O que se sabe até agora sobre os impactos de longo prazo da Covid-19
Novas e recorrentes infecções resultam em milhões de novos casos de Covid longa, aumentando o número já expressivo dos que sofrem com essa doença
Desde 2020, a doença conhecida como Covid longa tem se tornado uma incapacidade generalizada que afeta a saúde e a qualidade de vida de milhões de pessoas em todo o mundo e custa bilhões à economia mundial devido à redução da produtividade dos funcionários e à queda geral da força de trabalho.
O esforço científico que a Covid longa desencadeou resultou em mais de 24.000 publicações científicas, tornando-a a condição de saúde mais pesquisada em um intervalo de apenas quatro anos de toda a história humana.
Covid longa é um termo que descreve uma série de efeitos de longo prazo à saúde causados pela infecção pelo vírus SARS-CoV-2. Esses efeitos variam de sintomas respiratórios persistentes a uma fadiga debilitante ou névoa cerebral que limita a capacidade de trabalho das pessoas, além de condições como insuficiência cardíaca e diabetes, que são conhecidas por durarem a vida toda.
Como médico e epidemiologista clínico, me dediquei profundamente ao estudo da Covid-19 desde os primeiros dias da pandemia. Durante o primeiro semestre de 2024, uma enxurrada de relatórios e artigos científicos sobre a Covid longa esclareceu essa condição complexa.
Isso inclui descobertas sobre como a Covid-19 pode continuar causando estragos em muitos órgãos anos depois da infecção viral inicial, bem como evidências sobre a persistência viral e a disfunção imunológica que duram meses ou anos após a infecção inicial.
POR QUANTO TEMPO A COVID AFETA O CORPO
Um novo estudo publicado no "The New England Journal of Medicine" mostra que o risco de Covid longa diminuiu ao longo da pandemia. Em 2020, 10,4% dos adultos que contraíram Covid-19 desenvolveram Covid longa. No início de 2022, essa taxa caiu para 7,7% entre os adultos não vacinados e 3,5% entre os vacinados. As pessoas não vacinadas tinham mais do que o dobro da probabilidade de desenvolver Covid longa.
Descobrimos que o declínio foi o resultado de dois fatores principais: disponibilidade de vacinas e mudanças nas características do vírus, o que o tornou menos propenso a causar infecções agudas graves e pode ter reduzido sua capacidade de persistir no corpo humano por tempo suficiente para causar doenças crônicas.
A Covid longa pode afetar desde crianças até adultos mais velhos, de todas as etnias e condições de saúde.
Apesar do declínio no risco de desenvolver a Covid longa, até mesmo o risco de 3,5% é considerável. Infecções novas e repetidas se traduzem em milhões de novos casos de Covid longa que se somam a um número já impressionante de pessoas que sofrem dessa condição.
As estimativas para o primeiro ano da pandemia sugerem que pelo menos 65 milhões de pessoas em todo o mundo tiveram Covid longa.
Um novo relatório das Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina detalha todos os impactos à saúde que caracterizam a Covid longa. Ele conclui que se trata de uma condição crônica complexa, que pode resultar em mais de 200 efeitos à saúde em vários sistemas do corpo. Esses efeitos incluem um novo início ou uma piora nos quadros de:
doenças cardíacas
problemas neurológicos, como comprometimento cognitivo, derrames e disautonomia; essa é uma categoria de distúrbios que afetam o sistema nervoso autônomo do corpo (que regula a maioria dos nossos mecanismos vitais, como pressão arterial, frequência cardíaca e temperatura).
mal-estar pós-exercício, um estado de exaustão grave que pode ocorrer até mesmo após uma atividade leve, muitas vezes deixando o paciente incapaz de fazer qualquer coisa por horas, dias ou semanas
distúrbios gastrointestinais
doença renal
distúrbios metabólicos, como diabetes e hiperlipidemia, ou aumento do colesterol ruim
disfunção imunológica
A Covid longa pode afetar pessoas ao longo de toda a vida, desde crianças até adultos mais velhos, de todas as etnias e condições de saúde. É importante ressaltar que mais de 90% das pessoas com Covid longa tiveram infecções leves por Covid-19.
O relatório das Academias Nacionais também concluiu que a Covid longa pode resultar na incapacidade de retornar ao trabalho ou à escola; baixa qualidade de vida; diminuição da capacidade de realizar atividades da vida diária; e diminuição da função física e cognitiva por meses ou anos após a infecção inicial.
UM LONGO CAMINHO PELA FRENTE
Os problemas de saúde resultantes da Covid-19 podem durar anos após a infecção inicial. Um grande estudo publicado no início de 2024 mostrou que mesmo as pessoas que tiveram uma infecção leve por SARS-CoV-2 ainda apresentavam novos problemas de saúde relacionados à Covid-19 no terceiro ano após a infecção inicial.
Essas descobertas são paralelas a outras pesquisas que mostram que o vírus persiste em vários sistemas de órgãos por meses ou anos após a infecção. E a pesquisa está mostrando que as respostas imunológicas ainda são evidentes dois a três anos depois de uma infecção leve.
Juntos, esses estudos podem explicar por que uma infecção por SARS-CoV-2 ocorrida anos atrás ainda pode causar novos problemas de saúde muito tempo depois da infecção inicial.
Apesar das evidências esmagadoras dos riscos abrangentes da Covid-19, muitas mensagens sugerem que ela não é mais uma ameaça para o público. Embora não haja evidências empíricas para apoiar isso, essa desinformação tem permeado a narrativa pública. Os dados, no entanto, contam uma história diferente.
As infecções por Covid-19 continuam a superar os casos de gripe e levam a mais hospitalizações e mortes do que a gripe. A Covid-19 também leva a problemas de saúde a longo prazo mais graves. Encarar a doença como um resfriado qualquer ou equipará-la à gripe não se alinha com a realidade.
Este artigo foi republicado do The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.