Por que a logística da cadeia global de suprimentos vai ficar um pouco pior

Crises nos canais do Panamá e de Suez estão causando estragos nas rotas marítimas e podem criar lacunas de longo prazo na cadeia de suprimentos

Crédito: Freepik

Talib Visram 3 minutos de leitura

A Tesla e a Volvo anunciaram uma pausa na produção em suas fábricas na Bélgica e Alemanha, respectivamente, devido à falta de componentes essenciais que não estão chegando à Europa. A Tesla vai interromper a produção por duas semanas, citando que “o transporte consideravelmente mais longo está criando lacunas nas cadeias de suprimento”.

Esta paralisação na indústria automotiva é apenas um exemplo da escassez e dos atrasos registrados em vários setores, resultado de duas crises simultâneas – mudanças climáticas e geopolítica – que afetam o transporte de mercadorias e, consequentemente, seus custos.

Atualmente, duas das rotas de navegação mais importantes do mundo estão comprometidas. O canal do Panamá teve que reduzir as travessias em 40% devido a uma severa seca. Ao mesmo tempo, o canal de Suez, por onde normalmente passam 30% dos contêineres globais, se tornou um campo de batalha devido aos ataques do grupo rebelde Houthi.

“Embora sejam questões separadas, a interação entre elas afeta a logística e o transporte em nível global”, afirma Arash Azadegan, vice-presidente de departamento da Rutgers Business School, especializado em interrupções na cadeia de suprimentos.

Antes, quando apenas o canal do Panamá estava comprometido, o canal de Suez conseguia compensar. “Quando machucamos o braço esquerdo, usamos mais o direito”, compara Azadegan.

Isso é especialmente verdade para organizações globais com bases em diferentes partes do mundo. Se uma fábrica de automóveis não puder enviar do Brasil, por exemplo, ela poderia aumentar a produção na Índia.

Mas agora as principais companhias de transporte marítimo estão sendo forçadas a buscar rotas completamente diferentes. A gigante dinamarquesa de navegação Maersk começou a usar rotas ferroviárias para evitar o canal do Panamá.

Já na região do canal de Suez, as decisões estão sendo tomadas em tempo real. Enquanto algumas empresas estão optando por enviar navios pelo Mar Vermelho, a maioria está desviando ao redor do continente africano.

Este desvio adiciona cerca de 6,5 mil quilômetros e, no mínimo, 10 dias ao trajeto, aumentando os custos com combustível, tripulação, contêineres e seguro. Em diversos setores, desde fabricação de automóveis e varejo até grãos e petróleo, já se observam sinais de escassez, atrasos e aumentos nos preços.

Apesar de as empresas e seus parceiros de transporte estarem absorvendo os custos mais altos por enquanto, com o passar do tempo eles naturalmente serão distribuídos ao longo de toda a cadeia de suprimentos.

Canal do Panamá (Crédito: Walter Hurtado/ Bloomberg/ Getty Images)

Azadegan destaca um princípio econômico conhecido como “efeito chicote”: uma pequena alteração no final da cadeia causa efeitos significativos ao longo dela. “Portanto, como fornecedor de outro fornecedor, qualquer pequeno ajuste na demanda irá afetá-lo mais”, explica.

Empresas automotivas são um bom exemplo. Se faltarem pneus, a produção é afetada. E, se os fabricantes de pneus enfrentarem escassez de borracha, sua produção também será prejudicada. Assim como a Tesla e a Volvo, a fabricante de pneus Michelin anunciou a interrupção das operações em suas fábricas espanholas, devido à escassez de borracha.

Nada Sanders, professora de gestão da cadeia de suprimentos na Northeastern University, acredita que essas crises não serão resolvidas tão cedo. “Acredito que isso terá um impacto real nos consumidores em um período relativamente curto de tempo.”

Canal de Suez (Crédito: IgorSPb/ iStock)

Ela diz que as interrupções durante a pandemia de Covid-19 ajudam a prever os efeitos que estão por vir. E, assim como na pandemia, as crises atuais não têm soluções diretas. O conflito com o grupo Houthi está ligado à guerra entre Israel e Hamas; já a seca no Panamá (ligada à mudança climática) continua, reduzindo o número de navios que podem passar pelo canal.

Para Sanders, a maior lição que podemos tirar disso é o quão cruciais são essas poucas rotas para toda a economia global e como é fácil comprometê-las. Elas ilustram a necessidade de encontrar soluções, como rotas alternativas de navegação.

Por décadas, propostas para a expansão do canal do Panamá e construção de novos canais ou alternativas ferroviárias em outros países da América Latina têm sido discutidas.

No entanto, qualquer um desses projetos seria longo, trabalhoso e caro, e poderia enfrentar dificuldades para atrair investimento e atenção depois que a crise atual for esquecida. Sanders teme que a acomodação que se instalou após a pandemia se repita e lamenta. “Sinto que as lições não foram aprendidas”.


SOBRE O AUTOR

Talib Visram escreve para a Fast Company e é apresentador do podcast World Changing Ideas. saiba mais