Você cai na armadilha do orçamento mental? Entenda o hábito que faz o dinheiro sumir sem perceber

O orçamento mental dá a impressão de controle, mas pode ser a causa dos gastos invisíveis que comprometem o planejamento financeiro

Você tem caído na armadilha do orçamento mental? Entenda o hábito que faz o dinheiro sumir sem perceber
canbedone via Getty Images, Freepik

Márcia Rodrigues 5 minutos de leitura

Você já teve a sensação de que compra somente o básico no supermercado, mas, na hora de passar no caixa, o valor ultrapassou — e muito — o que imaginou? Ou que, mesmo com o planejamento do orçamento do mês, o dinheiro simplesmente desaparece e você acaba no vermelho?

Se a resposta for sim, talvez esteja caindo na armadilha do orçamento mental — um hábito que dá a falsa impressão de controle, mas que, na prática, faz o dinheiro escorrer pelos dedos.

O QUE É O ORÇAMENTO MENTAL

O chamado orçamento mental é uma forma intuitiva e informal de controlar as finanças. Em vez de anotar ou planejar todos os gastos do mês, de forma estruturada em uma planilha – em papel, computador ou app –, a pessoa faz cálculos de cabeça, acreditando ter domínio sobre seus gastos.

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“Essa percepção equivocada de organização acaba gerando ainda mais problemas”, explica a educadora financeira Teresa Tayra.

Segundo a especialista, muitas pessoas recorrem a esse método por falta de educação financeira, o que cria uma falsa sensação de que está tudo sob controle.

O planejador financeiro Carlos Castro, CFP pela Planejar, complementa: “Vivemos a invisibilidade do dinheiro, causada pela digitalização das transações. O PIX, o cartão de crédito e as fintechs facilitaram o acesso ao sistema financeiro, mas também criaram armadilhas. Mesmo quem é organizado financeiramente pode perder o controle por achar que ‘a conta está batendo’, quando, na verdade, não está”, conta ele.

POR QUE É TÃO FÁCIL CAIRMOS NESSA ARMADILHA?

Castro diz que nosso cérebro não foi programado para lidar racionalmente com o dinheiro. “A tomada de decisão financeira é emocional. Vivemos uma verdadeira epidemia digital, em que a facilidade de gastar e o acesso ao crédito alimentam o descontrole”, afirma.

Teresa acrescenta que há também uma explicação comportamental: “o cérebro busca economizar energia. Para isso, simplifica decisões e entra no piloto automático. Assim, ele cria atalhos mentais que nos fazem acreditar que está tudo dentro do orçamento”.

A educadora financeira cita exemplos comuns no nosso dia a dia: ao ir ao mercado, o consumidor compara o preço de cada item isoladamente, sem considerar o total da compra. O mesmo vale para o parcelamento. Segundo Teresa, a mente analisa apenas o valor da parcela, não o custo final. “Isso traz uma satisfação momentânea, mas mascara o impacto real da dívida futura.”

O comportamento descrito por Teresa se soma ao alerta de Castro sobre os efeitos emocionais do consumo digital. Vão desde as compras de supermercado aos gastos do delivery:

  • No supermercado: chegar ao caixa com as compras e levar um susto com o valor total, percebendo que os cálculos feitos mentalmente estavam errados;
  • Compras com cartão: ao fazer compras no cartão de crédito, você adia a dor do pagamento, segundo a especialista. “O prazer de adquirir algo vem antes e o desconforto do pagamento é postergado, criando uma falsa sensação de controle.”; e
  • Parcelamentos: podem atrapalhar, e muito, o orçamento mensal. Imagina receber a fatura do cartão e perceber que está pagando parcelas de algo que já nem lembrava. “Muitas vezes, seria possível esperar um pouco e pagar à vista, mas a sensação imediata de ‘fiz um bom negócio, já que não havia desconto à vista’, prevalece, ignorando o impacto futuro.”

Castro define o fenômeno como uma “inflação emocional”: quando o descontrole vem mais das emoções do que dos preços em si.

SINAIS DE QUE O ORÇAMENTO MENTAL ESTÁ TE SABOTANDO

Os sinais de alerta geralmente aparecem quando o estrago já está feito, segundo Teresa: as contas que não fecham, dívidas acumuladas, metas financeiras que nunca saem do papel. “O que parecia um plano bem estruturado, na prática, não passou de um desejo que não se concretizou”, diz.

Para Castro, o problema vai além do bolso. “Estamos vivendo um burnout financeiro. A ansiedade leva ao consumo por impulso, que alimenta ainda mais a ansiedade. É um ciclo que mistura saúde mental e financeira”, avalia Castro.

COMO ESCAPAR DA ARMADILHA E RECUPERAR O CONTROLE


Para evitar o orçamento mental, é preciso transformar a relação com o dinheiro. Teresa recomenda dedicar um tempo para estruturar o orçamento de forma prática e realista.

“Inclua no planejamento mecanismos para alcançar objetivos importantes, como poupança e metas financeiras, tratando-os como uma obrigação fixa. Isso ajuda o cérebro a entender que poupar é tão importante quanto pagar um boleto”, orienta Tayra.

A especialista também aconselha criar barreiras contra o consumo impulsivo, como pagar compras fora do planejamento com dinheiro físico. “Isso aumenta a percepção sobre o gasto e reduz a chance de ceder à tentação”, frisa Teresa.

Castro destaca que é preciso garantir que a renda cubra as necessidades essenciais antes de pensar em gastos sociais ou de autorrealização.

“Se a renda é totalmente tomada por despesas básicas, é hora de repensar o estilo de vida ou buscar formas de aumentar a renda”, explica ele.

Castro propõe uma abordagem em três blocos, inspirada na pirâmide de necessidades humanas:

  1. Essenciais: moradia, alimentação, habitação, saúde e vestuário;

  2. Sociais: lazer e interação; e

  3. Autorrealização: projetos e metas de longo prazo, como viagem, a separação do dinheiro que vai, por exemplo, para financiar um imóvel.

Mas antes mesmo da reserva de emergência, é preciso construir uma reserva de paciência, como define Castro. “Perguntar-se se aquela compra é um desejo ou uma necessidade, e aplicar pequenas regras, como esperar 24 horas antes de comprar algo, ajudam a racionalizar as decisões”, orienta.

APLICATIVOS E PLANILHAS: ALIADOS OU VILÕES?

Ferramentas digitais podem ser grandes aliadas ou apenas reforçar a falsa sensação de controle. “Planilhas e apps ajudam se forem usados de forma eficaz. Se a pessoa anota apenas os gastos fixos e ignora as variáveis, o problema continua. O segredo é transformar a planilha em um instrumento de decisão, não só de registro”, orienta Teresa.

Castro reforça que é essencial registrar também o motivo emocional de cada gasto. “Se anotei uma compra no supermercado, preciso entender o que me levou a fazê-la. Foi necessidade, impulso, ansiedade? Esse autoconhecimento é o primeiro passo para retomar o controle financeiro”, afirma Castro.

O PRIMEIRO PASSO É COMEÇAR

Não dá para confiar apenas na memória ou em “contas de cabeça”, quando o assunto é dinheiro. “Não espere as dívidas acumularem ou a sensação de frustração para agir”, alerta Teresa.

A dica de Castro é: racionalizar as emoções é o caminho para retomar o controle financeiro. “Ao entender o que motiva cada gasto e planejar de acordo com a realidade, é possível transformar o orçamento mental em um verdadeiro planejamento, e enfim fazer o dinheiro trabalhar a seu favor.


SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais