Terceiro setor continua a investir em soluções antigas em plena era da IA

O setor de impacto social precisa de uma ruptura – e rápido. Apesar dos discursos sobre futuro e inovação, muitos financiadores continuam apostando em soluções ultrapassadas, enquanto o mundo avança em direção a uma nova era impulsionada por inteligência artificial.
A crítica vem de Jakub Dziuda, fundador da organização Tech To The Rescue, um dos ecossistemas de tecnologia para o bem mais acelerados do mundo, após participar do AI for Good Global Summit, no início de julho, em Genebra, onde coorganizou o primeiro Impact Awards, junto com a Organização das Nações Unidas (ONU).
“A inteligência artificial não é uma atualização de planilha. É uma mudança de paradigma”, alerta Dziuda. Após revisar centenas de projetos inscritos, ele afirma que a maior parte do setor ainda trata a IA como uma ferramenta secundária, e não como o centro de uma transformação estrutural.
Com os recursos cada vez mais escassos, muitas fundações e financiadores públicos seguem investindo em treinamentos e pilotos seguros. Poucos estão dispostos a bancar mudanças profundas para construir organizações nativas digitais e centradas em IA. Na prática, a maioria apenas “gruda” soluções de IA em modelos obsoletos, numa tentativa rasa de modernização.
O resultado é ineficiente e perigoso: comunidades reais perdem tempo – e tempo, nesse caso, significa vidas, oportunidades e bem-estar.
Segundo Dziuda, há um conformismo estrutural. “Recompensamos propostas seguras. Valorizamos o incremental e evitamos a complexidade. Depois, fingimos surpresa quando nada realmente muda.”
EXEMPLOS QUE APONTAM O CAMINHO
Mas nem tudo está perdido. No próprio Impact Awards, alguns dos projetos vencedores mostram o potencial de uma abordagem verdadeiramente disruptiva e colaborativa:
- CareNX Innovations desenvolveu um sistema de monitoramento fetal com IA para clínicas rurais sem especialistas, reduzindo mortes evitáveis de bebês com tecnologia acessível.
- SmartCatch, da WorldFish, usa visão computacional e reconhecimento de espécies em dispositivos para ajudar pescadores artesanais a preservar a biodiversidade e garantir sustentabilidade.
- Farmer.Chat, da Digital Green, fornece orientações agrícolas localizadas por voz, adaptadas a contextos com baixa alfabetização e conectividade.
- Sophia, da Spring ACT, é um chatbot de apoio multilíngue e anônimo a vítimas de violência doméstica – um exemplo de como ética e tecnologia podem caminhar juntas.
Esses não são protótipos decorativos. São soluções reais, funcionando hoje, em escala e com impacto direto.
FINANCIE OS CORAJOSOS, NÃO OS CONFORMISTAS
A mensagem para quem financia é clara: parem de investir em maquiagem digital. É hora de apoiar quem quer reconstruir, não apenas reformar. Isso significa bancar organizações dispostas a repensar seus serviços, suas métricas e até a forma como operam – inclusive fundindo-se ou abandonando modelos antigos, se necessário.
Até 2030, o setor de impacto social será irreconhecível. Muitas organizações vão desaparecer. As que sobreviverem terão se tornado nativas em IA, hipercolaborativas e orientadas por resultados, não por atividades. “Se você quer financiar algo que ainda fará sentido em 2030, comece agora”, finaliza Dziuda. “O tempo dos discursos acabou. É hora de agir.”