Obsolescência programada é insustentável e passou da hora de abandoná-la

Estamos dispostos a abraçar um futuro onde descartamos lucros e status como os valores sociais mais importantes?

Crédito: Pexels/ Pixabay/ cyano66/ iStock

T. Alexander Puutio 5 minutos de leitura

Nem tudo é feito para durar. Em um mundo onde até os diamantes são atualizado s a cada estação pela Tiffany e pela Cartier, não é de se admirar que um número cada vez maior de consumidores se sinta preso em um ciclo cada vez mais apertado de renovações e atualizações de produtos – a obsolescência programada de tudo.

Negócios inteiros são construídos em torno do modelo de lançar hoje e renovar amanhã. É assim não porque os consumidores não prefeririam produtos que durassem mais, e sim porque empresas como a Apple conseguem lucrar mais ao fazer isso. Mas nem tudo é culpa das empresas.

A obsolescência programada é tanto uma estratégia empresarial quanto um fenômeno sociocultural. Desde jovens, uma parte da população aprende a evitar aqueles que não participam dos "rituais" de atualização de produtos e roupas e normaliza o conceito de que o que compramos hoje provavelmente estará totalmente desatualizado no ano que vem.

O último modelo de smartphone vem cheio de recursos inimagináveis há apenas meia década. A fast fashion satisfaz necessidades profundamente enraizadas de autoexpressão e status. Indo um pouco mais a fundo, a maior parte do nosso sustento decorre de servir à engrenagem da obsolescência programada.

Por causa da obsolescência programada, acabamos aceitando produtos de qualidade inferior, despesas mais altas e sentimos uma crescente sensação de injustiça, à medida que o funcional é tornado obsoleto por design. Na maioria das vezes, pagamos mais para receber menos e agradecemos alegremente às empresas pelo privilégio de consumir o que elas julgam adequado oferecer.

O impacto ambiental também é assustador. De acordo com as Nações Unidas, o lixo eletrônico sozinho já atingiu a impressionante marca de 53,6 milhões de toneladas em todo o mundo em 2019, com apenas 17,4% sendo reciclado adequadamente.

Barracas de pesca e moradias sobre montes lixo têxtil descartados na praia em Gana (Crédito: Andrew Caballero-Reynolds/ Bloomberg/ Getty Images)

A indústria da moda não é melhor, consumindo 93 bilhões de metros cúbicos de água a cada ano e contribuindo com 10% das emissões globais de carbono. Considerando que 85% de todos os têxteis acabam em aterros sanitários, justificar a enorme quantidade de desperdício que incentivamos a indústria a produzir não é tarefa fácil.

Sem contar o argumento de manter o crescimento constante alimentado pelo consumismo, não há boas razões para lutar a favor da obsolescência programada. Não apenas merecemos uma economia onde os produtos sejam feitos para durar, como nossa existência neste planeta depende disso.

COMO ACABAR COM A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

Para começar, precisaríamos nos reinventar como consumidores. Desde que nossa espécie existe, temos buscado status e significado a partir de recursos e posses diferenciadas. De muitas maneiras, a obsolescência programada é apenas o reflexo de nossos próprios desejos, mesmo que não gostemos das consequências.

Também teríamos que repensar o que significa sucesso para as empresas. Mudar as métricas de crescimento infinito de receitas para clientes satisfeitos soa idealista. Convencer os acionistas a aceitar lucros menores só porque é moralmente mais aceitável é uma tarefa imensa.

Para a maioria das empresas, ganhar dinheiro não é o bastante – elas querem ganhar o máximo possível.

A economia global talvez não suportasse uma mudança repentina em direção ao fim da obsolescência programada. Muitos empregos – da produção ao marketing – são sustentados pelo desejo dos consumidores de perseguir o novo. O destino de países inteiros que dependem do comércio internacional estaria em jogo.

É por isso que uma abordagem cuidadosa e precisa é necessária, uma que mude gradualmente tanto o comportamento dos consumidores quanto os modelos de negócios, sem desestruturar a economia no processo.

REPENSANDO O CONSUMISMO

Alguns já estão imaginando um futuro que rompe esse ciclo. Veja o exemplo da fabricante de estofados LoveSac. O CEO, Shawn Nelson, defende a filosofia “design para a vida”, criando produtos feitos para durar a vida inteira.

Seus sofás modulares não são apenas duráveis, mas também adaptáveis, projetados para evoluir com as necessidades do cliente. “Merecemos produtos melhores, mesmo que ninguém esteja disposto a oferecê-los”, diz Nelson.

Crédito: LoveSac

Outro exemplo é a Patagonia, a empresa de roupas para atividades ao ar livre comprometida com a sustentabilidade ambiental. A Patagonia incentiva os clientes a comprarem apenas o que precisam e oferece serviços de conserto para prolongar a vida útil de seus produtos.

Eles provaram que é possível construir um modelo de negócio de sucesso que não dependa de um marketing voltado a gerar um exército de consumidores presos em um ciclo de consumo infinito e obsolescência programada.

O IMPERATIVO MORAL DE PENSAR DIFERENTE

Para a maioria das empresas, ganhar dinheiro não é o bastante – elas querem ganhar o máximo possível. Mas o que a maioria delas ganha em lucro, perde em princípios e valores morais. Produzir um sofá que dure a vida toda é menos lucrativo do que vender uma dúzia que se desgasta a cada dois anos, mas é um empreendimento que resiste ao julgamento moral e ético.

Equilibrar lucratividade com a fidelidade aos compromissos éticos não é fácil, e certamente não é algo ensinado na maioria das escolas de negócios. No entanto, há uma necessidade urgente de que os líderes empresariais do futuro comecem a pensar de forma diferente.

Convencer os acionistas a aceitar lucros menores só porque é moralmente mais aceitável é uma tarefa imensa.

Podemos começar incutindo em nossos jovens líderes os princípios corretos, para que eles enxerguem valor em um futuro onde consumimos menos, mas com mais propósito.

Isso não significa sufocar a inovação ou o crescimento econômico. Significa redirecionar nossos esforços para ciclos de produção e consumo mais sustentáveis e expectativas mais rigorosas em relação à criação de valor.

Construir coisas que duram e servir aos melhores interesses dos clientes talvez nunca seja o caminho mais financeiramente recompensador, mas, moralmente, não vejo nada melhor. A transição não será fácil, mas é necessária.


SOBRE O AUTOR

T. Alexander Puutio, é professor adjunto na Universidade de Nova York Stern, onde trabalha com o tema das relações entre liderança emp... saiba mais