Podemos confiar nas promessas de criação de reservas de proteção marinha?

Algumas reservas ambientais oferecem proteção eficaz a peixes e outras espécies, mas muitas existem apenas no papel

Credito: Biletskiy/ Envato Elements

Kirsten Grorud-Colvert 5 minutos de leitura

Bilhões de pessoas no mundo todo dependem do mar para comer, tirar seu sustento e preservar sua identidade cultural. Mas as mudanças climáticas, a pesca predatória e a destruição de habitats marítimos estão ameaçando a sobrevivência de ecossistemas oceânicos.

Como ecologista marinha, estudo meios de melhorar a conservação do oceano por meio da criação de áreas de proteção. Muitos países criaram, ou prometeram criar, reservas ambientais marítimas – zonas nas quais há restrição de atividades como pesca, turismo e aquicultura.

Mas décadas de pesquisa mostraram que nem todas as áreas de proteção marinha são criadas iguais, e que as mais eficazes são as que proíbem atividades prejudiciais ao meio ambiente.

CONTANDO PROMESSAS

Muitos órgãos governamentais pelo mundo afora reagiram à crise que ameaça o oceano prometendo proteger áreas marítimas próximas a seu território. Para verificar se essas promessas realmente fizeram alguma diferença, eu e meus colegas avaliamos os compromissos assumidos entre 2014 e 2019 no encontro anual Our Ocean Conference.

Em cinco anos, 62 países se comprometeram a proteger áreas de seus mares. Infelizmente, ainda que todas essas promessas fossem totalmente implementadas, elas abrangeriam apenas 4% do oceano. Incluindo todas as áreas de proteção de já existentes e os compromissos anunciados em outras instâncias, esse total subiria para 8,9%.

Esse percentual tende a subir, na medida em que mais países resolvam aderir. O governo norte-americano, sob a administração Joe Biden, propôs neste mês de junho designar o Hudson Canyon – localizado a sudeste da cidade de Nova York e considerado um dos maiores cânions submarinos do mundo – como santuário nacional marinho. O cânion é o habitat de cachalotes, tartarugas marinhas, corais de grande profundidade e outras espécies sob ameaça.

Para apressar esforços desse tipo, continuam as negociações nas Nações Unidas em torno da proposta de proteger pelo menos 30% da área de terras e mares até 2030. Mais de 90 países manifestaram seu apoio a esse objetivo.

Não deixa de ser um progresso, mas ainda há muito a ser feito. Muitas nações falharam em cumprir compromissos anteriores sobre conservação ambiental. Para garantir proteção marítima que realmente traga resultados é preciso mais do que promessas, ainda que de alto nível.

Polícia do estado do Oregon recolhe recipientes com caranguejos como evidência de pesca ilegal em uma reserva marinha, em 2019 (Crédito: Departamento Estadual de Pesca e Vida Selvagem do Oregon)

 

PROJETOS BEM-SUCEDIDOS

Hoje existem reservas ambientais que oferecem proteção significativa para a vida marinha. Mas também há muitas outras que nunca saíram do papel.

Por exemplo, os mares do sul em torno do continente antártico estão entre as zonas menos alteradas do planeta. Mas a atividade pesqueira vem crescendo naquelas águas, e apenas 5% delas são protegidas. Negociações sobre a demarcação de duas reservas, no leste da Antártica e no mar de Weddel, se arrastam há anos.

Fiz parte de uma equipe internacional que publicou a proposta de uma abordagem para o planejamento e implantação de áreas de proteção marinha em 2021. O ponto central é que, para proteger e conservar, de verdade, os habitats e a vida marinha, precisamos trabalhar junto com comunidades locais e governos para criar mais áreas de proteção e restringir ainda mais as atividades prejudiciais ao ambiente.

Cânions do Nordeste dos EUA e montanhas marítimas foram designados como Monumento Nacional Marinho em 2016 para proteger o frágil ecossistema de águas profundas da região (Crédito: NOAA)

Criamos o guia para fornecer um panorama acurado e cientificamente baseado sobre como implementar a conservação de reservas ambientais. O trabalho é complementar ao da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), que estabeleceu diferentes categorias para áreas de proteção ambiental.

O que acontece é que as categorias estabelecidas pela IUCN não especificam que tipo de atividade seria permitida nessas áreas nem descreve seu impacto. Nosso guia inclui quatro elementos que são particularmente relevantes para o monitoramento e a tomada de decisão nessa questão.

Primeiro, identifica se a área protegida é só um conceito, um projeto operacional com regulamentos e administração ou alguma coisa entre esses dois extremos. Isso é importante porque pode levar anos para se sair de uma simples proposta até uma área de proteção ambiental efetiva, que realmente proteja um pedaço do oceano.

para proteger e conservar a vida marinha, precisamos trabalhar junto com comunidades locais e governos.

Segundo, o guia estabelece quatro níveis de proteção: total, com proibição de atividades prejudiciais; alto, com mínimo impacto de atividades humanas; baixo, com impacto moderado; e mínimo, com permissão para atividade potencialmente destrutivas.

Terceiro, para que áreas de proteção marítima deem certo elas precisam ser planejadas, demarcadas e geridas adequadamente. Um processo transparente é fundamental para conseguir o apoio do público. Isso inclui co-administração, incorporação dos conhecimentos dos povos tradicionais e da experiência dos pescadores locais, além de outros grupos que frequentem o local.

SUBINDO A BARRA

Especialistas no Canadá, Indonésia, Estados Unidos e outros países já estão usando o guia para avaliar as áreas de proteção estabelecidas, de forma que comunidades e governos possam tomar decisões mais bem-informadas e fazer os ajustes necessários.

Para garantir a proteção dos mares ainda há muito trabalho pela frente. Mas também há razões para ser otimista. Na mais recente Our Ocean Conference, na ilha-nação Palau, no Pacífico (em abril de 2022), foram firmados mais de 400 novos compromissos, incluindo a criação de novas áreas de proteção, a redução da poluição marítima e o combate à pesca ilegal.

Esses compromissos envolvem valores da ordem de US$ 16,3 bilhões em financiamento, além dos US$ 91,4 bilhões já prometidos em encontros anteriores. Se esses recursos forem usados para criar o tipo de área de proteção de alta qualidade descrito no guia, haverá esperança para os que lutam pela conservação da vida marinha.


SOBRE A AUTORA

Kirsten Grorud-Colvert é professora associada da Universidade Estadual do Oregon. Contribuiu com esse artigo Vanessa Constant, do Cons... saiba mais