Para se manter jovem, Danone investe no envelhecimento

Companhia de 106 anos enfrenta o desafio de se manter relevante para o próximo século enquanto revê o próprio legado

embalagens de iogurtes Danone e Activia
Crédito: Danone

Camila de Lira 8 minutos de leitura

Entre fermentos, bactérias e proteínas, a Danone busca a fórmula da longevidade. Não a do público, mas a sua própria. Acostumada ao público infantil, a empresa de 106 anos tenta se manter relevante em um mundo no qual as pessoas vivem mais – e as mulheres têm menos filhos. A busca por longevidade não é uma metáfora.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), até 2070, a população mundial com 65 anos ou mais deve superar o número de crianças menores de 18 anos. Já em meados dos anos 2030, o grupo com 80 anos ou mais será maior do que o de bebês de até um ano, atingindo 265 milhões de pessoas.

Em um cenário como esse, envelhecer bem se torna não só uma demanda social, mas também uma enorme oportunidade de mercado, especialmente para empresas que historicamente cresceram sob a lógica do “paladar infantil”.

A mudança é refletida em imagens conflitantes na decoração da instalação mais antiga da companhia e da sede da Danone, ambas localizadas na França. Saem os pôsteres de crianças de olhar vidrado brincando com um pote de iogurte que adornam a fábrica de 1925 e entram as imagens de adultos fazendo esporte com uma garrafinha de bebida láctea proteinada no lobby do prédio principal, no centro de Paris.

Para Isabelle Esser, diretora executiva de recursos humanos, pesquisa e inovação da empresa, o desafio da longevidade não está apenas em viver mais, mas em viver melhor.

“Estamos falando de uma vida mais longa, com mais qualidade. Isso exige novos tipos de nutrição, adaptados à realidade física e metabólica de cada fase da vida”, afirmou ela durante conversa com jornalistas na sede da companhia.

MILHARES DE BACTÉRIAS PARA UM PERFIL

Essa ambição ganha forma no centro de inovação da Danone em Paris-Saclay, o “Vale do Silício” francês. Localizada a 20 quilômetros da capital, a região recebe 15% do total do investimento nacional em inovação e 15% dos centros de pesquisa e inovação industriais do país, segundo informações da Universidade Paris-Saclay e do governo francês.

É ali que uma máquina verde e transparente está instalada. Com câmaras e tubos, a máquina  simula o estômago humano com precisão – da temperatura ao pH. O equipamento replica as reações digestivas de diferentes perfis: uma criança de 10 anos, um adulto jovem, uma pessoa de 65 ou de 80 anos. 

Cada variação revela como os organismos lidam com os mesmos nutrientes em ritmos e intensidades diferentes. A partir desses dados, os cientistas conseguem prever como a composição de um produto pode influenciar ou falhar em atender às necessidades específicas de cada grupo de pessoas. O conceito aqui é mais amplo do que a faixa etária.

Marion Meslin, porta-voz do Centro de Inovação da Danone em Paris
Marion Meslin

A cientista e porta-voz do Centro de Inovação da Danone em Paris-Saclay, Marion Meslin, lembra que há outros fatores como estilo de vida e condições hormonais que alteram o sistema digestório. “A ideia é desenvolver produtos que levem em conta não só a idade, mas o estilo de vida, a saúde intestinal e até a atividade física da pessoa”, diz ela. 

O estômago artificial é só um passo de um processo longo de captação de dados sobre bactérias. A companhia tem um banco de dados de 12 mil bactérias, mas, ainda assim, não é o bastante.

A empresa está mapeando a microbiota intestinal e estomacal de adultos e idosos por toda a França e Reino Unido. É a etapa anterior à aplicação da inteligência artificial. Sem um mapa confiável do organismo, não há algoritmo que funcione. 

O mapeamento, no entanto, tem um ponto de atenção: a falta do Sul Global. No médio prazo, isso significa que os produtos inovadores e personalizados vindos do maior centro de inovação da Danone serão calibrados (e produzidos) para o corpo europeu. No próprio centro, há colaboração de 450 pesquisadores de 40 nacionalidades. 

SEM AÇÚCAR. SÓ AGORA?

Nos degraus do centro de inovação uma frase gravada em inglês recebe os visitantes: “Thanks to science and technology” (“obrigada à ciência e à tecnologia”). Projetado pelo renomado estúdio de arquitetura Charpentier, o edifício de baixo carbono combina luz natural, pé-direito generoso e ambientes amplos. 

É essa mesma ciência que, há décadas, aponta os efeitos negativos do consumo excessivo de açúcar e aditivos, justamente os ingredientes que sustentaram parte da indústria alimentícia por tanto tempo. A Danone não foi exceção.

prédio do Centro de Inovação da Danone em Paris
Centro de Inovação da Danone (Crédito: Arte Charpentier)

A empresa chegou ao Brasil em 1970 e colocou o seu clássico produto ultraprocessado, Danoninho, nas gôndolas em 1974. A fórmula passou por mudanças e não há registros de sua composição nessa época.

O que se sabe é que, no começo dos anos 1990, o ultraprocessado chegou a ter 25 gramas de açúcar para cada 100 gramas do produto, o equivalente ao valor máximo diário de consumo de açúcar recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) atualmente. 

Gustavo Alvarez, diretor de pesquisa e inovação da Danone Brasil, reconhece que a indústria demorou a reagir. “Nos anos 1980, a gente não sabia o suficiente. Hoje sabe. E não dá mais para ignorar.” 

Gustavo Alvarez, diretor de pesquisa da Danone no Brasil
Gustavo Alvarez

A redução veio a partir de 1999. Em passos lentos e desiguais, diferindo por região. No Brasil, por exemplo, o clássico ultraprocessado infantil da Danone terá 10g de açúcar por 100g de produto a partir de agosto deste ano. A empresa afirma que sua meta é ter 95% dos produtos da linha infantil seguindo essa recomendação até 2030. 

Uma das justificativas para o faseamento da redução de açúcar é o respeito ao paladar do consumidor. As pessoas podem estranhar um produto menos doce, podem não gostar – gosto esse que foi adquirido e estimulado pela indústria alimentícia nas últimas décadas. A própria Danone foi a introdutora do iogurte flavorizado no mundo. E também a pioneira de fazer iogurtes com frutas. 

 “Por que não conseguiram fazer antes a redução [do açúcar]? É super complexo para a produção. E estamos dirigindo um negócio também", diz Alvarez.

A PROTEÍNA BATEU NA SUA PORTA

Sai o açúcar, entra a proteína. Segundo a Future Market Insights, o mercado de iogurtes ricos em proteínas vai crescer de US$ 41,9 milhões para US$ 80,9 milhões nos próximos 10 anos. Um reflexo do amadurecimento do público, que busca por maior ingestão proteica. 

Os produtos com alta proteína da empresa, como os da linha YoPro, são os que mais crescem em vendas no Brasil e fora daqui. No primeiro trimestre de 2025, as vendas da Danone subiram 4% no mundo. A alta dos proteinados, segundo os executivos da empresa, foi de dois dígitos.

No centro de inovação colaboram 450 pesquisadores de 40 nacionalidades.

Na lista de maiores consumidores da Danone, o Brasil está em décimo lugar. A YoPro, marca que estreou no país em 2018, agora é a terceira maior geradora de receitas da marca em solo brasileiro. 

O vice-presidente de assuntos institucionais da Danone Brasil, Camilo Wittica, encontrou outras explicações para a demanda incessante dos proteinados. “O alimento está ficando mais caro, as pessoas estão trabalhando mais. Às vezes, ela não tem tempo para fritar um bife então toma um iogurte proteinado. A proteína do leite é a mais barata que tem."

anúncio Danoninho vale por um bifinho

Difícil aqui não lembrar da icônica propaganda do Danoninho nos anos 1970 – publicidade que rendeu à Danone algumas multas e virou o slogan do iogurte na boca do povo, "vale por um bifinho". 

Alvarez explica que há uma janela de crescimento significativa entre pessoas com mais de 30 anos, uma faixa etária cada vez mais atenta à nutrição, à performance física e ao envelhecimento saudável. Quem imaginaria, em 1974, que a Danone seria vendida em academias?

A COLMEIA E O IOGURTE

No norte da França, próximo a Dunquerque – cidade que foi marco da Segunda Guerra Mundial – a maior fábrica da Danone produz cinco milhões de potes de iogurte por dia.

O espaço já estava em operação quando os britânicos saíram pelo Canal da Mancha em 1940. É que a planta opera desde 1925, coordenada pela cooperativa de leiteiros.

Desde 2018, a fábrica tem o selo de B Corp – foi a primeira de grande porte a retirar o certificado que garante que a empresa busca equilíbrio entre resultado financeiro e impacto social e ambiental. 

o mercado de iogurtes ricos em proteínas deve crescer de US$ 41,9 milhões para US$ 80,9 milhões nos próximos 10 anos.

Para a empresa, o desafio não é resistir, nem produzir, mas se atualizar constantemente. No momento, eles estão alterando uma das oito esteiras de produção automatizadas para usar plástico reciclado.

Reduzir o uso de plástico é uma responsabilidade nada desprezível da Danone. De acordo com pesquisa do The 5 Gyres Institute, a marca foi responsável por 3% da poluição de plástico do mundo.

Em 2024, produziu 670 mil toneladas de embalagens de plástico. Segundo a empresa, o objetivo é reduzir pela metade do uso de descartáveis derivados de petróleo até 2040, com redução de 30% até 2030. 

No Brasil, o foco é ter 100% do portfólio reciclável até 2030. Hoje 100% das garrafas de iogurtes da empresa já são recuperadas e 80% do portfólio é reciclável no mercado brasileiro.

Para alcançar esse objetivo, o esforço é não só trocar o material das embalagens, mas entender formas de usar ainda menos plástico. Em 2025, as embalagens de iogurtes líquidos ganharam uma textura hexagonal, inspirada nas colmeias das abelhas. O desenho biomimético confere mais resistência com menos material. O resultado é uma embalagem com 8% menos plástico. 

A LONGEVIDADE, AFINAL

O tempo passa para todos. Passa na fábrica centenária e no Centro de Inovação high-tech. Passa para empresas de tecnologia e para a indústria alimentícia. 

O desafio está não só nas fórmulas, mas na capacidade de se transformar. De uma marca associada à infância para uma empresa que aposta em saúde, desempenho e envelhecimento ativo. Aos 106 anos, a Danone parece ter entendido que, para seguir jovem, precisa amadurecer.

*A jornalista Camila de Lira viajou a convite da Danone


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais