O TikTok deveria arcar com os cuidados de saúde mental de adolescentes?

Um novo processo argumenta que as empresas de mídia social devem ajudar a pagar pelos custos dos cuidados de saúde mental dos estudantes

Crédito: Freepik/ Envato Elements

Clint Rainey 5 minutos de leitura

As escolas públicas da cidade de Seattle, nos EUA, entraram com um processo inédito contra as principais empresas de mídia social – TikTok, Instagram, Facebook, YouTube e Snap. A acusação é de que essas plataformas "exploram os cérebros vulneráveis dos jovens" com fins lucrativos e que as big techs estão gerando uma epidemia de saúde mental dentre os adolescentes norte-americanos.

Os gigantes das redes sociais estão enfrentando uma série de problemas na justiça por conta do suposto uso de táticas psicológicas pensadas propositalmente para aumentar o engajamento dos usuários mais jovens, a fim de vender mais anúncios. As preocupações com essas táticas aumentaram depois que relatórios recentes revelaram detalhes preocupantes sobre como essas empresas estão dando pouca relevância à questão. 

Durante o último Estado da União – o discurso anual feito pelo presidente dos Estados Unidos na presença do Congresso –, Joe Biden chegou a declarar que era hora de “responsabilizar as plataformas de mídia social por usarem nossos filhos em um experimento para obter lucro”.

No processo que estão movendo, as escolas de Seattle citam o comentário de Biden, alegando que sua intenção ao entrar na justiça é “colocar na prática exatamente o que o presidente defendeu”.

As escolas argumentam que essas empresas são responsáveis por viciar dezenas de milhões de estudantes em “ciclos de busca desenfreada por likes e no uso excessivo e abusivo das redes”. Esta é a primeira ação legal exigindo indenização para compensar os gastos crescentes que as escolas estão tendo para cuidar da saúde mental dos alunos.

O aumento do número de jovens que sofrem com problemas de saúde mental já está mais do que provado e registrado por pesquisas. Desde meados da década de 2010, o suicídio se tornou a segunda maior causa de morte entre os adolescentes norte-americanos.

As escolas públicas de Seattle argumentam que esses índices crescem com o aumento do uso de mídia social – uma tendência exacerbada pela pandemia, durante a qual os jovens passaram ainda mais tempo nesses aplicativos.

AS EMPRESAS SE DEFENDEM

O processo acrescenta que o aparente fracasso das plataformas em proteger os usuários mais jovens de conteúdo perigoso “apenas intensificou esta crise”. Não é incomum que os adolescentes esbarrem em TikToks que incentivam a automutilação ou em postagens do Instagram que normalizam a dismorfia corporal, por exemplo.

Em comunicado, o TikTok disse que não pode comentar sobre litígios ativos, mas observou que, para priorizar a segurança e o bem-estar dos adolescentes, oferece acesso a uma variedade de recursos diretamente no aplicativo e introduziu ferramentas de controle parental de restrição de idade – incluindo bloqueio das funções de enviar mensagens diretas e realizar transmissões ao vivo.

o aparente fracasso das plataformas em proteger os usuários mais jovens de conteúdo perigoso apenas intensificou a crise.

José Castañeda, porta-voz do Google (que controla o YouTube), disse em um comunicado: “Investimos fortemente na criação de experiências seguras para crianças em nossas plataformas e introduzimos proteções fortes e recursos dedicados a priorizar seu bem-estar. Por exemplo, por meio do Family Link, oferecemos aos pais a capacidade de definir lembretes, limitar o tempo de tela e bloquear tipos específicos de conteúdo em dispositivos supervisionados.”

Um porta-voz do Snap procurou diferenciar o Snapchat dos outros tipos de mídia social, projetadas para se tornarem virais.

“Selecionamos o conteúdo de criadores e editores conhecidos e usamos moderação humana para revisar o conteúdo gerado pelo usuário antes que ele alcance um grande público, o que reduz muito a disseminação de conteúdo nocivo. Também trabalhamos em estreita colaboração com as principais organizações de saúde mental para fornecer, no aplicativo, recursos para ajudar os snapchatters e para orientá-los a ajudar também seus amigos. Estamos constantemente avaliando formas de tornar nossa plataforma ainda mais segura, inclusive por meio de novos treinamentos, recursos e proteções”, diz o comunicado.

FOCO NOS ADOLESCENTES

Hoje em dia, a maioria dos adolescentes típicos possui um smartphone, é ativa nas mídias sociais e tem muito tempo livre – são presas fáceis para TikTok, Instagram e demais redes. Essas empresas chegaram a documentar o objetivo de manter os olhos dos jovens grudados em seus aplicativos.

estudantes com a saúde mental prejudicada são mais propensos a faltar à escola e a abusar do uso de drogas.

No entanto, o distrito escolar de Seattle argumenta que elas não atuam apenas atraindo mais jovens usuários, mas também trabalham para tornar cada usuário mais dependente da plataforma. E fazem isso intencionalmente, “explorando a psicologia e a neurofisiologia de seus usuários, para que eles gastem cada vez mais tempo em suas redes”.

O resultado é que esse modelo de negócios estaria “criando uma crise de saúde mental entre os jovens”, diz o processo. Assim como o resto das escolas dos Estados Unidos, as de Seattle experimentaram anos de “aumento drástico de suicídios, tentativas de suicídio e atendimentos de emergência relacionados à saúde mental”, tornando evidente que a crise de saúde mental juvenil é anterior à Covid-19.

Estudos mostram que estudantes com a saúde mental prejudicada – por ansiedade, depressão e até por pensamentos suicidas – são mais propensos a faltar à escola, a abusar de drogas e a se comportar mal em sala, o que afeta negativamente a capacidade das escolas de educá-los. 

O processo relaciona essas causas aos serviços de saúde mental que as escolas públicas de Seattle oferecem aos alunos. Mas nada disso sai barato e essa crise está forçando as escolas a pensar em um plano mais abrangente e em outras fontes de financiamento para reduzir a crise.


SOBRE O AUTOR

Clint Rainey é jornalista investigativo, mora em NYC e é colaborador da Fast Company. saiba mais