Plantar árvores pode fazer mais mal do que bem?

Projetos de reflorestamento muitas vezes usam espécies incompatíveis com o bioma, arriscando prejudicar o ecossistema existente

Crédito: Daniel Funes Fuentes/ Unsplash

Talib Visram 4 minutos de leitura

Em novembro do ano passado, a gigante petrolífera francesa TotalEnergies anunciou sua pretensão de plantar 40 mil hectares de árvores na República do Congo. A iniciativa faz parte de um programa de compensação para a empresa petrolífera multinacional, que permitirá neutralizar boa parte de suas emissões de carbono. Estima-se que, em 20 anos, as árvores irão capturar cerca de 10 milhões de toneladas.

Acontece que a empresa optou por plantar acácias no planalto de Batéké, região de savana da África Central. Muitos especialistas acham que essa escolha vai gerar uma incompatibilidade entre ambiente e espécies, o que significa que as árvores podem não vingar e ainda vão colocar em risco os ecossistemas existentes.

Nos últimos 30 anos, o plantio de árvores aumentou 288%. As árvores são plantadas por vários motivos: para restauração florestal, para produzir culturas de commodities (como a borracha), para o fornecimento de madeira e, é claro, por empresas e organizações que alegam ajudar a combater as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade.

Mas, na maioria das vezes, isso não é feito da maneira correta. Muitos grupos têm plantado espécies em locais inadequados e sem o devido acompanhamento para garantir que as árvores sobrevivam.

Um novo estudo teve como objetivo avaliar a extensão desse problema, constatando que o plantio de árvores é extremamente difundido, inclusive em ambientes incompatíveis com suas espécies. Como uma solução melhor para as mudanças climáticas, alguns estudiosos são favoráveis a permitir a regeneração natural das florestas, em vez do plantio forçado contínuo.

“Senti que estávamos todos apontando os dedos uns para os outros, mas sem realmente entender a escala desse problema”, diz o autor principal, Matthew Fagan, professor assistente de geografia e sistemas ambientais da Universidade de Maryland.

PLANTAÇÕES X VEGETAÇÃO NATURAL

Com foco nos trópicos, os pesquisadores examinaram imagens de alta resolução de áreas da África, da América Latina, do Sudeste Asiático e da Oceania. As fotos foram capturadas da órbita terrestre entre 2000 e 2012, e identificaram florestas naturais e plantações de árvores.

Muitos grupos têm plantado espécies em locais inadequados e sem o devido acompanhamento para garantir que as árvores sobrevivam.

Usando imagens de satélite e dados de radar, os pesquisadores estudaram sete milhões de trechos únicos de cobertura vegetal e diferenciaram as florestas naturais das chamadas “plantações de árvores”, que geralmente consistem nas mesmas espécies plantadas em fileiras.

Eles descobriram que cerca de metade de toda a cobertura de árvores nos trópicos é composta por árvores plantadas, muitas delas vastas extensões de dendezeiros e de seringueiras. Pior: 92% dessas plantações estavam localizadas em focos de biodiversidade, representando uma ameaça aos ecossistemas existentes. Também descobriram que as plantações estavam invadindo áreas protegidas, como parques nacionais.

Outra descoberta importante é que cerca de 14% das árvores foram plantadas em zonas áridas, em habitats como savanas e pastagens. Só que esses são biomas secos, onde elas têm dificuldade em prosperar. Árvores ambientalmente incompatíveis também podem matar os ecossistemas prévios, destruir habitats existentes para a vida selvagem e perturbar o solo, liberando carbono.

Quando sobrevivem, essas espécies incompatíveis consomem a água e matam as pastagens. “A maneira como plantamos uma árvore é tão importante quanto o local onde a plantamos”, resume Fagan. O paradigma tem sido pensar logo de saída em plantar florestas, mas outros biomas são igualmente importantes para garantir o clima e a biodiversidade.

BOAS INTENÇÕES OU GREENWASHING?

Ainda assim, empresas e conglomerados insistem em afirmar que seus esquemas de plantio de árvores realmente reduzem as mudanças climáticas e criam habitats – como o caso da TotalEnergies. Ou seja, em muitos desses programas, há o perigo de greenwashing, prática na qual empresas adotam políticas ambientais progressivas para conquistar os consumidores, quando na verdade podem estar apresentando resultados infundados.

metade de toda a cobertura de árvores nos trópicos é composta por árvores plantadas, muitas delas vastas extensões de dendezeiros e de seringueiras.

Na realidade, pode levar décadas, ou até séculos, para que novas árvores absorvam carbono. Fagan diz que é preferível deixar as florestas naturais crescerem novamente. “A taxa de rebrota das árvores nos trópicos é incrivelmente alta”, diz ele. “É possível evoluir de uma pastagem aberta para uma floresta tropical fechada com 10 metros de altura em oito anos.”

Além disso, empresas, conglomerados e até governos geralmente não monitoram as árvores que plantaram. Outro estudo de 2021, sobre por que as empresas plantam árvores, mostrou que apenas 5% das organizações de plantio de árvores tropicais incluíam informações no site sobre como monitorar as taxas de sobrevivência ou como fazer manutenção para mantê-las vivas.

Fagan nota que há empresas que estão fazendo o certo, como a One Tree Planted, que coordena projetos de pequena escala, usa espécies nativas, trabalha com ecologistas locais e faz monitoramento contínuo. Outros dois fatores que poderiam ajudar muito seriam a melhoria na regulamentação sobre o plantio de árvores e a pressão por parte dos clientes exigindo mudanças.

De qualquer forma, o crescimento natural é a maneira preferível para reflorestar. “A melhor e mais barata resposta geralmente é apenas dar um passo para trás e deixar a natureza fazer o seu trabalho”, diz Fagan. Um exemplo inspirador: o Níger conseguiu restaurar 200 milhões de árvores de floresta natural, muitas delas nativas, em mais de cinco milhões de hectares – isso tudo sem que uma única árvore fosse plantada.

“Deixar as florestas naturais crescerem novamente e protegê-las por centenas de anos – essa é uma solução verdadeira e de longo prazo.”


SOBRE O AUTOR

Talib Visram escreve para a Fast Company e é apresentador do podcast World Changing Ideas. saiba mais