Além da China, quem mais pode salvar o Brasil do tarifaço?

Taxação de 50% imposta pelos EUA traz o desafio para exportadores procurarem por compradores em novos mercados em busca de diversificação

As alternativas do Brasil, além da China, para escapar do tarifaço de Trump
urzine via Getty Images

Márcia Rodrigues 5 minutos de leitura

Com o tarifaço dos Estados Unidos sobre uma série de produtos, entre eles os agrícolas, o Brasil se vê diante da urgência de diversificar seus parceiros comerciais e reduzir a dependência do mercado americano. Nesse cenário, além da China, que segue como grande compradora de commodities como soja, celulose e carnes, países da União Europeia, Ásia e Oriente Médio ganham força como alternativas reais para o escoamento da produção nacional.

Mas quais mercados têm mais capacidade de absorver essa produção? Quais são os principais entraves — logísticos, sanitários e comerciais — para que essa diversificação aconteça de fato? E qual o papel do governo, dos produtores e das entidades nesse processo?


ÁSIA, ORIENTE MÉDIO E EUROPA NO RADAR

Como lembra Andreia Adami, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da USP (Universidade de São Paulo), o Brasil já exporta majoritariamente para três grandes blocos: China, Europa e EUA.

"Se você fechar a porta para um deles, os outros dois ganham uma presença muito maior na comercialização. E, neste contexto, a União Europeia ganha ainda mais relevância por também estar enfrentando dificuldades com os EUA", aponta Andreia.

A pesquisadora destaca que países do Sudeste Asiático e da Arábia Saudita, Coreia do Sul, Argélia e Chile já demonstram apetite por produtos como carnes — principalmente bovina e de frango. Esse movimento pode ser ampliado para a exportação de mais produtos.

Vale destacar que de janeiro a junho, as exportações da carne bovina brasileira cresceram 13% na comparação com igual período no ano passado. Os preços da proteína animal registraram alta de 12% no primeiro semestre desse ano contra o do ano passado, segundo a pesquisadora. A China ficou com 50% desse total, mas os EUA também ampliaram sua fatia, saltando de 5% a 7% para 12%.

Ásia, Oriente Médio e Europa podem suprir as demandas que deixarem de ser atendidas pelos EUA”, afirma Andreia.

UNIÃO EUROPEIA E JAPÃO: ALTA EXIGÊNCIA

De acordo com Gustavo Assis, CEO da Asset Bank, o cenário de tarifas reforça a necessidade de o Brasil explorar mercados alternativos, com destaque para União Europeia, Índia e Japão. No entanto, ele ressalta que o sucesso nessas regiões passa por acordos comerciais sólidos e por adaptações do lado da produção.

"É essencial capacitar os produtores para atender às exigências desses mercados, principalmente no que diz respeito à qualidade e às normas sanitárias"

Gustavo Assis, CEO da Asset Bank

"É essencial capacitar os produtores para atender às exigências desses mercados, principalmente no que diz respeito à qualidade e às normas sanitárias", afirma. Assis também destaca que o governo precisa ter um papel ativo — tanto na negociação de acordos quanto no financiamento com condições acessíveis, que ajudem os produtores a se adaptarem com menor impacto financeiro.

Nesse ponto, Pedro da Matta, CEO da Audax Capital, concorda: “Para ampliar as exportações, é necessário estabelecer uma base de negociações multilaterais e aprofundar os acordos bilaterais. E o governo deve criar políticas de incentivo fiscal e linhas de crédito acessíveis para garantir competitividade às indústrias nacionais”, explica.

PRODUTORES E ENTIDADES DEVEM PARTICIPAR DAS NEGOCIAÇÕES

A abertura de novos mercados não depende só da diplomacia. Exige também movimentos internos de modernização, adaptação sanitária e investimento em logística, como alertam os especialistas.

“O governo deve ter um papel ativo, não só nas negociações comerciais, mas também no financiamento com condições acessíveis, o que permitirá uma transição mais suave para os novos mercados. Porém, as entidades também devem participar das ações”, diz CEO da Asset Bank.

“No caso da UE e da Ásia, ajustes em termos de qualidade e regulamentações sanitárias serão necessários, além de maior investimento em infraestrutura logística"

Pedro da Matta, CEO da Audax Capital

Matta destaca que cabe às entidades do setor e aos produtores investirem na adequação da produção aos padrões internacionais, especialmente nos mercados mais exigentes, como o europeu e o asiático. “No caso da UE e da Ásia, ajustes em termos de qualidade e regulamentações sanitárias serão necessários, além de maior investimento em infraestrutura logística”, afirma.

Assis acrescenta que as entidades precisam se adaptar rapidamente às novas demandas logísticas e garantir que a produção brasileira continue sendo competitiva, evitando uma dependência excessiva dos EUA.

EXPORTAR PARA A UE GARANTE AVAL

“A União Europeia impõe normas e regulamentos rigorosos, mas se você exporta para o bloco, consegue exportar para qualquer país. Acaba sendo um carimbo de qualidade"

Andreia Adami, pesquisadora do Cepea

Exportar para mercados como o europeu é, na visão de Andreia, uma oportunidade com peso estratégico. “A União Europeia impõe normas e regulamentos rigorosos, mas se você exporta para o bloco, consegue exportar para qualquer país. Acaba sendo um carimbo de qualidade”, diz.

No entanto, a pesquisadora destaca que essa rota exige diferenciação dos produtos e, claro, respeito aos hábitos de consumo locais. “O café brasileiro é de altíssima qualidade. O americano vai continuar comprando, mesmo que o preço suba de US$ 5 para US$ 7 porque é um país rico. Na China, porém, a população consome mais chá do que café. São mercados distintos que precisam ser analisados, afirma.

ACORDOS INTERNACIONAIS E PROTAGONISMO DO BRASIL

Os especialistas são unânimes em afirmar que o governo precisa liderar a construção de pontes comerciais, com foco em acordos multilaterais e bilaterais. A assinatura de um acordo de livre comércio com a União Europeia é considerada “de suma importância”, segundo Andreia.

Matta acrescenta que “é preciso aprofundar as bases de negociação para reduzir barreiras comerciais e criar políticas que incentivem a exportação com menos custos para os produtores”. Já Assis sugere que, além das políticas públicas, o setor privado também se beneficie de soluções financeiras mais flexíveis, que sustentem o crescimento com menos impacto nas operações do dia a dia.


SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais