Respeito à arquitetura indígena marca projeto no Xingu
Não são muros verdes que serão erguidos no projeto. Mas o objetivo de vigiar com mais eficácia as fronteiras do território, ao menos ao sul do Xingu, poderá ser iniciado dentro de dois meses.

O arquiteto francês Olivier Raffaelli, sócio-fundador do escritório Triptyque, está à frente de um projeto arquitetônico diferente em um ambiente diferente também, ao qual pouca gente tem acesso, o Parque Indígena do Xingu. Fundado há 60 anos, ele tem mais de 2,6 milhões de hectares e em sua área vivem 16 etnias. É junto a uma delas, os yawalapiti, que será constituído um instituto criado e definido em suas linhas gerais pelos índios, seguindo tradições e seus conceitos de habitar, conviver e construir. “Eles serão os arquitetos”, diz Raffaelli.Batizado de Instituto Reserva Indígena Xingu, o projeto foi apresentado há cerca de duas semanas aos yawalapiti, em sua aldeia. Não com um esboço, mas em sua “filosofia”, conta Raffaelli. Estavam sendo dados os primeiros passos de um desejo manifestado internacionalmente dois anos atrás. O futuro instituto tem como primeira missão cuidar das fronteiras daquele território.
Olivier Raffaelli apresentou a filosofia do projeto para os yawalapiti. A sede do Instituto Reserva Indígena Xingu será construída perto de onde vive essa etnia. Crédito: Triptyque. (Crédito: cortesia de Christy Dawn)

O conceito de moradia, voltado para o viver junto e para o coletivo, é destacado pelo arquiteto. (Crédito: Triptyque)
“Como arquiteto, digo que os índios do Xingu têm casas incríveis”, afirma Raffaelli, que destaca a construção das ocas em volta de um espaço largo e aberto onde a vida acontece. Nelas, vivem as famílias, em grupos, com um funcionamento voltado para o coletivo. “Eles têm um conceito de viver junto que tem de ser realmente protegido”.Para o sócio do Triptyque, essa convivência é uma forma inteligente, sofisticada e orgânica de morar junto. “É o melhor jeito de se viver e isso me fascina totalmente”.Fascínio é uma palavra que pode ser empregada para o sentimento que Raffaelli experimentou ao visitar o Brasil pela primeira vez. Depois de se formar, ele viajou para o Rio de Janeiro e se deslumbrou. “É uma cidade moderna no meio de uma floresta”. Nascido em Paris, ele estava habituado a uma metrópole inteiramente construída. Claro, há parques lindos na capital francesa, mas para ele foi um choque encontrar a natureza envolvendo com sua força uma cidade plenamente desenvolvida.O encontro entre o mundo construído e o mundo natural é uma proposta que Raffaelli e o Triptyque buscam harmonizar em seus projetos. Um dos trabalhos do escritório no Brasil, que tem sede em São Paulo, é exemplo do que eles vão procurar desenvolver no Xingu, mas pela conceituação.EM HARMONIA COM O MUNDO NATURALEm 2008, o Triptyque apresentou o projeto Harmonia, um edifício na Vila Madalena, bairro de São Paulo, com ateliês de artistas, que foi desenhado como um organismo vivo. Suas paredes de concreto possuem poros de onde brotam diversas plantas, conferindo uma aparência verde ao prédio e transformando essa camada em uma espécie de pele do edifício, que respira.Outra característica desse projeto é que ele recupera água da chuva, que é reutilizada. Esse processo confere frescor à construção para que não seja utilizado ar-condicionado nos ateliês. “É um prédio muito vivo. Você sente o elemento natural”, explica Raffaelli.Essa arquitetura viva vem ganhando evidência no mundo. Alguns anos atrás, pensava-se no natural como algo “interessante”. Com a crise ambiental se expandindo, porém, isso virou o assunto. “Só falam disso agora”, comenta.Já houve época em que prédios de vidro eram tendência. Hoje, a madeira, a terra e a pedra estão voltando como avant-garde na arquitetura. “Virá um tempo em que vamos olhar para trás e vamos falar como pudemos construir tantos prédios de vidro”, critica.Raffaelli gosta de destacar que o Triptyque é um escritório franco-brasileiro. “Acho um belo encontro de culturas. Trabalhamos na harmonização da arquitetura com a natureza”, ressalta.Sobre o Xingu, mesmo com a marcha do mundo moderno acelerada – como testemunhou em sua visita recente ao parque –, o arquiteto aponta o que mais lhe marca a memória: a luz, a beleza e as cores. “Nenhum lugar no mundo provoca em mim a impressão que o Xingu me traz. Para defender isso, a gente tem de fazer qualquer coisa, mas com respeito aos índios e sem deixar nossos rastros”, pontua.