Teto verde, ônibus arejado, abrigos climáticos: brasileiros inovam para resistir ao calor extremo

Iniciativas buscam combater injustiça climática com soluções mais acessíveis

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Camila de Lira 8 minutos de leitura

Do lado de fora, a temperatura passa dos 40ºC. Dentro do ônibus, são 45ºC. No interior de uma casa na favela, a sensação térmica chega a quase 60ºC.Haja resiliência climática.

Esta semana, o Brasil foi o país com maior alerta de calor extremo do mundo. O cenário é sufocante, mas há um pouco de refresco vindo de pesquisadores e startups brasileiras.

Iniciativas que usam tecnologia acessível trazem soluções para as altas temperaturas em cidades, periferias e até no ônibus. Tudo com o objetivo de aliviar os próximos anos, que prometem ser muito quentes.

O momento para lidar com o calor extremo não poderia ser mais urgente. O planeta já está em média 1,5°C mais quente do que na era pré-industrial, um limite crítico alertado por cientistas.

O Brasil não vai nada bem nesse cenário. De acordo com o relatório divulgado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e pela WWF Brasil, o aquecimento em várias regiões do país foi mais do que o dobro da alta global.

Onda de calor é um fenômeno no qual as temperaturas ficam 5ºC acima da média do ano por mais de três dias seguidos. Entre 1960 e 1990, o Brasil registrava, no máximo, sete dias de onda de calor por ano. Esse número saltou para 20 nos anos 1990, 40 nos anos 2000 e cerca de 52 nos anos 2010.

Só em fevereiro de 2025, já enfrentamos três semanas seguidas de calor extremo – e uma quarta está a caminho. Em apenas dois meses, ultrapassamos o que antes era o total anual.

E o impacto não é igual para todos. Os eventos climáticos extremos atingem mais aqueles que têm menos recursos. Levantamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro calcula que, entre 2000 e 2018, mais de 48 mil pessoas morreram no Brasil devido a ondas de calor. A maior parte delas morava em lugares com acesso precário à infraestrutura, moradia e sistemas de saúde.

A INOVAÇÃO ANDA DE ÔNIBUS

Para milhões de brasileiros, o ônibus não é apenas um meio de transporte, é parte essencial da rotina. Quem depende dele percorre, em média, 13,5 km e passa pelo menos 36 minutos dentro de um veículo todos os dias, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT).

A conta não inclui as horas de trânsito das grandes cidades. Nos dias mais quentes, esse tempo pode ser um teste de resistência: janelas fechadas por causa da chuva, ar parado e sensação térmica sufocante.

Só em fevereiro de 2025, já enfrentamos três semanas seguidas de calor extremo.

Foi exatamente essa experiência que fez o engenheiro mecânico Leonardo Carvalho Santiago buscar uma solução. Quando era estudante do Instituto Federal da Bahia (IFBA),  o rapaz passou algumas horas em ônibus lotados, quentes – e com as janelas fechadas.

Quando surgiu a oportunidade de criar um projeto de solução tecnológica para o instituto em 2018, Santiago logo pensou na “sauna” que enfrentava diariamente.

Ele se juntou a outros três colegas e criou um sistema de ventilação passiva para veículos de transporte público. O sistema usa captadores e exaustores que funcionam com o próprio movimento do ônibus, sem precisar de motores extras. O resultado? Uma queda na temperatura interna de até 4,5°C, sem custo adicional de energia.

O projeto se chamava Arejabus e deu tão certo que virou startup, a Areja. Leonardo, agora CEO, testa o sistema por todo o Brasil. É uma solução mais barata, já que ônibus com ar-condicionado chegam a custar até R$ 60 a mais, e ainda com gasto de  combustível 25% maior. 

"Refrigerar um ambiente com ar-condicionado significa aquecer o planeta. Nossa solução não só melhora a experiência dos passageiros, mas também reduz o impacto ambiental do transporte público", explica Santiago.

O MAIS NOVO AR-CONDICIONADO: A TERRA

Assim como no transporte público, o ar-condicionado não é a saída para a resiliência climática nas cidades. Embora o aparelho sirva para dar conforto térmico, seu consumo de energia contribui para o aquecimento global. 

A Agência Internacional de Energia (AIE) diz que a climatização de espaços habitados é responsável pela emissão de aproximadamente 1 bilhão de toneladas de CO2 ao ano, de um total de 37 bilhões emitidos em todo o mundo.

A refrigeração de ambientes consome 10% da energia elétrica, com apenas dois bilhões de aparelhos. A AIE projeta que, até 2050, serão 5,6 bilhões aparelhos de ar-condicionado em operação no planeta.

Janeiro de 2025 entrou para a história como o mês mais quente já registrado.

Os sistemas de climatização atuais também contribuem para o calor das cidades, explica o engenheiro, especialista em climatização e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Alberto Hernandez Neto.

Para resfriar o ambiente interno, sistemas de ar-condicionado central, por exemplo, usam fluídos para refrescar o ar. Em algum momento, os fluidos esquentam e o calor é dissipado para o lado de fora do espaço climatizado. Regiões com alta densidade de aparelhos de ar-condicionado podem ser até 2°C mais quentes do que o resto da cidade. 

Hernandez Neto coordena pesquisas na USP sobre geotermia aplicada à climatização. O sistema aproveita a diferença de temperatura entre o ar e o subsolo para climatizar o ambiente. Em outras palavras, o fluido de refrigeração passa pelo subsolo e "deixa” o calor ali. 

sistema aproveita a diferença de temperatura entre o ar e o subsolo para resfriar ambientes
Crédito: Thaise Morais/ EESC-USP/ Fapesp

Nesse ciclo, a eficiência do sistema de ar-condicionado aumenta, já que o solo é mais frio do que o ar.  A técnica reduz o consumo de energia em cerca de 40%. Alguns estudos apontam para 60% de redução. 

Uma área do prédio de inovação da USP está sendo construída com a técnica, que ainda depende de testes e alto investimento. Hernandez, no entanto, acredita que essa seja uma alternativa possível para ajudar a climatização de grandes espaços e aumentar a resiliência climática.

RESILIÊNCIA CLIMÁTICA: TETOS VERDES

Outra iniciativa não vem da terra, mas do teto. Ou melhor, um pouco dos dois. São os telhados verdes, sistemas que cobrem edifícios com plantas. Os vegetais absorvem parte da radiação solar, reduzindo o calor excessivo do espaço que fica embaixo – no caso, a casa. 

Estudos mostram que a aplicação da técnica chega a reduzir em até 5,3°C a temperatura interna. A solução não é novidade, tanto que Luis Cassiano Silva aplicou em sua laje há 12 anos. Morador da favela do Arará, no Rio de Janeiro, Silva notou melhora considerável na temperatura de casa. 

Logo, chamou atenção dos vizinhos. E do bairro. Ensinou colegas e transformou o conhecimento em ativismo. Hoje, líder da Teto Verde, leva a tecnologia para lajes e espaços coletivos, como pontos de ônibus. 

Casa com  teto verde na favela do Arará, no Rio de Janeiro
Crédito: Luis Cassiano/ Arquivo pessoal

As ondas de calor não impactam a população da mesma forma. Espaços periféricos, mais adensados e com menos árvores, chegam a ser 10ºC mais quentes do que bairros centrais, segundo levantamento feito em São Paulo. No Rio de Janeiro, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) analisam que a sensação térmica pode chegar a até 13ºC.

Nesta semana mesmo, durante a onda de calor, enquanto as estações meteorológicas do Rio de Janeiro mostravam que estava mais de 40°C na cidade, o termômetro nas mãos de Luis, colocado acima do asfalto do Arará indicavam impressionantes 60°C.

“Precisamos de mais áreas verdes, mais árvores”, diz o ativista. “A gente se vira pensando no verão seguinte. Temos que ser melhores para o verão seguinte."

ABRIGOS CLIMÁTICOS: UM ESPAÇO DE ESPERANÇA

Um dos termos mais repetidos do momento, resiliência climática é a capacidade de uma comunidade ou um ambiente de antecipar e gerenciar impactos climáticos, como também minimizar os seus danos.

Não se trata de impedir a tragédia, mas de evitar mortes. Daí surge a iniciativa dos abrigos climáticos. A proposta do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP busca oferecer proteção climática temporária para as pessoas. 

O projeto, que está sendo testado em Santos, no litoral paulista, transforma espaços públicos climatizados, como escolas e bibliotecas, em refúgios acessíveis para a comunidade. Em um dia de calor extremo, por exemplo, um cidadão que não tem ar-condicionado poderia ir até uma escola do bairro e se “abrigar” ali.

Considerando que apenas 20% dos domicílios no Brasil têm com aparelhos de ar-condicionado, contar com ambientes climatizados em áreas próximas pode ajudar em situações agudas, como quando a sensação térmica chega a 50ºC.

Diversos aparelhos de ar condicionado para combater o calor extremo
Crédito: Carlos Lindner/ Vackground/ Unsplash

Um dos líderes do projeto é o planejador urbano e cientista social Pedro Henrique Torres. Ele explica que o abrigo climático reduz o impacto dos eventos extremos e ajuda a preparar a comunidade para enfrentá-los. “Não é um bunker, nem um lugar apenas para o momento da tragédia, mas um espaço de esperança", diz Torres, professor da USP.

A proposta se inspira em experiências internacionais, como a rede de mais de 350 abrigos climáticos de Barcelona, mas adaptada à realidade brasileira. Enquanto o modelo europeu se concentra apenas em ondas de calor e opera principalmente em escolas e bibliotecas, a versão brasileira precisa lidar também com enchentes, chuvas torrenciais e crises hídricas, como a que atingiu São Paulo em 2014.

Espaços periféricos, mais adensados e com menos árvores, chegam a ser 10ºC mais quentes do que bairros centrais.

Torres destaca que os abrigos são centros de fortalecimento da resiliência climática – espaços onde a comunidade pode se reunir para discutir soluções, aprender sobre riscos e se preparar para agir em emergências.

O calor extremo veio para ficar, e está se intensificando a cada ano. Janeiro de 2025 entrou para a história como o mês mais quente já registrado. A pergunta agora não é mais se devemos agir, mas sim o que estamos esperando para implementar soluções que já estão ao nosso alcance.

Essas iniciativas mostram que o futuro do clima pode ser menos sufocante – se começarmos a construir cidades mais resilientes agora.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais