Por que o foco na “fragilidade branca” é uma distração

Apelos por mais consciência sobre o papel dos brancos no racismo sistêmico ainda falham em fazer com que as pessoas tomem uma atitude

Crédito: Simon Lee/ Unsplash

Porter Braswell 8 minutos de leitura

Após o assassinato de George Floyd em maio de 2020, a expressão “fragilidade branca” ganhou destaque na cultura norte-americana. Alimentados pelas mídias sociais e por iniciativas de diversidade corporativa, os argumentos sutis por trás do termo foram rapidamente aceitos como fato, sobretudo por certos progressistas ansiosos para demonstrar seu engajamento na luta contra o racismo.

Em essência, a “fragilidade branca” refere-se às respostas defensivas e evasivas às quais muitos brancos recorrem ao falar sobre raça e racismo.

Robin DiAngelo, uma educadora (branca), acadêmica e especialista em diversidade, originalmente cunhou o termo em um artigo de 2011. Fez ainda mais sucesso após a publicação de White Fragility: Why It’s So Hard for White People to Talk About Racism (Fragilidade Branca: Porque é Tão Difícil para os Brancos Falar Sobre Racismo), em 2018.

O livro se tornou número um em vendas na Amazon, atingindo a marca de 1,6 milhão de cópias vendidas. DiAngelo aparecia em vários talk shows e programas de notícias, enquanto postagens com a hashtag #fragilidadebranca se tornavam virais nas redes sociais.

Desde então, houve todo o tipo de resposta ao trabalho da autora. Muitos acham seus treinamentos e discursos instigantes. Outros enxergam uma condescendência preocupante em relação a pessoas negras em sua obra (e em seminários sobre diversidade).

Particularmente, costumo ser cauteloso com qualquer chavão ao qual as pessoas se apegam em momentos de intenso escrutínio público. DiAngelo inegavelmente oferece insights importantes baseados em sua experiência profissional, mas seu argumento não aborda a questão como um todo. Tampouco propõe soluções.

A expressão “fragilidade branca” refere-se às respostas defensivas e evasivas às quais pessoas brancas recorrem ao falar sobre raça e racismo.

O foco na “fragilidade branca” é, em última análise, uma distração. O termo em si é apenas uma nova representação retórica de uma ideia com a qual a maioria de nós já está familiarizada: grupos específicos profundamente desconfortáveis com seu papel tanto no racismo sistêmico quanto na história da supremacia branca nos Estados Unidos.

Mas, ao passar mais tempo se culpando e se punindo pelo “pecado original” do racismo, elas deixam de focar na realidade da desigualdade racial. Em outras palavras, DiAngelo pode ter aberto os olhos de algumas pessoas, mas falha em fazer com que tomem uma atitude.

Claro que ainda vale a pena entender o que o termo significa e como a autora constrói seu argumento.

FRAGILIDADE BRANCA X VIÉS INCONSCIENTE

Como dito acima, a “fragilidade branca” descreve a frágil constituição emocional que DiAngelo observou em pessoas brancas falando sobre raça e racismo. “Esse não sou eu”, “eu nunca diria isso”, “eu não vejo cor”, “por que a raça de alguém deveria importar?”. Todos esses são exemplos da fragilidade branca na prática, de acordo com a autora.

A própria defesa está enraizada em uma espécie de cálculo moral que entende o racismo como um traço intrinsecamente maléfico e socialmente indesejável, o que, por sua vez, leva muitas pessoas a negar qualquer associação com ele.

Nesse sentido, a fragilidade branca apenas descreve o “viés inconsciente” de um ponto de vista diferente e em um contexto mais específico. É uma resposta emocional (e, em grande parte, irracional) que as pessoas apresentam quando passam pelo processo mentalmente complexo de reconhecer seus próprios preconceitos. Mas esta não é uma ideia nova.

Ao ficar se culpando pelo “pecado original” do racismo, as pessoas deixam de focar na realidade da desigualdade racial.

O mais interessante é o argumento de que essa é a base da supremacia branca.

“A adaptação mais eficaz do racismo ao longo do tempo é a ideia de que é um viés consciente de pessoas más”, afirma DiAngelo. Ao evitar discussões sobre raça, os brancos permitem implicitamente que a supremacia branca exista.

Em uma sociedade ainda amplamente segregada em termos de moradia, educação e emprego, a fragilidade branca atua de maneira invisível para retardar o avanço da igualdade racial.

RESISTÊNCIA E INOCÊNCIA RACIAL

A autora define ainda outros mecanismos psicológicos que fazem parte dessa fragilidade, como “resistência racial”, “inocência racial” e “solidariedade racial”. Todos se referem à relutância em se envolver em discussões desconfortáveis ​​sobre raça.

A resistência racial refere-se aos baixos níveis de energia emocional que as pessoas parecem demonstrar em tais discussões. A inocência racial refere-se à ideia de que os brancos se veem como desracializados (ou como a raça ‘padrão’) – o que significa que não vivem em um mundo que projeta comportamentos ou características em suas personalidades com base na raça.

Por fim, a solidariedade racial refere-se à maneira como brancos evitam conversas sobre raça com outros brancos. Manter o silêncio e não discutir o assunto tornam-se formas de reforçar a supremacia branca.

A verdadeira questão é: será que isso realmente faz a diferença?

E AS SOLUÇÕES?

Os críticos de seu trabalho ressaltam a ausência de implicações práticas e soluções. A própria autora afirma que a busca por soluções, e não somente se sentir desconfortável, é a base da fragilidade branca. Mas os resultados – ou a falta deles – falam por si.

Manter o silêncio e não discutir o assunto tornam-se formas de reforçar a supremacia branca.

Por exemplo, apesar de seu sucesso como palestrante corporativa e especialista em treinamento de diversidade, muitas das empresas que DiAngelo aconselhou continuam operando sob uma liderança lamentavelmente homogênea.

Além disso, sua abordagem parece um exercício improdutivo de autoflagelação. É mais fácil ouvir um pastor dizer que são pecadores do que entender os próprios pecados.

Embora a autora inegavelmente tenha uma vasta experiência, ela construiu sua fortuna explorando o sentimento de culpa das pessoas brancas. Mas o remorso não é garantia de mudança de comportamento ou mesmo engajamento.

Na verdade, o desconforto da abordagem de DiAngelo pode fazer com que alguns não queiram revisitar esses assuntos. De forma geral, essa tem sido uma crítica recorrente a muitos programas de diversidade corporativa.

As pessoas tendem a evitar o desconforto psicológico. O argumento de que gente branca precisa se sentir à vontade com o desconforto é perfeitamente válido, mas não há evidências de que seja eficaz.

Fragilidade Branca é, no fim das contas, um livro sobre como fazer certos leitores brancos instruídos se sentirem melhor consigo mesmos. A perspectiva de DiAngelo se baseia em uma representação dos negros como garotos-propaganda infinitamente delicados dentro dessa fantasia de autogratificação sobre como a América branca precisa pensar – ou melhor, parar de pensar.

Sua resposta à fragilidade branca, em outras palavras, envolve uma condescendência elaborada e impiedosamente desumanizante em relação aos negros. (John McWhorter, The Atlantic, 2020)

Para McWhorter, a abordagem da autora evita insistentemente em lidar com as experiências dos negros e a diversidade nelas contida. Suas generalizações sobre a maneira “certa” de falar sobre raça e racismo com pessoas negras se baseiam na noção de que esta é uma comunidade particularmente sensível, machucada e vitimizada.

Precisamos refletir e falar sobre essas questões, mas também abordá-las de forma prática e eficaz.

Obviamente, isso está longe de ser verdade. Em um artigo escrito por Daniel Bergner, vários participantes negros e latinos dos treinamentos de DiAngelo relataram exatamente o oposto: viver uma vida inteira em uma sociedade racista e sofrer discriminação faz com que não se abalem facilmente. Por melhores que as intenções da autora possam ser, seu posicionamento sobre a comunidade é profundamente falho.

O QUE PODEMOS FAZER?

É mais fácil criticar do que oferecer soluções, então vou encerrar com algumas reflexões sobre o que podemos fazer:

  • Devemos nos concentrar nos impactos do racismo sistêmico e nos possíveis caminhos para combatê-lo. Se entendermos que o preconceito e a desigualdade são, em certa medida, intrínsecos às sociedades humanas, podemos nos concentrar em detê-los, em vez de tentar, em vão, erradicá-los.
  • Quando ocorrem eventos trágicos e violentos que trazem emoções à tona, precisamos nos voltar à experiência e às perspectivas dos principais afetados – no caso do assassinato de George Floyd, por exemplo, a comunidade negra. Em tempos como esses, é mais fácil ver as pessoas preocupadas com a história e seu papel nela do que com as consequências do racismo para as vítimas. Algo que se tornou uma questão de vida ou morte.
  • Devemos resistir ao fascínio de chavões e retórica. Precisamos refletir e falar sobre essas questões, mas também abordá-las de forma prática e eficaz.
  • Por fim, precisamos de uma abordagem que não se concentre em culpa. Pessoas brancas são responsáveis pela ideia de supremacia racial, mas todos estamos empenhados em acabar com ela. Perder tempo se punindo pelo “pecado da branquitude” é exatamente isso: perda de tempo. Em vez disso, busque entender e se educar sobre as experiências e realidades de pessoas negras e aprenda com elas como combater o racismo.

A “fragilidade branca” pode ser um tema interessante para pessoas que acreditam na eficácia do treinamento em diversidade. Mas, como alguém que atua nessa área há anos, posso dizer: há um trabalho muito maior a ser feito.

Precisamos aprender urgentemente essa lição, porque não podemos perder mais tempo com distrações.


SOBRE O AUTOR

Porter Braswell é cofundador e presidente executivo da Jopwell, plataforma de tecnologia de RH que ajuda estudantes e profissionais a ... saiba mais