Para salvar o planeta, a mudança tem que começar na cozinha

Reduzir o desperdício exige mudanças de comportamento. Designers estão começando a imaginar produtos que podem nos ajudar

Crédito: Fast Company Brasil

Eddie Hamilton e Katie-May Boyd 4 minutos de leitura

Estamos atravessando um ano de crises alimentares sem precedentes. Ondas de calor recordes castigaram todo o hemisfério Norte, causando recordes de secas e de incêndios florestais. Uma enorme quantidade de grãos ficou retida em território ucraniano por conta da guerra, levando à escassez de alimentos.

A inflação e a crise do custo de vida aumentaram muito, obrigando restaurantes a fechar as portas e forçando famílias a pular refeições para sobreviver. Mesmo antes de 2022, 10% da população global já estava passando fome.  

Até agora, grande parte do debate sobre esse tema foca na necessidade de mudarmos aquilo que comemos. Mas e quanto à forma como comemos? A alimentação precisa ser repensada, mas essa não é uma tarefa fácil. Quando se trata dos desafios da sustentabilidade, os mais privilegiados são justamente os que mais agravam o problema.

Os EUA lideram o ranking global de desperdício de alimentos, com cerca de 30% a 40% do suprimento nacional de alimentos sendo desperdiçados anualmente. Mas com tal privilégio vem a capacidade de explorar novas tecnologias e intervenções. Os inovadores estão agora estudando como mudar as estruturas, buscando soluções sistêmicas para esse problema, que possam criar uma diferença escalável.

O FUTURO DA SUA COZINHA

Na Semana de Design de Milão deste ano, a marca sueca de eletrodomésticos Electrolux apresentou a GRO, uma cozinha conceitual e futurista, que ajuda a cozinhar alimentos otimizados para sustentabilidade e nutrição.

Crédito: Electrolux/ Divulgação

A ciência por trás desse projeto vem do relatório EAT-Lancet, uma colaboração global de pesquisadores líderes mundiais em nutrição, saúde, sustentabilidade e política.

O relatório propõe a dieta ideal, que equilibra a saúde planetária e humana e envolve “dobrar o consumo de alimentos saudáveis, como frutas, legumes e nozes e reduzir em mais de 50% o consumo de alimentos menos saudáveis, como açúcares adicionados e carne vermelha.”

Considerando que se trata de uma grande mudança nos hábitos alimentares, a maneira como cozinhamos terá que mudar. E é exatamente isso que inovações como a GRO estão nos ajudando a imaginar e a alcançar.

A cozinha é composta por nove aparelhos modulares diferentes, incluindo alguns para fermentação, defumação e produção de algas. O objetivo é introduzir novos processos de cozimento para quem cozinha em casa, onde os usuários podem transformar vegetais comuns em refeições ecológicas com mais sabor.

Um módulo da geladeira “Jewelry Box” (caixa de joias, em tradução livre) tem muitos recursos para gerir os alimentos, reconhecendo ingredientes como como carne e queijo, com o objetivo de estimular os usuários a comprar proteínas de alta qualidade em volumes menores.

Crédito: Electrolux/ Divulgação

A empresa usou uma abordagem de ciência comportamental, como a estratégia da "arquitetura da escolha", combinada com a colaboração dos melhores chefs de cozinha e usuários, em um esforço para tornar a alimentação saudável e sustentável a escolha preferida.

O projeto não é necessariamente sobre novas tecnologias, diz Tove Chevalley, chefe de inovação da Electrolux. É mais sobre influenciar positivamente o comportamento por meio de intervenções planejadas.

REEDUCAÇÃO ALIMENTAR

O projeto de design educacional “How We Eat” (Como se Come), com sede em Berlim, hospeda experiências gastronômicas interativas, com o objetivo de educar os participantes sobre sistemas alimentares complexos.

Os clientes desfrutam de uma refeição de cinco pratos, sendo cada rodada projetada para tornar tangível algum conceito sobre alimentos. O primeiro prato de pão com manteiga, por exemplo, demonstra a natureza degenerativa das indústrias de trigo e laticínios.

Crédito: Stefan Wieland/ How We Eat/ Divulgação

Como os participantes também trabalham no preparo, os cursos e discussões relacionadas abrangem tudo, desde agricultura orgânica até os organismos geneticamente modificados (OGM), desmistificando os jargões com evidências tangíveis no prato, à medida que a refeição progride.

Os usuários aprendem sobre sistemas alimentares, que variam de “degenerativos” a “verdes” até chegar ao melhor nível: os “regenerativos”, que contam com técnicas para melhorar ativamente os ecossistemas dos quais eles dependem.

Ashley Scarborough, uma das idealizadoras dessa experiência, afirma que o projeto não está “nem empurrando uma agenda goela abaixo, nem censurando os participantes”. A ideia é, literalmente, trazer as pessoas à mesa para uma discussão informada. O objetivo final é desenvolver um banco de dados que vincule as pessoas que buscam dietas mais sustentáveis ​​a receitas, fornecedores e educação.

Por outro lado, a Winnow está aplicando inteligência artificial ao descarte de lixo, com um sistema inteligente de combate ao desperdício de alimentos integrado às lixeiras. Eles desenvolveram ferramentas baseadas em IA para rastrear o desperdício nas cozinhas dos restaurantes.

Crédito: Winnow/ Divulgação

A ideia é que, se for possível entender com precisão o desperdício de alimentos que sai de uma cozinha, os chefs conseguirão tomar melhores decisões para impedir que haja tantas sobras.

Na prática, já está funcionando. Com a ajuda do Winnow, a IKEA do Reino Unido conseguiu economizar o equivalente a 1,2 milhão de refeições em 2020 e o Hilton Dubai economizou US$ 65 mil ao reduzir o desperdício de alimentos.

Quando se trata do desperdício em casa, estamos vendo um número crescente de soluções que fazem a compostagem dos resíduos de alimentos em 24 horas, para que a pessoa possa adubar plantas ou jardins com um material rico em nutrientes.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Eddie Hamilton é designer de experiência de produto e líder de sustentabilidade na Seymourpowell. Katie-May Boyd é estrategista de CMF... saiba mais