Planejamento urbano, teorias da conspiração e a cidade de 15 minutos
A ideia virou tema de muitas teorias da conspiração. Mas é assim que as pessoas costumavam viver
Quando morava em Oakland, na Califórnia, costumava levar apenas cinco minutos para chegar na biblioteca local, na cafeteria e no restaurante de comida mexicana do bairro. Meu apartamento ficava a poucos quarteirões do dentista, de uma loja de ferramentas, de uma sapataria, de duas livrarias e de quatro supermercados.
Se andasse por mais alguns quarteirões, eu podia ir ao cinema ou tomar um trem para São Francisco. De vez em quando, pegava minha bicicleta e ia até um parque que ficava a menos de 10 minutos da minha casa. Sem dúvida, gastaria menos tempo se fosse de carro, mas era tão perto que não havia por quê.
planejadores urbanos vêm defendendo a “caminhabilidade” há décadas.
O conceito de “cidade de 15 minutos” – projetada para que tudo o que precisamos no nosso dia a dia esteja a uma curta distância a pé ou de bicicleta – não é nova. Em Paris, onde a prefeita Anne Hidalgo ajudou a popularizar a ideia, algumas partes já se encaixavam nessa definição.
“Podemos ver exemplos disso em lugares onde a maior parte do desenvolvimento urbano aconteceu antes da guerra, antes da expansão em massa do uso de automóveis”, aponta a urbanista Mallory Baches, diretora de desenvolvimento estratégico da organização sem fins lucrativos Congress for the New Urbanism.
Alguns planejadores urbanos vêm defendendo a “caminhabilidade” há décadas. Porém, a ideia de cidade de 15 minutos só ganhou força nos últimos anos, tanto como forma de reduzir a poluição causada pelos carros quanto para aumentar a qualidade de vida.
Por exemplo, no ano passado, a cidade de Cleveland, em Ohio, passou a adotar o conceito em sua estrutura de planejamento urbano.
Mas, à medida que mais cidades começaram a discutir o tema, surgem reações contrárias. No Reino Unido, o deputado do Partido Conservador Nick Fletcher chamou a ideia de “ um conceito socialista internacional” que “custará a nossa liberdade pessoal”.
Conspiracionistas alegam que os residentes da cidade de Oxford – que tem planos de adotar o conceito de cidade de 15 minutos e reduzir o tráfego em algumas estradas – ficariam presos em seus próprios bairros.
Esse tipo de argumento encontra apoio em falas como a do comentarista conservador Jordan Peterson, que afirmou que a ideia era “apenas mais uma moda passageira sequestrada por aspirantes a autoritários”.
Mas, na realidade, ela promove mais liberdade, não menos. Não é necessário ficar preso no trânsito apenas para fazer alguma coisa do dia a dia. Além disso, mais pessoas teriam a opção de ir a pé ou de bicicleta para o trabalho, ou de trabalhar em home office, para não precisar usar o carro.
Existem vários benefícios. Menos tempo gasto dirigindo ou procurando lugar para estacionar significa mais tempo livre para fazer coisas que você realmente gosta. Segundo um estudo recente, andar dois mil por dia passos pode fazer com que o risco de morte prematura caia de 8% a 11%. Caminhar reduz o estresse e deixa as pessoas mais felizes. Diminui o risco de diabetes e de doenças cardíacas.
Outro estudo mostra que quem que leva uma hora para chegar no trabalho precisa ganhar 40% a mais para ser tão feliz quanto alguém que tem a possibilidade de ir a pé. Além disso, a cidade de 15 minutos contribui para a socialização. E a lista de benefícios continua.
VELHOS HÁBITOS
Como o nome sugere, o conceito não é apenas sobre um bairro específico, mas sim sobre oferecer às pessoas da cidade inteira facilidade de acesso para o que precisam no dia a dia. Zonas de 15 minutos se estendem para além dos bairros e se sobrepõem. E, obviamente, nenhum residente precisa ficar preso à região onde mora.
a ideia de cidade de 15 minutos descreve o futuro das cidades.
Ainda assim, as pessoas tendem a rejeitar a ideia de mudanças na infraestrutura urbana que possam facilitar a caminhada e o ciclismo. Mesmo na cidade de Berkeley, na Califórnia, que é conhecida por ser bastante progressista, a construção de uma ciclovia encontrou forte resistência por parte de moradores que temiam perder vagas para estacionar seus carros.
Mas as pessoas esquecem que o planejamento urbano impositivo foi o responsável por criar a dependência de carros, afastando áreas residenciais do comércio, construindo ruas largas para favorecer o tráfego e diminuindo, ou mesmo, eliminando as calçadas.
Mesmo que a expressão “cidade de 15 minutos” seja esquecida, a ideia não morrerá. Como Baches diz, “a ideia de cidade de 15 minutos descreve o futuro das cidades.”