Porque a venda da Patagonia pode ser considerada um grande negócio

Para Jim Collins, que acompanha a Patagonia desde o final dos anos 80, o recente movimento da empresa, se bem-sucedido, pode inspirar outros fundadores

Crédito: Pexels/ Luis Dalvan/ André Ulysses/ Mati Mango/ Sole D' Alessandro

Stephanie Mehta 4 minutos de leitura

Jim Collins, autor de “Empresas Feitas para Vencer” e “Feitas para Durar: Práticas Bem-Sucedidas de Empresas Visionárias”, vem narrando a abordagem única dos negócios da Patagonia desde o final dos anos 80. Em uma entrevista à Fast Company publicada em 2021, ele apontou o fundador da empresa, Yvon Chouinard, como um exemplo de liderança. Collins também é alpinista e guarda uma cópia original do “Manifesto da Escalada Limpa”, escrito em 1972 por Chouinard.

Quando a família do fundador da Patagonia decidiu transferir suas ações ordinárias para um fundo especial e o restante para uma organização sem fins lucrativos, imediatamente nos perguntamos: o que Jim Collins acha disso? Ele deu uma entrevista exclusiva à Fast Company sobre o legado de Chouinard e como o empresário foi responsável por redefinir o conceito de “estratégia de saída”. Abaixo, seguem trechos editados da conversa.

Qual foi sua primeira reação quando soube que a família Chouinard abriria mão da propriedade da Patagônia, mantendo sua independência e compromisso com as mudanças climáticas e com a preservação da natureza?

A ideia de tentar colocar em prática uma estrutura que

Yvon Chouinard foi responsável por redefinir o conceito de “estratégia de saída”.

permite que os valores, o propósito e a integridade da empresa sejam preservados é emblemática da filosofia por trás de “Feitas para Durar”. Minha reação foi de admiração. Joanne, minha esposa, imediatamente destacou o fato de que Chouinard não vendeu o controle da empresa para estimular seu crescimento, e isso lhe deu liberdade. 

O crescimento foi resultado de seus produtos incríveis, da execução impecável e de uma marca excepcional, que se traduziram em margens e fluxo de caixa capazes de impulsionar a expansão de forma contínua ao longo do tempo. Esta não é uma história que começou há cinco anos. Ela começou há cinco décadas, quando vendiam pitões (estacas para alpinismo) no porta-malas de um carro.

Ter uma composição consistente ao longo do tempo, mantendo o controle, dá a você a liberdade de tomar decisões que se alinham com o propósito da empresa.

Yvon Chouinard, fundador da Patagonia (Crédito: Fast Company)

Outra coisa que ainda não sabemos é o que isso significará para a Patagonia enquanto empresa. Caso uma organização sem fins lucrativos tenha o controle das ações ordinárias, haverá menos incentivo para maximizar as vendas e o lucro?

Quando lecionei sobre isso na Universidade de Stanford, estava claro que maximizar as vendas e o lucro não era o objetivo principal. A então CEO Kristine McDivitt havia dito: “Não somos uma empresa que só quer chegar o mais longe possível lucrando o máximo que conseguir”.

Eu via a dificuldade dos meus alunos em entender o motivo, já que a empresa era incrivelmente bem-sucedida. Tinha ótimos produtos com excelentes margens, marca consolidada e fluxo de caixa que poderia ser reinvestido para fazer a empresa crescer ainda mais. Maximizar a receita e o lucro nunca foi a forma como a Patagonia define suas estratégias.

A empresa focou em bons produtos, em como aplicar seu propósito no mundo e se preocupou em investir no que é mais importante para ela. 

Um dos conceitos que surgiu do nosso trabalho foi o de “efeito volante”. Quanto mais a empresa diversifica seu portfólio, cria bons produtos, aplica a lei de Moore, apresenta ótimos resultados e recebe retorno de seus investimentos, mais ela consegue converter isso em lucro ou recursos, além de contribuir para sua reputação.

Trata-se de reinvestir tudo o que foi gerado, para que ela possa colocar em prática seu propósito. E a Patagonia teve um ótimo efeito volante. Focou em bons produtos, em como aplicar seu propósito no mundo e se preocupou em investir naquilo que é mais importante para ela. 

Para que uma empresa consiga o mesmo efeito, não importa quem é o dono. Quer dizer, retiro o que disse. Se o dono focar apenas no lucro, pode fazer com que o efeito volante desacelere. Dado o histórico da empresa, podemos ver claramente que seu volante sempre foi propósito e reinvestimento, de forma consistente.

Em 2019, a Fast Company colocou Yvon na capa e recebemos uma enxurrada de agradecimentos de jovens empreendedores. Seu legado pode ir além do estímulo a mudanças sociais e inspirar uma nova geração a experimentar essa estrutura de propriedade da Patagonia para garantir que seus valores sejam preservados?

Espero que mais fundadores, antes de se preocupar com o que os outros esperam que sua empresa seja, declarem sua independência. Digam no que acreditam, qual é seu propósito, e o cumpram. Que tomem suas decisões de forma a garantir que não vendam o controle ou alimentem um crescimento que não queiram. E, a partir daí, poderão construir suas empresas de verdade.

E quando as pessoas perguntarem "qual é a sua estratégia de saída?", que se lembrem que Chouinard transformou o termo em algo existencial, afirmando “é disso que se trata minha vida”.


SOBRE A AUTORA

Stephanie Mehta é CEO e chief content officer da Mansueto Ventures, controladora da Inc.e da Fast Company. saiba mais