Seca na Amazônia atinge comunidades ribeirinhas e a fauna local

Níveis historicamente baixos de água estão afetando centenas de milhares de pessoas, e especialistas acreditam que a situação tende a piorar

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Edmar Barros 5 minutos de leitura

Comunidades que dependem das vias fluviais da floresta amazônica estão isoladas, sem acesso a combustível, alimentos ou água filtrada. Dezenas de botos morreram e milhares de peixes sem vida flutuam na superfície da água.

Estas são apenas as primeiras consequências da seca extrema que assola a Amazônia. Os níveis historicamente baixos de água afetam centenas de milhares de pessoas e a vida selvagem. A previsão é de que a seca possa durar até 2024, o que agravaria ainda mais os problemas.

Raimundo Silva do Carmo ganha a vida como pescador, mas nos últimos dias tem enfrentado dificuldade para encontrar água. Como a maioria dos moradores rurais da região, ele normalmente coleta água não tratada dos rios e córregos.

Há uma semana, ele fez sua quarta viagem do dia para encher um balde de plástico em um poço cavado no leito do lago Puraquequara, a leste de Manaus. “Usamos a água para beber, tomar banho, cozinhar”, conta.

Joaquim Mendes da Silva, carpinteiro naval de 73 anos que mora às margens do mesmo lago há 43 anos, disse que esta é a pior seca que ele já viu. As crianças da região pararam de ir à escola há um mês porque ficou impossível chegar lá de barco.

Raimundo Silva do Carmo (Crédito: Edmar Barros/ AP Photo)

Oito estados registraram os menores índices de chuva no período de julho a setembro em mais de 40 anos, de acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). A seca afetou a maioria dos principais rios da Amazônia, que concentram a 20% da água doce do planeta.

Na Reserva Extrativista Auati-Paraná, localizada a cerca de 720 quilômetros a oeste do lago Puraquequara, mais de 300 famílias ribeirinhas estão com dificuldade de obter alimentos e outros suprimentos.

Apenas pequenas canoas com carga reduzida conseguem fazer a viagem até a cidade mais próxima. O caminho por águas rasas aumentou o tempo de viagem de nove para 14 horas.

Além disso, os canais para os lagos onde pescam pirarucu, o maior peixe da Amazônia e sua principal fonte de renda, secaram. E carregar peixes que pesam até 200 quilos ao longo de trilhas seria extremamente difícil.

Casas e barcos no leito seco do lago Puraquequara (Crédito: Edmar Barros/ AP Photo)

Os períodos de seca fazem parte do padrão climático cíclico da Amazônia, com chuvas mais leves de maio a outubro na maior parte da floresta. Mas a escassez de chuvas está ainda pior este ano por dois fenômenos climáticos: o El Niño – o aquecimento natural das águas superficiais na região do Pacífico Equatorial – e o aquecimento das águas do norte do Oceano Atlântico.

O aquecimento global é o pano de fundo que intensifica esses fenômenos. O aumento das temperaturas aumenta a probabilidade de eventos climáticos extremos, embora atribuir eventos específicos às mudanças climáticas seja complexo e exija estudos aprofundados.

No entanto, à medida que as temperaturas globais sobem e os efeitos das mudanças climáticas se tornam mais graves, a seca e suas consequências devastadoras são indícios de um futuro sombrio, alertam os especialistas.

Morador cava poço para obter água no lago Puraquequara (Crédito: Edmar Barros/ AP Photo)

As secas têm se tornado mais frequentes no rio Madeira, cuja bacia se estende por cerca de 3,2 mil quilômetros, da Bolívia ao Brasil. Quatro dos cinco níveis mais baixos foram registrados nos últimos quatro anos, de acordo com Marcus Suassuna Santos, pesquisador do Serviço Geológico do Brasil.

O nível do Madeira em Porto Velho é o mais baixo desde o início das medições em 1967. Nas proximidades, a usina Santo Antônio, quarta maior hidrelétrica do país, interrompeu as operações recentemente devido à falta de água. É a primeira vez que isso acontece desde sua inauguração, em 2012.

Mais ao norte, na bacia do rio Negro, há um padrão diferente. O principal afluente da Amazônia teve sete de suas maiores enchentes nos últimos 11 anos, com a pior em 2021. No entanto, o rio também atingirá seu nível mais baixo de água este ano.

“Já estamos vivendo um cenário de clima alterado que oscila entre eventos extremos, seja de seca ou chuvas intensas. Isso tem consequências muito graves não apenas para o meio ambiente, mas também para as pessoas e para a economia”, observa Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), uma organização sem fins lucrativos.

Estação seca favorece aumento das queimadas (Crédito: Doug Morton/ NASA)

A suspeita é que o calor, associado à queda dos níveis dos rios, seja o responsável pela morte de mais de 140 botos no lago Tefé, a cerca de 480 quilômetros de Manaus, que ganhou destaque nas manchetes, junto com imagens de urubus se alimentando das carcaças encalhadas.

De acordo com Ayan Fleischmann, hidrólogo do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, o calor excessivo pode ter causado falência de órgãos.

a escassez de chuvas está pior este ano por conta do El Niño e do aquecimento das águas do norte do Oceano Atlântico.

Outra hipótese envolve bactérias, com águas anormalmente quentes atuando como um fator de estresse adicional. “É uma tragédia sem precedentes. Aqui na região, ninguém nunca tinha visto nada parecido”, relata Fleischmann. “Foi um choque para todos.”

A previsão é de que as chuvas fiquem abaixo da média até o final do ano, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O impacto da seca já se espalha além dos rios navegáveis da Amazônia e afeta a floresta.

Áreas de floresta ao longo das margens dos rios acumulam uma espessa camada de folhas mortas, o que as torna particularmente suscetíveis a incêndios. No Amazonas, foram relatados quase sete mil incêndios em setembro, a segunda maior marca para o mês desde o início do monitoramento por satélite, em 1998.

O aumento da frequência de eventos climáticos extremos aumenta a necessidade de coordenação entre os governos federal, estadual e municipal para criar um sistema de alerta para mitigar os impactos. “A partir de agora, as coisas vão piorar”, alerta Alencar.

Colaboraram os repórteres da Associated Press Fabiano Maisonnave, de Brasília, e Eléonore Hughes e Diane Jeantet, do Rio de Janeiro.


SOBRE O AUTOR

Edmar Barros é jornalista e fotógrafo e escreve para a Associated Press. saiba mais