou sua fala: subiu ao palco, tirou o casaco e o deixou no chão, fazendo um apelo direto a um grupo de designers para que ajudassem a moldar a revolução que estava chegando. Na Conferência Internacional de Design de 1983, em Aspen, Colorado, ele apresentou sua visão para a iminente era do computador pessoal.

Em seguida, lançou o desafio: “temos a chance de criar algo extraordinário ou vamos apenas colocar mais um produto ruim no mercado. Isso pode ser incrível… ou um desastre. E precisamos de ajuda. Sério, precisamos muito da sua ajuda.”

MAIS UM PRODUTO RUIM? 

Jobs entendia que grandes avanços tecnológicos não são apenas uma questão de acelerar o que já existe, mas de criar oportunidades para reinvenções profundas e isso exige mais do que soluções técnicas. A forma como conduzimos essas revoluções define quem participa, quem se beneficia, o que conquistamos e o que deixamos para trás.

A inteligência artificial, a revolução da vez, surge em um momento de descrença generalizada nos sistemas atuais: só 36% das pessoas acreditam que a próxima geração viverá melhor, dois terços acham que a sociedade está no caminho errado e o populismo cresce no mundo todo.

Por isso, a maneira como essa transformação será conduzida é decisiva. Ela vai concentrar ainda mais riqueza, poder e frustração? Ou pode abrir as portas para uma era de abundância em ciência, educação, energia, esperança e oportunidades?

O design é justamente o que dá forma e propósito a essas criações, permitindo que a vida, os sistemas e o futuro sejam moldados de forma consciente. E é aí que está tanto o desafio quanto a oportunidade: precisamos redesenhar tudo.

COMO PODEMOS REINVENTAR?

Revoluções tecnológicas abrem janelas de oportunidade para criar novas normas sociais e repensar instituições e estruturas. Essa janela vai afetar nosso dia a dia de muitas formas: como as pessoas encontram um parceiro romântico, como crianças escrevem redações, como empresas selecionam candidatos para vagas, como nos deslocamos nas cidades e até como recebemos diagnósticos médicos.

Se vamos criar algo positivo ou não, depende de nós. Na ENSO – empresa que ajuda organizações a desenhar o futuro que desejam –, aprendemos que grandes mudanças só funcionam com três ingredientes: clareza, coragem e criatividade, para que o resultado beneficie a todos.

ENCONTRE CLAREZA: FAÇA GRANDES PERGUNTAS

Em tempos comuns, perguntas comuns funcionam: “como aumentar a participação no mercado?”, “como ser mais eficiente?” ou “como melhorar o processo?”. Essas questões pressupõem que o futuro será parecido com o passado, e que pequenas mudanças são suficientes.

Em momentos de ruptura, perguntas pequenas limitam a visão

Mas em momentos de ruptura, perguntas pequenas limitam a visão. Como disse Clayton Christensen, professor de Harvard: “não existe resposta certa sem a pergunta certa”.

Na ENSO, ao projetar o futuro, preferimos começar com questões como: “o que seria sucesso absoluto?”, “o que as pessoas realmente querem?” e, mais recentemente, “Como a inteligência artificial pode reinventar este setor e esta empresa?”.

É impressionante como líderes de uma mesma organização podem enxergar de forma tão diferente o presente, os desafios e o futuro. Ter clareza sobre isso é essencial para evitar que todos caminhem em direções opostas.

Christensen também lembrava que é preciso entender “o trabalho que precisa ser feito” para o cliente: ele quer um café ou uma experiência? Um diagnóstico ou uma conversa acolhedora? Um produto cheio de recursos ou tranquilidade? Descobrir o que é sucesso, para todos os envolvidos,  é o ponto de partida de qualquer reinvenção. E o que é sucesso hoje pode ser bem diferente do que era ontem.

Muitos líderes se acostumaram a encontrar respostas rápidas usando as “melhores práticas” do mercado – mas isso só mantém ideias antigas vivas. Períodos de reinvenção pedem mais perguntas, mais escuta e mais disposição para abrir caminhos ousados.

ESTIMULE A CORAGEM: EXPLORE, NÃO APENAS PREVEJA

Dizer que não sabemos como a revolução da inteligência artificial vai se desenvolver é pouco. Alguns, como Dario Amodei, CEO da Anthropic e autor de “Machines of Loving Grace” (Máquinas de graça amorosa). Mas o próprio Amodei admite que pode “estar totalmente errado” e defende que é preciso explorar mais: “precisamos de uma visão inspiradora do futuro, não só de planos para apagar incêndios. O medo motiva, mas não basta – é preciso esperança”.

Organizações sem visão se apegam a previsões para se sentirem seguras. Já as que se inspiram no futuro exploram incansavelmente o que ainda não existe, especialmente agora, quando a IA abre possibilidades sem precedentes.

Empresas, porém, adoram previsões. Elas dão uma falsa sensação de segurança e controle, mas assumem que o futuro será apenas uma versão um pouco melhor do presente. Esse pensamento ignora mudanças nos comportamentos, canais ultrapassados de marketing e, pior, as oportunidades que estão ao alcance e não são exploradas.

Organizações sem visão se apegam a previsões para se sentirem seguras. Já as que se inspiram no futuro exploram incansavelmente o que ainda não existe, especialmente agora, quando a inteligência artificial abre possibilidades sem precedentes.

O economista Tim Harford já disse: “o problema das previsões não é só a falta de precisão, mas o fato de que elas nos impedem de pensar mais profundamente sobre o futuro”. Vale a pena refletir sobre o que vem pela frente, não para acertar, mas porque isso nos torna mais preparados.

Na ENSO, criar cenários tem se mostrado extremamente útil. Sem a pressão de “acertar na mosca”, conseguimos imaginar múltiplos futuros. Alguns seguem a lógica atual, outros exploram possibilidades otimistas ou mudanças radicais.

Cada cenário revela como a empresa pode agir, o que dizer, como as pessoas reagiriam. Esses cenários são discutidos, refinados e aprimorados. É um processo leve, curioso e criativo – exatamente o oposto dos planejamentos tradicionais, que escolhem um único caminho e acabam se transformando em disputas por orçamento e poder.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Sebastian Buck é o cofundador da enso. saiba mais