Pesquisadores descobrem um jeito de transformar CO2 em plástico

Ao combinar C02 com lignina, eles conseguiram criar um tipo de plástico que pode ser usado na construção civil, em tecidos e até na fabricação de fraldas

Crédito: akinbostanci/ iStock

Jessica Hullinger 3 minutos de leitura

Pesquisadores da Flórida transformaram o maior vilão climático da atualidade – o dióxido de carbono – em um novo tipo de plástico que é biodegradável, infinitamente reciclável, barato e fácil de produzir. Será que essa é a alternativa plástica que estávamos procurando há tanto tempo? 

O dióxido de carbono, ou CO2, já foi utilizado para produzir plásticos, mas esse processo costuma ser caro e desafiador. O novo método, criado por pesquisadores da Faculdade de Engenharia FAMU-FSU e detalhado na revista "Advanced Functional Materials", foge a essa regra.

Ele combina CO2 com uma biomassa chamada lignina, que é encontrada nas paredes celulares das plantas. A lignina é incrivelmente abundante, constituindo cerca de um terço da massa de uma árvore, por exemplo. Ela é um subproduto dos setores de papel e biocombustível. Só que, como não pode ser digerida por seres humanos, a maior parte acaba não sendo utilizada. 

"Usamos apenas 2% da lignina gerada em aplicações úteis", aponta Hoyong Chung, professor associado de engenharia química e biomédica da faculdade e coautor do estudo. "É um grande desperdício de um recurso natural. O custo da lignina é muito baixo, é um material muito barato e temos um suprimento suficiente." 

O processo de "encadeamento" do CO2 com a lignina pode ser feito em temperatura ambiente e sob pressão atmosférica normal, enquanto outros métodos exigem processamento em altas temperaturas e altas pressões.

Lignina de pinus (Crédito: Klabin/ Divulgação)

O material acabado tem cerca de 90% de lignina e 10% de CO2, diz Chung. Essa proporção pode ser ligeiramente ajustada para alterar as propriedades: mais lignina resultaria em um material mais forte e mais rígido; mais CO2 o tornaria mais macio e mais flexível.

O novo biomaterial poderia ser usado na construção civil, em têxteis e até na fabricação de fraldas. Mas Chung diz que sua primeira prioridade é o setor de embalagens, porque ele representa a maior fatia do mercado de plásticos e, portanto, é responsável por uma grande quantidade de resíduos plásticos.

"Para evitar tanto desperdício na Terra e reduzir a quantidade de petróleo que precisamos usar para fabricar embalagens, minha prioridade inicial é a fabricação de películas para embalagens", diz ele.  

A lignina é um subproduto dos setores de papel e biocombustível, mas a maior parte desse material acaba não sendo utilizada.

O material pode ser reciclado várias vezes sem que sua estrutura química seja alterada ou danificada, abrindo as portas para uma economia circular. A maioria dos plásticos, por outro lado, só pode passar pelo processo de reciclagem algumas vezes até que sua qualidade se degrade e eles sejam descartados.  

Mesmo assim, se esse novo material fosse produzido em massa, parte dele inevitavelmente acabaria em um aterro sanitário ou no oceano. A boa notícia é que ele só ficaria lá por cerca de um ano antes de se degradar naturalmente.

Nesse momento, o CO2 armazenado dentro do material seria liberado. Ou seja, não se trata de uma solução de armazenamento permanente para o gás de efeito estufa.

Mas o verdadeiro potencial de redução das emissões com novos materiais como esses está na dissociação dos plásticos dos combustíveis fósseis. Em 2019, os plásticos derivados de combustíveis fósseis foram responsáveis por 1,8 bilhão de toneladas de emissões de gases de efeito estufa, e a maioria delas veio da fase de produção.

Conforme a transição energética se acelera, as empresas de combustíveis fósseis estão de olho no plástico como um novo mercado em crescimento. A Agência Internacional de Energia estima que os plásticos poderão impulsionar mais de um terço do crescimento da demanda de petróleo até 2030 e metade até 2050.

Mas, se o mundo conseguisse se voltar para alternativas mais sustentáveis, como a de Chung, as emissões poderiam ser bastante reduzidas e a vida útil do setor de combustíveis fósseis poderia ser encurtada. O pesquisador diz que já está em negociações com uma empresa de biocombustível que espera transformar seus próprios resíduos de lignina em uma alternativa plástica.


SOBRE A AUTORA

Jessica Hullinger é jornalista especializada em mudanças climáticas, inovação e ciência. saiba mais