Suspensão assinada por Trump vai levar o caos às entidades de ajuda humanitária

Ainda que a medida seja revertida, especialistas alertam que ela prejudica a imagem do país no cenário global

Crédito: Owantana/ Pixabay

Kristin Toussaint 4 minutos de leitura

A administração Trump congelou a ajuda externa, deixando organizações de ajuda humanitária em uma situação difícil, interrompendo serviços essenciais e colocando em risco o futuro do setor. Mesmo que algumas entidades encontrem maneiras de continuar suas operações, especialistas alertam que essa decisão compromete a reputação global dos Estados Unidos.

Na semana passada, a administração Trump anunciou um congelamento amplo e sem precedentes da assistência externa, interrompendo bilhões de dólares. No ano fiscal de 2022 (os números mais recentes disponíveis), os EUA prometeram US$ 70,3 bilhões para ajuda humanitária e outros esforços internacionais de “paz, segurança e desenvolvimento econômico”.

Embora o secretário de Estado, Marco Rubio, tenha concedido uma isenção para serviços essenciais, Alex de Waal, diretor executivo da World Peace Foundation, aponta que a definição do que constitui esse tipo de ajuda não está clara. Trabalhadores do setor relatam que ainda há pouca orientação sobre quais organizações se qualificam e se essa permissão anula as cartas de suspensão que receberam.

O congelamento afeta não apenas novos contratos, mas também contratos em andamento, incluindo aqueles que podem ser considerados tratados entre governos. De Waal afirma que isso configura uma violação contratual e é ilegal. Além disso, as organizações de ajuda humanitária temem não ser reembolsadas pelo trabalho já realizado.

Até que o Departamento de Estado ou a USAID forneçam mais esclarecimentos, “temos que continuar assumindo que nossas atividades devem ser suspensas”, diz um alto funcionário de uma organização que atua no Sudão, Uganda e Somália. “Isso se aplica praticamente a todas as organizações não governamentais internacionais.”

O impacto para as populações desses países já é devastador. No Sudão, essa organização mantém centros de alimentação para bebês e crianças desnutridas, que exigem cuidados 24 horas por dia. “Fechar esses centros significa que esses bebês morrerão em questão de horas”, alerta o funcionário.

Em Uganda, a organização gerencia centros de recepção e deslocamento para refugiados vindos do Congo. Na semana passada, a cidade congolesa de Goma caiu nas mãos de forças rebeldes, aumentando ainda mais a violência e a insegurança. Com o fechamento desses centros – que oferecem comida, abrigo e assistência – os refugiados ficam sem apoio.

RISCO PARA TODO O SETOR DE AJUDA HUMANITÁRIA

Algumas organizações, especialmente as que têm financiamento privado, podem conseguir continuar operando durante o congelamento. No entanto, para o funcionário que conversou com a Fast Company, o risco é muito grande para sua organização de médio porte. Continuar o trabalho poderia resultar em milhões de dólares em custos não cobertos, sem garantia de reembolso pelo governo dos EUA.

Embora ainda haja muitas incertezas, o funcionário destacou que doações para organizações de ajuda humanitária podem ser essenciais para que elas continuem a prestar seus serviços. Também defendeu pressão sobre o Congresso norte-americano para “deixar claro que isso é inaceitável, que não representa quem somos e que não queremos ver isso acontecer.”

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Além do impacto imediato e do risco para o trabalho das entidades de ajuda humanitária, o congelamento também ameaça as relações internacionais e a segurança dos EUA. Muitas administrações do país consideraram a ajuda externa uma questão de segurança nacional, diz de Waal.

Mesmo que o financiamento seja retomado, a decisão já causou um impacto significativo entre os aliados dos EUA, pois a reputação dos Estados Unidos está sendo prejudicada.

“Isso transmite de forma muito clara que os EUA não são um parceiro confiável. Não é alguém em que se pode confiar que vai cumprir sua palavra”, afirma Hilary Matfess, professora assistente da Escola de Estudos Internacionais Josef Korbel, da Universidade de Denver.

O Departamento vai decidir nos próximos meses se vai continuar, modificar ou encerrar os programas de ajuda humanitária.

Essa situação pode alimentar sentimentos antiamericanos e ter outras consequências. Sem os EUA fornecendo ajuda essencial aos povos que precisam dela, vai se criar um vácuo que outros países podem estar prontos para preencher estrategicamente.

“Se você é a Rússia ou a China agora, só precisa sentar e assistir com satisfação os EUA sacrificarem sua reputação conquistada através de seus programas de ajuda”, diz Matfess, acrescentando que, do ponto de vista estratégico, isso é como os EUA “dar um tiro no próprio pé.”

De Waal classificou o congelamento da ajuda externa como “totalmente impulsivo e imprudente”. Ele sugere que a medida só faria sentido dentro de uma reformulação completa da estratégia dos EUA.

O objetivo dessa reformulação poderia ser mudar completamente a abordagem do país à ajuda externa. Assim, o congelamento seria parte da agenda “America First” de Trump. Um memorando do Departamento de Estado indicou que Marco Rubio vai decidir nos próximos meses se vai continuar, modificar ou encerrar os programas.


SOBRE A AUTORA

Kristin Toussaint é editora assistente da editoria de Impacto da Fast Company. saiba mais