Temperatura global bate recorde histórico. E não é só pela emissão de carbono

A questão não se resume às mudanças climáticas

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Kimberley Reid 5 minutos de leitura

Nas últimas semanas, recordes climáticos foram quebrados em todo o mundo. No dia 4 de julho, a temperatura média global mais alta da história foi registrada, quebrando o recorde estabelecido no dia anterior. As temperaturas médias da superfície do mar foram as mais quentes já registradas e a extensão do gelo marinho da Antártida, a mais baixa de que se tem notícia. 

Também em 4 de julho, a Organização Meteorológica Mundial declarou que o El Niño havia começado, “preparando o cenário para um provável aumento nas temperaturas globais e perturbações nos padrões climáticos”. Mas o que está de fato acontecendo com o clima e por que estamos vendo todos esses recordes sendo quebrados um atrás do outro?

No contexto do aquecimento global, as condições do El Niño se somam a outros fenômenos em andamento, levando as temperaturas a níveis recordes. Isso está se combinando com a redução da emissão de aerossóis, que são pequenas partículas poluentes capazes de desviar a radiação solar recebida pela Terra. Esses dois fatores, provavelmente, são os culpados pelo calor recorde, tanto na atmosfera quanto nos oceanos.

(Crédito: NASA)

NÃO É SÓ A MUDANÇA CLIMÁTICA

O aquecimento extremo que estamos testemunhando se deve, em grande parte, à ocorrência do El Niño, que se soma à tendência de aquecimento causada pela emissão de gases de efeito estufa pelos seres humanos.

O El Niño é declarado quando há um aquecimento significativo na temperatura da superfície do mar em grandes partes do oceano Pacífico na zona tropical. Essas temperaturas mais quentes do que a média na superfície oceânica contribuem para temperaturas acima da média sobre a terra.

O último El Niño forte aconteceu em 2016. Mas, de lá para cá, liberamos 240 bilhões de toneladas de CO₂ na atmosfera. O El Niño não cria calor extra, mas redistribui o calor existente do oceano para a atmosfera.

Moderação da tendência na temperatura média global na superfície entre 1985 e 1922: La Niña (em azul) provoca resfriamento e El Niño (vermelho) provoca aquecimento. Erupções vulcânicas (triângulos azuis) também podem provocar resfriamento (Fonte: Dana Nuccitelli, com dados da Berkeley Earth)

Moderando a tendência da temperatura média global da superfície ao longo do tempo (1985-2022), o La Niña (azul no mapa) tem uma influência de resfriamento, enquanto o El Niño tem uma influência de aquecimento (vermelho). Erupções vulcânicas (triângulos laranja) também podem ter efeito de resfriamento.

A água cobre 70% do planeta e é capaz de armazenar grandes quantidades de calor: 90% do excesso de calor do aquecimento global foi absorvido pelo oceano.

No dia 4 de julho, a temperatura média global mais alta da história foi registrada, quebrando o recorde estabelecido no dia anterior.

As correntes oceânicas circulam o calor entre a superfície da Terra, onde vivemos, e o oceano profundo. Durante um El Niño, os ventos alísios se enfraquecem sobre o Oceano Pacífico e a ressurgência de água fria ao longo da costa do Pacífico na América do Sul é reduzida. Isso leva ao aquecimento das camadas superiores do oceano.

Temperaturas oceânicas mais altas do que o normal ao longo da linha do equador foram registradas nos primeiros 400 metros de profundidade do Pacífico ao longo de junho de 2023. Como a água fria é mais densa que a água quente, essa camada de água quente impede que as águas mais frias cheguem à superfície.

As águas quentes do oceano sobre o Pacífico também levam ao aumento das tempestades, que liberam ainda mais calor na atmosfera por meio de um processo chamado “aquecimento latente”.

Da superfície até os 400 metros de profundidade, as águas do oceano Pacífico, ao longo da linha do equador, estão aquecendo (Fonte: Bureau de Meteorologia da Austrália)

Isso significa que o acúmulo de calor do aquecimento global que estava “escondido” no oceano durante os últimos anos de La Niña está agora subindo à superfície e deixando um rastro de temperaturas recordes.

DIMINUIÇÃO DE AEROSSÓIS NO ATLÂNTICO

Outro fator que provavelmente contribui para o calor incomum é a redução dos aerossóis. Essas pequenas partículas têm a propriedade de desviar a radiação solar recebida.

O bombeamento de aerossóis para a estratosfera é um dos métodos de geoengenharia que tem potencial de diminuir os impactos do aquecimento global. Mas é evidente que parar as emissões de gases de efeito estufa seria uma solução muito melhor.

o acúmulo de calor que estava “escondido” no oceano durante os últimos anos de La Niña está agora subindo à superfície.

Acontece que a ausência de aerossóis também pode aumentar as temperaturas. Um estudo de 2008 concluiu que 35% das mudanças anuais na temperatura da superfície do mar no Atlântico durante o verão do hemisfério Norte podem ser explicadas por mudanças na poeira do Saara. Os níveis de poeira do Saara sobre o oceano Atlântico têm estado extraordinariamente baixos ultimamente.

Em um relatório semelhante, novos regulamentos internacionais de partículas de enxofre em combustíveis de transporte marítimo foram introduzidos em 2020, levando a uma redução global nas emissões de dióxido de enxofre (e aerossóis) sobre o oceano.

É importante ressaltar que os benefícios a longo prazo da redução das emissões pelos navios superam em muito esse efeito de aquecimento relativamente pequeno. De todo modo, essa combinação de fatores é o motivo pelo qual os registros globais de temperatura média da superfície estão subindo.

CHEGAMOS A UM PONTO SEM VOLTA?

Em maio, a Organização Meteorológica Mundial declarou que a chance de as temperaturas médias globais excederem temporariamente 1,5℃ acima dos níveis pré-industriais nos próximos cinco anos é de 66%. Esta previsão desconsiderava o efeito do El Niño. A probabilidade é provavelmente maior agora, desde que o fenômeno se desenvolveu.

Esse aumento temporário que extrapola 1,5℃ em relação ao período pré-industrial nos dará uma dolorosa prévia de como será nosso planeta nas próximas décadas. Portanto, ainda não chegamos a um estágio sem volta.

Mas a janela temporal para evitar uma mudança climática perigosa está diminuindo rapidamente. A única maneira de evitá-la é cortar nossa dependência de combustíveis fósseis.

Este artigo foi publicado originalmente no The Conversation e reproduzido sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Kimberley Reid é pesquisadora de pós-doutorado em ciências atmosféricas na Monash University. saiba mais