Os desinfluencers e o novo debate sobre hiperconsumo
A nova onda da desinfluência cresce nas redes e desafia o frenesi de compras do fim de ano, abrindo espaço para escolhas além dos mil presentes de Natal

Está aí uma série de palavras que ninguém imaginaria ler em 2025: a nova tendência das redes sociais pode ser positiva para o planeta. Saem da cena os influenciadores e entram os desinfluenciadores. O termo de-influencing, em inglês, cresceu 80% em menções neste ano, segundo a Brandwatch.
Desinfluenciadores são criadores que operam na contramão do glamour e do consumo aspiracional: em vez de promover o produto viral da vez, dizem que ele não vale a pena; no lugar de falar de marcas, incentivam períodos sem compras; no lugar do unboxing do último lançamento, ensinam a consertar o que já existe.
Em 2025, a humanidade consumiu o equivalente a quase dois planetas em recursos naturais, ritmo que ultrapassa a capacidade de regeneração da Terra. Desde 24 de julho, o planeta opera no “cheque especial” ambiental, em que tudo o que é produzido e consumido a partir dessa data usa recursos que já não conseguem ser repostos no mesmo ano. Nesse contexto, questionar hábitos de consumo deixa de ser retórica e passa a ser uma resposta possível a um limite cada vez mais concreto.
Ao falar sobre não comprar por impulso, os desinfluenciadores estimulam algo simples, mas pouco praticado: a pausa para se perguntar por que queremos ou precisamos de determinado item. Esse tipo de questionamento, uma vez incorporado, não fica restrito a uma compra específica. Ele se espalha para outras decisões do cotidiano.
“A economia circular demanda uma mudança cultural. Não é apenas sobre comprar menos ou não comprar, mas de questionar o porquê estamos consumindo e se não podemos fazer diferente”, afirma Vinicius Saraceni, idealizador do Movimento Circular, a maior iniciativa latinoamericana de fomento à economia circular.
Pode parecer pouco, mas dar espaço e tempo, mesmo que curto, para se perguntar sobre a compra é exatamente o contrário do que as plataformas digitais fizeram nos últimos anos.
Segundo Saraceni, o tempo acelerado das redes sociais, a sensação de urgência criada pelos conteúdos curtos e a facilidade de compra online fazem parte do que explica as ondas de hiperconsumo atuais. “Desinfluenciadores são o que a gente precisa no momento”, diz.
UM CLIQUE E UM LONGO PERCURSO
As festas de final de ano são o momento certo de falar sobre hiperconsumo. Não há data que movimente mais o varejo que o Natal. De acordo com a pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 124,3 milhões de brasileiros irão às compras para a data natalina.
Para Lucio Vicente, diretor geral do Instituto Akatu, organização sem fins lucrativos que trabalha pelo consumo consciente, o Natal é uma das épocas em que o consumidor tem efeito multiplicador. Ou seja, a escolha dele por produtos também tem. “As pessoas tendem a achar que o consumo consciente é comprar menos, mas não. É mudar para uma compra de menor impacto para o planeta”, diz.

O problema é que os períodos de maior frenesi são justamente os que menos favorecem esse tipo de reflexão. Um exemplo citado por Vicente é o consumo online. Mesmo um produto fabricado de forma mais sustentável pode acionar de três a cinco modais de transporte até chegar à casa do consumidor.
Pesquisa da Ipsos mostra que o frete grátis é o terceiro fator mais relevante na escolha dos presentes de Natal este ano, atrás apenas da utilidade e da satisfação proporcionada pelo item. “Há compras de objetos pequenos que vêm do outro lado do planeta. O frete pode até ser ‘grátis’, mas será que vale acionar navio, avião, caminhão e moto para isso?”, questiona Vicente.
Saraceni lembra que um dos caminhos para reduzir esse impacto é olhar para produtores locais, que não dependem de grandes estruturas de transporte e armazenamento – e ainda fortalecem economias de proximidade. A lógica vale também para a ceia. “O Brasil tem peixes incríveis. Não precisa comprar peixe seco da Noruega ou de Portugal”, afirma.
SUSTENTABILIDADES
Não é uma questão ambiental. Levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) Brasil mostrou que o brasileiro vai comprar em média quatro presentes por R$ 174 cada. Além disso, indicou que um pouco mais de 30% dos consumidores que pretendem comprar presentes de Natal já estão com o nome negativado ou têm contas a pagar. Já 22% dos entrevistados que pretendem dar presentes costumam gastar mais do que podem nas festas de final de ano.
De acordo com os dados levantados, 10% dos entrevistados pretendem deixar de pagar alguma conta para participar das festas de Natal, enquanto 11% admitem que farão o mesmo para conseguir participar das comemorações de Ano Novo.

A compra consciente também é ancorada na sustentabilidade financeira. Vicente explica que o comprar consciente é aquele que olha para o planejamento financeiro e para a forma de pagar. Uma dívida não é só um custo de dinheiro, é de tempo. “Quando passamos a fazer a correlação de quanto tempo temos que trabalhar para pagar os itens, ou para pagar a dívida, dá um choque de realidade”, diz.
O tempo que se leva para produzir algo também é um fator que deveria estar mais claro para quem compra. Um abacaxi, por exemplo, leva de 18 a 24 meses desde a flor até a colheita. O algodão leva entre quatro meses a oito meses para crescer e ser colhido, pelo menos um mês para ser transformado em fio e mais algumas semanas para virar tecido.
“A compra é um ato nobre. Não pode ser tratada como algo banal”, afirma o diretor do Instituto Akatu.
MOTTAINAI OU A FILOSOFIA DO NÃO DESPERDÍCIO
Quando o tempo entra na equação, outro critério ganha força na hora da compra: a durabilidade. Esse é um assunto que sobre o qual os desinfluenciadores hora e vez falam. Afinal, uma das características de produtos virais é o fato de que eles “saem de moda”, ou seja, sua vida útil se esgota rapidamente.
No Japão existe um termo de pesar quando um produto é desperdiçado, mottainai. Por trás dessa frase intraduzível, há um conceito de que tudo o que se compra, seja um objeto ou um alimento, precisa ter aproveitamento máximo. Quando o objeto pode ser consertado para servir a sua função, ele será.
Essa lógica de aproveitar ao máximo o que já existe começa a ganhar espaço também no mercado de eletrônicos, um setor marcado pela obsolescência programada dos dispositivos. Empresas especializadas em compra, venda e reparo de aparelhos usados operam justamente nesse intervalo entre o descarte e a substituição automática.

Uma delas é a Trocafone, empresa brasileira focada em eletrônicos de segunda mão. Segundo Flávio Peres, CEO da companhia, a maior parte dos smartphones ainda tem vida útil quando chega ao mercado de usados.
“Cerca de 95% dos aparelhos que recebemos são recuperáveis, seja com troca de bateria, de tela ou pequenos reparos”, afirma. “São produtos que podem continuar em uso por muito mais tempo.”
Um celular recondicionado pode durar entre 10 e 12anos. O brasileiro leva em média dois anos para trocar de dispositivo, de acordo com levantamento da fabricante chinesa Jovi em parceria com a Ipsos .
Quatro em cada dez brasileiros só trocam o celular quando o atual quebra, o que esbarra em um sistema pouco transparente para o consumidor. Em muitos casos, os fabricantes deixam os sistemas fechados, dificultando reparos e substituição de peças. Em outros, as pessoas não sabem se o celular pode ser reparado, ou acham muito caro.
Nesse cenário, o mercado de recondicionamento acaba funcionando como uma espécie de correção de rota: ele estende a vida útil de produtos, reduz o descarte e amplia o acesso à tecnologia sem depender do lançamento mais recente.
DE VOLTA AOS DESINFLUENCIADORES
Um dos desafios mais populares que os desinfluenciadores promovem é o #nobuy, em que seguidores se comprometem a passar um período sem comprar determinados itens – o mais comum deles, roupas.
A CEO da YOUPIX e uma das principais vozes do mercado de criadores de conteúdo no Brasil, Rafaela Lotto, conta que foi “desinfluenciada” por uma colega a encarar um desafio de seis meses usando apenas o que já tinha no armário. “Vira um exercício de criatividade”, diz. “Muitas pessoas vieram falar comigo depois para tentar fazer o mesmo.”
A compra é um ato nobre. Não pode ser tratada como algo banal.
Ao ampliar o olhar para o mercado de criadores, no entanto, Rafaela adota um tom mais cauteloso em relação ao fenômeno da desinfluência. Não pela pauta em si, mas pela forma como as plataformas estão estruturadas hoje.
Com links de afiliados – em que o criador ganha por produto vendido – e lojas integradas de social commerce, como o TikTok Shop, o ambiente digital segue desenhado para estimular vendas constantes. “É um estímulo ao consumo 'no talo'”, resume.
Enquanto isso, a conta com o planeta continua em aberto. E a tendência – ou contra-tendência – mais radical que a humanidade pode seguir nos espaços algorítmicos e digitalizados seja a de dizer não.