Paralimpíada testa tecnologias – e ajuda a trazer medalhas para o Brasil

Brasil utiliza análise de dados, GPS e biociência para elevar o nível dos atletas paralímpicos em Paris. E prova que nem toda inovação precisa vir de IA

Crédito: Fast Company Brasil

Camila de Lira 4 minutos de leitura

As disputas da Paralimpíada de Paris começaram oficialmente nesta quinta-feira (dia 29). Antes de terminar a sexta-feira, o Brasil já tinha seis medalhas no quadro, duas delas de ouro.

Um início eletrizante para o que se espera ser a melhor campanha do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) de todos os tempos, com meta de conquistar entre 70 e 90 medalhas. Treinar este time de 280 paratletas requer tecnologia de ponta (e nas pontas).

Nos paraesportes, a tecnologia está presente tanto no treinamento, quanto na competição. Para as provas, é a “tecnologia assistiva” que ganha espaço: cadeiras de rodas hiperflexíveis, smart-próteses de joelhos ou pés prostéticos ultraleves. A cada Paralimpíada, novos materiais, com resistência a diferentes tipos de ambientes e com designs biomecânicos são apresentados.

Considerados o “estado da arte” da tecnologia assistiva, esses aparelhos depois são replicados para o uso do cidadão comum. Não é à toa que grandes montadoras fazem parte das pesquisas paralímpicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a BMW é responsável pelo design das cadeiras de roda dos paratletas. Os aparelhos são feitos a partir de escaneamento 3D do corpo dos atletas. 

Falando em Fórmula-1, tem até pit-stop. A companhia alemã Ottobock, especializada em tecnologia ortopédica, usará tais tecnologias para operar um “pit stop” na vila olímpica. Paratletas conseguem consertar cadeiras de roda e até próteses em poucos minutos, com ajuda da impressão 3D. 

DADOS PARA TUDO

A preparação dura para a Paralímpiada também guarda sua série de inovações, como explica um dos coordenadores do CPB, Thiago Lourenço, doutor e mestre em biodinâmica que lidera o equipamento de ciência do esporte da entidade há quatro anos. Ele ajudou a implementar sistemas de captação e análise de dados para apoiar a performance dos para-atletas.

“Evoluímos muito em captar dados, analisá-los e ver aqueles que são necessários de fato. Usamos para a área médica, psicológica e para os treinadores”, conta Lourenço. O CPB tem sensores infravermelhos nas pistas de atletismo. Assim, os treinadores acompanham em tempo real cada passada, salto ou distância que os paratletas percorrem.

O equipamento monitora cada passo do atleta com uma precisão de um milésimo de segundo. E ainda tem apoio de outro sistema, que usa GPS, para analisar o movimento dos atletas.

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Os dados obtidos pelos sensores são processados por um software próprio, que permite a obtenção de uma série de parâmetros relacionados ao desempenho do atleta. O treinador consegue controlar as cargas aplicadas e, a partir das análises, desenvolver exercícios específicos para cada um.

A análise personalizada é essencial quando se trata do paraesporte, uma vez que até em modalidades parecidas os atletas apresentam deficiências diferentes. O atletismo paralímpico, por exemplo, abarca atletas com próteses, com cadeira de rodas e com deficiência visual, o que exige treinamentos bem diferentes. 

Ao mapear cada atleta, o CPB entender quais são as forças e os pontos a trabalhar de cada um dos 280 esportistas da equipe que chegou em Paris. “A análise de indivíduo está aproximando o desempenho dos atletas paralímpicos e dos atletas olímpicos”, comenta Lourenço. 

Crédito: Freepik

A tecnologia é fruto do esforço de longa data do CPB, que começou em 2008. Em 2015, o comitê criou o Centro de Treinamento Paralímpico em São Paulo, responsável por desenvolver 17 das 22 modalidades paralímpicas. Mais de 90 mil atletas passaram pelo espaço desde a sua inauguração.

Em 2017, o CPB instituiu um planejamento estratégico, que criou metas e objetivos práticos para os próximos oito anos. Entre eles estavam a melhoria da performance e das equipes de ciência esportiva. De lá para cá, o time voltado para análise de dados cresceu e a aceitação dos treinadores em relação aos insights trazidos pelos dados, também. 

“A tecnologia ajuda a trabalhar os dados e a devolver a informação da melhor maneira para todos”, diz Lourenço. O cientista conta que, nesta semana mesmo, fez análises do sangue dos atletas e pediu alteração na alimentação, com maior consumo de carboidrato. 

IA EM ALGUNS PONTOS

A inteligência artificial, tecnologia da vez da inovação, não faz parte da equipe técnica do CPB. “A IA trabalha buscando padrões. Nós estamos caminhando na contramão: queremos as individualidades. Quanto mais padrão quisermos encaixar os atletas, mais difícil fica”, explica Lourenço.

Já nos estádios e nas arenas, a IA está sendo aplicada pelo Comitê Internacional Paralímpico (CIP) para acessibilidade. O aplicativo oficial da Paralímpiada de Paris usa IA para fazer descrições em áudio e para apoiar a usabilidade.

Crédito: Asics

Os atletas têm o seu próprio aplicativo de guia com IA. Feito pela Intel para o CIP, o aplicativo usa inteligência artificial para mapear locais internos e fornecer orientação passo a passo para as pessoas não se perderem entre uma arena e outra.

Tablets sensíveis ao toque permitem que os espectadores experimentem as sensações dos Jogos por meio de um sistema de vibração – tudo projetado para aprimorar a experiência de visualização para pessoas com deficiência. 

A tecnologia e a inovação ressaltam o que os paratletas já mostram em todos os torneios: que eles não estão lá para brincadeira. Que eles não estão lá para ganhar olhares de pena ou contar histórias de superação, mas para ganhar medalhas. No caso do Brasil, muitas medalhas.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais