Torneiras secas: escassez de água é maior alerta sobre crise climática

Se as empresas pensam que esse é um problema dos governos, é bom ficarem atentas: a falta d’água afeta todo tipo de negócio

Crédito: Freepik

Prakash Govindan e Anurag Bajpayee 4 minutos de leitura

As mudanças climáticas têm muitos sinais – elevação do nível do mar, geleiras derretendo, tempestades mais intensas. Mas, para a maioria das pessoas no planeta, o primeiro e mais imediato indício é a água. Não apenas a falta dela, nem o excesso, mas os dois, ao mesmo tempo.

A escassez de água é um dos principais indicadores das mudanças no clima. A água deixou de ser apenas um tema de gestão de recursos. Não é uma preocupação “para a próxima década”. É uma emergência climática em tempo real, com impactos em todas as esferas da vida, da economia à geopolítica.

Regiões já fortemente afetadas pela escassez sentem os efeitos de forma tangível: a qualidade e a confiabilidade do abastecimento caem, e a pressão sobre indústrias e comunidades cresce rapidamente.

Há pelos menos três motivos pelos quais a escassez de água é o sinal mais visível (e negligenciado) das mudanças climáticas:

1. A água some primeiro

Antes que uma fábrica seja inundada ou uma floresta pegue fogo, é a água que desaparece. A crise climática altera padrões de chuva, intensifica secas e compromete a recarga dos aquíferos. Rios encolhem, reservatórios secam, fontes subterrâneas se esgotam.

Imagem aérea de incêndio no Pantanal (Crédito: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

Chennai, na Índia, viu suas torneiras secarem em 2019. Na Califórnia, calor extremo e seca devastaram plantações e forçaram restrições ao uso de águas subterrâneas. No Oriente Médio, a falta de água já transforma políticas alimentares e diplomacia regional.

2. A água conecta todos os setores

Mais do que um custo operacional, a água é insumo estratégico para energia, alimentos, indústria e tecnologia. Sem ela, não se fabricam chips, não se produzem vacinas, não se extrai petróleo nem se cultiva trigo.

plantação coberta com lonas plásticas/ microplásticos no solo
Crédito: Cristina Aldehuela/ FAO

A escassez hídrica força paralisações, eleva custos, derruba produtividade e gera riscos reputacionais. Torna-se, portanto, não só uma questão ambiental, mas um risco econômico e corporativo central.

3. O problema é local, mas os impactos são globais

Ao contrário dos gases de efeito estufa, cujos efeitos são planetários, a escassez de água é profundamente local. Depende de clima, infraestrutura e densidade populacional.

Mas seus reflexos ultrapassam fronteiras: a falta de água em Taiwan pode afetar a produção de chips em Detroit. Uma seca no Brasil impacta os preços globais de alimentos. A escassez no Golfo pode redefinir estratégias energéticas.

bancos de areia em leito de rio durante seca na Amazônia
Seca na Amazônia (Crédito: Reprodução/ YouTube)

A crise hídrica torna a mudança climática concreta – não um conceito abstrato, mas uma realidade tangível para governos, empresas e cidadãos. A quantidade total de água no planeta é constante, mas menos de 1% é acessível e utilizável. Mesmo assim, desperdiçamos, poluímos e falhamos em reaproveitá-la em escala.

As mudanças climáticas agravam essa fragilidade, tornando a disponibilidade de água mais instável e imprevisível. Mais enchentes, secas prolongadas, fontes contaminadas. A solução não está em encontrar “nova” água, mas em usar melhor a que já temos.

A ESCASSEZ DE ÁGUA CHEGOU À SALA DO CONSELHO

Antes, a água era um problema de bastidores, tratado por equipes operacionais. Hoje, é pauta estratégica de alto nível. Qualquer empresa que dependa de água – ou seja, praticamente todas – precisa de um plano para:

  • Garantir abastecimento em cenários climáticos extremos
  • Reduzir a dependência de água potável
  • Minimizar passivos relacionados ao esgoto
  • Cumprir padrões ESG e de transparência

Tecnologias já existem: dessalinização eficiente, sistemas de zero descarte líquido, IA para otimizar o uso em tempo real. O que falta é investimento, alinhamento de políticas e senso de urgência.

Governos devem incentivar o reuso, não apenas a economia. A indústria deve tratar a água como ativo estratégico. E a colaboração entre setores precisa acelerar a implementação das soluções.

menos de 1% de toda a água do planeta é acessível e utilizável.

Resolver a crise da água é possível e rentável. O risco pode ser reduzido ao mesmo tempo em que se impulsiona o crescimento. Regulamentações podem se tornar vantagem competitiva – sustentabilidade e desempenho não são opostos, mas forças complementares.

A água não tem voz, mas diz muito: mostra onde os sistemas estão falhando, quais comunidades estão vulneráveis e se estamos preparados para o futuro. A hora de agir é agora, antes que a escassez de água vire seca e o alerta se transforme em tragédia.

A água não é apenas parte da questão: ela é a questão.


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