Precisamos entrar na era da economia circular – e adotá-la em larga escala

Está difícil trabalhar com sustentabilidade ambiental atualmente. Em fevereiro, sete das 10 maiores economias do mundo perderam o prazo estabelecido pela ONU para apresentar planos atualizados de redução de emissões, segundo a Bloomberg.
Desde o final do ano passado, instituições financeiras como Goldman Sachs, Wells Fargo e Citigroup saíram da Net-Zero Banking Alliance, uma coalizão de empresas comprometidas em reduzir sua pegada de carbono.
Essas decisões, entre muitas outras, acontecem enquanto o presidente Donald Trump e seus indicados tentam eliminar programas do governo federal dos EUA voltados ao combate ao aquecimento global.
Mesmo assim, Jonquil Hackenberg, CEO da Fundação Ellen MacArthur, uma das principais instituições voltadas à economia circular, está navegando esse novo cenário com uma combinação de otimismo e pragmatismo.
A economia circular é um sistema onde materiais são reciclados, recondicionados, reutilizados ou compostados e a agricultura é projetada para aumentar a biodiversidade. Nesta entrevista, Hackenberg enfatiza o compromisso da fundação em enfrentar desafios globais como mudanças climáticas, poluição e perda de biodiversidade.
O CAMINHO CIRCULAR PARA A REDUÇÃO DE RESÍDUOS
Um exemplo recente do trabalho da fundação é o Big Food Redesign Challenge, um projeto de 18 meses voltado a ajudar o setor alimentício a desenvolver produtos ecologicamente corretos. A fundação apresentou 141 produtos de 57 organizações que utilizam princípios da economia circular e da agricultura regenerativa.
Além desses programas, Hackenberg também destaca o papel da circularidade em questões não ambientais, como a resiliência das cadeias de suprimentos. “Estamos analisando matérias-primas críticas sob a ótica da segurança de materiais, o que se alinha muito bem com a nova administração e além dela”, afirma.
ECONOMIA CIRCULAR E CADEIAS DE SUPRIMENTOS
Estudos sugerem que a reciclagem ou reutilização de materiais pode compensar interrupções na cadeia de suprimentos causadas por escassez ou fatores geopolíticos.
O Centro Comum de Pesquisa da União Europeia publicou recentemente um relatório analisando como o aumento da circularidade, junto com outras abordagens, poderia reduzir a dependência da Europa de países como China, Japão, Rússia, Cazaquistão, Arábia Saudita e Ucrânia para materiais usados na fabricação de titânio. Empresas da UE utilizam esse metal principalmente na fabricação de aviões, carros, robôs e impressão 3D.

Hackenberg tem um histórico que a torna bem preparada para defender o papel da fundação. Ela foi CEO da Eunomia Research and Consulting, uma consultoria socioambiental, e antes disso, atuou como chefe global de sustentabilidade e resposta climática na PA Consulting. "A transição para uma economia circular é a maior transformação que vamos enfrentar”, afirma.
Apesar dos avanços iniciais – 75 países já contam com iniciativas de economia circular e 55% das empresas, incluindo Ikea e Dell, firmaram compromissos nesse sentido – o movimento parece ter estagnado.
O mais recente Circularity Gap Report apontou que apenas 7,2% dos materiais que entraram na economia em 2023 eram "secundários" (reciclados ou reaproveitados), uma queda em relação aos 9,1% de 2018.
A LÓGICA DA CIRCULARIDADE
Para impulsionar uma nova transformação, pode ser necessário destacar como a circularidade pode fortalecer as economias locais.
"Se olharmos para governos mais protecionistas, que estão se perguntando como podem proteger a economia local, veremos que a economia circular tem um grande potencial para criar novas oportunidades de valor e novos empregos sem depender de insumos globais”, diz Hackenberg.
A transição para uma economia circular é a maior transformação que vamos enfrentar.
Essa visão mais ampla sobre os benefícios da economia circular reflete a estratégia de muitas ONGs e empresas no atual governo do presidente dos EUA, Donald Trump.
Mas o fato de se empenhar na promoção da economia circular não quer dizer que a Fundação Ellen MacArthur esteja deixando de lado seu compromisso com as questões climáticas e de biodiversidade.
"Precisamos de coragem e liderança para seguir firmes no caminho", afirma Hackenberg. "A política vai e vem, mas os fatos mostram que estamos no limite dos recursos do planeta. Eliminar o lixo das ruas e dos mares não é uma questão partidária."