Apertem os cintos: turbulência em voos deve aumentar daqui por diante
Nova pesquisa aponta que as mudanças climáticas podem quadruplicar a ocorrência de turbulência em rotas aéreas movimentadas nas próximas décadas

Se você costuma viajar de avião, é bom se preparar: os voos podem ficar bem mais turbulentos. É o que aponta um novo estudo sobre os efeitos das mudanças climáticas na aviação.
Paul Williams, professor de ciência atmosférica da Universidade de Reading, no Reino Unido, estuda o tema há mais de 10 anos. Durante sua apresentação na conferência da União Europeia de Geociências, ele revelou que o aquecimento global pode estar por trás do aumento de um fenômeno chamado “turbulência de céu claro” – um tipo de turbulência em voos que não pode ser prevista nem identificada pelos instrumentos de bordo.
De acordo com os dados de Williams, esse tipo de turbulência severa aumentou 55% desde os anos 1970, e a tendência é de crescimento. Em entrevista ao “Inside Climate News”, o pesquisador afirmou que, nas próximas décadas, a ocorrência de turbulência em voos poderá quadruplicar em algumas rotas aéreas mais movimentadas, representando riscos significativos para a aviação.
O QUE É A TURBULÊNCIA DE CÉU CLARO?
Em termos simples, é um tipo de turbulência que não é causada por nuvens ou tempestades – ou seja, pode surgir sem aviso para pilotos e passageiros.
Enquanto as turbulências mais comuns estão relacionadas a condições meteorológicas visíveis, as de céu claro geralmente são provocadas por correntes de jato – fluxos intensos de vento a cerca de 10 a 13 quilômetros de altitude, compostos por várias camadas de ar se movendo a diferentes velocidades.
Essas correntes se formam quando o ar quente encontra ar frio, criando um fluxo de vento que se desloca rapidamente de oeste para leste. Como o aquecimento da Terra é desigual – mais intenso nos trópicos do que nos polos – o ar quente sobe e o ar frio entra no lugar, criando as chamadas correntes de jato. A intensidade dessas correntes varia ao longo do ano, conforme as temperaturas das massas de ar mudam.
Em entrevista à “CBS News”, o piloto e consultor de segurança aérea Daniel Adjekum explicou que as diferenças de velocidade entre as massas de ar criam atrito e, com ele, turbulência em voos. O problema é que, por não estar associada à umidade, essa turbulência não aparece nos radares nem nos instrumentos da cabine.
Segundo Hassan Shahidi, presidente da Flight Safety Foundation, esse tipo de turbulência costuma ser “muito violento”. Especialistas acreditam que foi isso o que aconteceu com o voo da Singapore Airlines no ano passado, quando o avião perdeu milhares de pés de altitude em poucos minutos.
O incidente causou a morte de um passageiro e deixou mais de 70 feridos. Nos últimos meses, voos da United Airlines também registraram episódios de turbulência severa com passageiros feridos.
TURBULÊNCIA EM VOOS E AQUECIMENTO GLOBAL
Williams já havia publicado um estudo em 2023 mostrando que a turbulência de céu claro está se tornando mais comum. Agora, ele aponta que o aquecimento global é responsável por esse aumento.
O principal fator é o chamado cisalhamento vertical do vento – que acontece quando duas camadas de ar, próximas entre si, se movem em velocidades diferentes dentro de uma corrente de jato. Quanto maior essa diferença, mais instável fica a atmosfera, criando padrões irregulares de fluxo de ar que resultam em turbulência em voos.
Estudos recentes mostram que as mudanças climáticas estão alterando as correntes de jato e, com isso, intensificando o cisalhamento vertical. O aquecimento nas regiões polares, por exemplo, tem distorcido essas correntes, criando áreas instáveis com alto risco de turbulência – especialmente nas rotas transatlânticas.

Com base em suas análises, Williams afirma que o cisalhamento vertical já aumentou cerca de 15% nos últimos 40 anos. Se o ritmo atual de aquecimento continuar, seus modelos indicam um aumento adicional de 29% até o fim do século.
“Isso significa que vamos ver muito mais turbulências em voos, e em um futuro não tão distante”, alertou o pesquisador durante sua apresentação.
Voar ainda é considerado uma das formas mais seguras de viajar. No entanto, quando ocorrem incidentes, eles quase sempre estão ligados a turbulências. Segundo o Conselho Nacional de Segurança em Transportes dos EUA, essa foi a causa de um terço dos incidentes aéreos registrados entre 2009 e 2018 – muitos com ferimentos graves, embora sem danos às aeronaves.
Agora, com os céus se tornando cada vez mais instáveis, as autoridades da aviação civil talvez precisem atualizar suas estratégias de monitoramento e segurança.