Polarização deveria ficar de fora das discussões sobre a crise climática
E se a resistência à ciência climática não for, de fato, sobre ciência?
Falar sobre eletrodomésticos costumava ser um tema seguro, apesar de chato. Mas, agora, muitos políticos de direita dos EUA veem fogões a gás, geladeiras, lava-louças e máquinas de lavar roupas como símbolos da intervenção do governo na vida dos cidadãos.
No início deste ano, membros do Congresso norte-americano aprovaram o projeto de lei “Hands Off Our Home Appliances Act” (“Não Mexam nos Nossos Eletrodomésticos”), que dificulta a criação de novos padrões de eficiência energética. A proposta, no entanto, acabou ficando parada no Senado.
A polêmica em torno de eletrodomésticos eficientes é apenas um exemplo de como a crescente polarização política ameaça os esforços para reduzir as emissões de carbono.
Durante sua campanha, o então candidato republicano Donald Trump criticou as tecnologias limpas, fazendo afirmações falsas, como por exemplo que turbinas eólicas quebram quando expostas à água salgada e que carros movidos a hidrogênio podem explodir como bombas.
Desvincular as mudanças climáticas das guerras culturais pode parecer uma tarefa quase impossível. No entanto, cientistas têm encontrado formas de discutir o tema de maneira que alcance uma parcela da população frequentemente vista como irredutível, usando uma abordagem focada apenas nos fatos.
“Se você está falando apenas de observações puras, isso não tem nada de político”, afirma Keith Seitter, diretor executivo emérito da Sociedade Meteorológica Americana. Explicar, por exemplo, que furacões estão se intensificando mais rapidamente devido às altas temperaturas dos oceanos permite que as pessoas tirem suas próprias conclusões sobre como o mundo está mudando.
A PSICOLOGIA POR TRÁS DO NEGACIONISMO
A Climate Central, uma organização sem fins lucrativos que se define como “rigorosamente apartidária e neutra”, fornece dados e gráficos regionais para ajudar jornais, sites, meteorologistas e emissoras de TV e rádio a explicar a ciência por trás de eventos climáticos cada vez mais extremos.
“Independentemente da orientação política, as pessoas querem saber o que a ciência tem a dizer sobre as condições climáticas e meteorológicas que estão enfrentando em suas comunidades”, diz Peter Girard, vice-presidente de comunicação externa do Climate Central.
Um estudo realizado em 2014 apontou que republicanos que ouviram um discurso sobre como os Estados Unidos poderiam usar tecnologias ecológicas para impulsionar a economia tinham duas vezes mais chances de aceitar a ciência climática do que aqueles que ouviram uma mensagem focada em regulações e impostos ambientais. Em outras palavras, pode ser mais fácil ignorar um problema quando não gostamos da solução proposta.
Esse fenômeno, conhecido como “aversão à solução”, pode ajudar a entender a origem da guerra cultural em torno das mudanças climáticas. No início dos anos 1990, com o público recém-alertado por cientistas de que o aquecimento global já estava em curso, cresceu o movimento por ações globais, incluindo a adoção de metas obrigatórias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Empresas que tinham interesse em continuar usando combustíveis fósseis – como petrolíferas, concessionárias de energia, montadoras, ferrovias e siderúrgicas – viram isso como uma ameaça e organizaram uma contraofensiva. Conservadores começaram a questionar a ciência climática e argumentar que abandonar os combustíveis fósseis colocaria a economia em risco.
COMO CONVERSAR SOBRE O ASSUNTO
Entre 1992 e 2012, de acordo com o Pew Research Center, a diferença no apoio a ações ambientais entre democratas e republicanos passou de 5% para 39%. Nos últimos anos, essa divisão se aprofundou. Quando progressistas apresentaram o Green New Deal, em 2019, republicanos responderam com acusações infundadas, como: “eles querem tirar seus hambúrgueres”.
Houve tentativas de apresentar ações climáticas de uma forma que se alinhasse aos valores conservadores. Contudo, o psicólogo Kenneth Barish aponta que, na prática, este grupo tende a rejeitar esse tipo de abordagem, pois sente que não foi ouvido.
as pessoas querem saber o que a ciência tem a dizer sobre as condições climáticas que estão enfrentando.
Para Barish, a despolarização começa com uma conversa cara a cara entre duas pessoas que discordam. O objetivo é entender as preocupações por trás das opiniões e, juntos, buscar soluções que atendam aos interesses de ambas.
“Quando você muda o foco de simplesmente expressar uma opinião para compreender as preocupações que a sustentam, a conversa muda completamente”, explica Barish.
Essa abordagem é semelhante à “prospecção profunda”, uma técnica de engajamento desenvolvida por ativistas LGBTQIAP+ que envolve ouvir as preocupações das pessoas sem julgá-las e ajudá-las a refletir sobre seus sentimentos conflitantes. Estudos mostram que conversas desse tipo têm um impacto duradouro na mudança de mentalidade.
Este artigo foi publicado originalmente na “Grist”, organização de mídia independente e sem fins lucrativos especializada na questão climática.