Cascas de ostras dão apelo sustentável à marca de luxo para bebês

A história da empresa britânica que olhou para o novo comportamento dos pais e apostou na economia circular; no Brasil, ações avançam na indústria, mas são tímidas nas PMEs

Britax
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Elizabeth Segran 7 minutos de leitura

Houve um tempo em que a cadeirinha de carro era simplesmente uma ferramenta para transportar seu filho do ponto A ao ponto B. Mas hoje em dia, com uma onda de novas marcas de produtos de ponta para bebês no mercado, o acessório também é uma maneira dos pais transmitirem seus gostos e valores.

Pelo menos é a aposta da Britax. A marca britânica, lançada em 1938, foi uma das pioneiras em equipamentos de segurança infantil antes que se tornassem populares. Hoje é uma das principais marcas de equipamentos para bebês no mercado, gerando US$ 750 milhões em receita anual. No último versão europeu, a empresa lançou discretamente uma marca mais luxuosa chamada Romer, que vende cadeirinhas de carro por US$ 500 e carrinhos de bebê igualmente agradáveis ​​aos pais em tons suaves por US$ 750, o que é pelo menos 20% a mais do que sua linha Britax.

Mas o foco da Romer na sustentabilidade é o que realmente a diferencia, graças em parte ao uso de tecidos sustentáveis ​​e reciclados de alta qualidade. “Como há padrões muito altos de segurança infantil para todos os produtos infantis no mercado, não podemos nos destacar quando se trata de segurança”, diz Laura Gamble, diretora global de Design de Produtos Macios da Britax. “Mas descobrimos que os pais se importam com o impacto ambiental dos produtos que trazem para suas vidas. Essa é a nossa vantagem competitiva.”


RUMO AO LUXO
O segmento de assentos e carrinhos de bebê de luxo está mais disputado do que nunca. No ano passado, a marca de ponta Bugaboo expandiu sua linha de produtos com um carrinho conversível dois em um que começa em US$ 1.200. A marca também lançou uma coleção limitada com a marca de streetwear KITH, em outubro de 2023, com um carrinho que começa em US$ 650.

Enquanto isso, a marca premium Babyark foi lançada no início de 2023 com assentos de carro que começam em US$ 790 e combinam foco em segurança com “estética Ferrari”, como o repórter da Fast Company Nate Berg descreveu na época. Isso foi apenas no ano passado. Acontece que nossos pais estão dispostos a pagar mais por produtos premium para bebês cuidadosamente projetados.

SOLUÇÃO DA ROMER DAS RUAS DE TAIWAN
Produzir um produto sustentável para bebês que também atenda a altos padrões de segurança e design não é uma tarefa fácil. Os materiais em produtos para bebês precisam ser duráveis, laváveis ​​e retardantes de chamas. Mas a diretora global de Design de Produtos Macios da Britax chegou a um novo tecido que atende a todas essas necessidades. Ele se chama Seawool e é feito de poliéster reciclado de garrafas de água, misturado com conchas de ostras descartadas.

A executiva da Britax descobriu as qualidades únicas das conchas de ostras quando morava em Taiwan, onde as ostras são uma grande parte da dieta das pessoas. Em barracas de rua pela cidade, os vendedores vendem panquecas de ostras com um exterior crocante e um centro mastigável feito de ostras, ovos e vegetais. "Quando você anda pelas ruas, vê enormes pilhas de conchas de ostras empilhadas", diz ela.

Taiwan também tem uma forte cultura de reciclagem. As pessoas coletam e separam materiais como plástico e papelão, que passam por fluxos de reciclagem separados. Mas por muito tempo, as pessoas não sabiam o que fazer com essas conchas de ostra. Então, duas empresas de tecnologia, Creative Tech Textile e Hans Global, descobriram que seria possível moer as conchas de ostra até se chegar a um pó, criando um novo ingrediente que poderia ser incorporado em tecidos.

PROPRIEDADES SURPREENDENTES
As conchas de ostra são feitas de vários minerais, incluindo carbonato de cálcio, ferro e manganês. Quando incorporadas ao poliéster, elas dão ao tecido uma textura muito macia que parece. Mas as conchas de ostra também têm outras propriedades que são úteis em um assento de carro ou carrinho de bebê, incluindo absorção de umidade e controle de odores.

Aleem disso, as conchas também são naturalmente retardantes de chamas, o que é essencial. "A indústria está se afastando do uso de produtos químicos para tornar os tecidos retardantes de chamas", diz Gamble. "Mas materiais orgânicos, como essas conchas de ostra moídas, tendem a ser naturalmente retardantes de chamas."

Para a diretora da Britax, a Seawool era a solução ideal. Isso levou a um tecido mais macio e luxuoso para o consumidor, mas também removeu resíduos do meio ambiente e os transformou em algo útil. Somente em 2023, a Seawool reutilizou 100 toneladas de conchas de ostras descartadas e 300 toneladas de resíduos plásticos. E graças a grandes clientes como Romer, essas quantidades só vão aumentar.

“Para nós que trabalhamos com design, vale a pena vasculhar o mercado em busca de materiais melhores”, diz Gamble. “Agora existem materiais ecológicos de alta qualidade, mas que também têm outras características valiosas.”

ECONOMIA CIRCULAR NO BRASIL

Divulgada em outubro, pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Centro de Pesquisa em Economia Circular da Universidade de São Paulo, produzida neste ano junto à base industrial, mostrou que 85% das indústrias no Brasil desenvolvem pelo menos uma prática de economia circular. O conceito trata do sistema no qual o modo de produção é estruturado para permitir um fluxo circular dos recursos. Com o aproveitamento ou reaproveitamento de materiais, há uma geração menor de resíduos. 

Ainda segundo a pesquisa da CNI, que entrevistou 253 indústrias de maio a julho, 68% dos empresários que implementaram economia circular afirmaram que as medidas contribuem para a redução de gases de efeito estufa (GEE), ou seja, influenciam positivamente no combate às mudanças climáticas.

Confira os principais pontos da pesquisa:

  • 76,4% das empresas adotam alguma prática de economia circular
  • 7 em cada 10 indústrias que dizem adotar a economia circular acreditam que as práticas contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
  • 35% monitoram o desempenho das práticas de economia circular.
  • 5 em cada 10 indústrias consideram que a falta de conhecimento sobre o tema e/ou sua relevância para a indústria é um dos principais desafios.
  • 4 em cada 10 indústrias consideram que a escassez de recursos financeiros para implementar práticas é um dos principais desafios.
    Fonte: CNI

Já a ‘Pesquisa de Engajamento dos Pequenos Negócios Brasileiros às Práticas de Economia Circular’ mostra que nesse universo o tema encontra uma aderência muito menor. O tema é desconhecido por 83,49% dos pequenos empresários. Do total, 30,72% dos empreendedores dizem não ver o tema como relevante.

O setor do agro aparece como o mais engajado na promoção de campanhas de conscientização e capacitação profissional para os interessados em economia circular - uma taxa de 34,30%. Na indústria, 29,82% das empresas contribuem para a inclusão de grupos sociais em sua cadeia de valor, como catadores, cooperativas e recicladoras, mostra a pesquisa do Sebrae.

CASCAS DE MARISCO NO BRASIL

O movimento feito pela britânica Britax mostra como é possível identificar os sinais de mudança de hábito do consumidor e transformá-los em oportunidade de negócio, inclusive com a entrada em um novo segmento.

Assim como a Britax, o Grupo Portobello viu nas cascas de marisco, mais especificamente do sururu, a possibilidade de desenvolver um material usado na produção de revestimentos. O Projeto Sururu trabalha a sustentabilidade e o desenvolvimento social e tem a colaboração com do Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IABS) e do Big Lab.

As cascas são resultado da pesca artesanal feita na comunidade do Vergel, em Alagoas. A atividade gera 300 toneladas de resíduos orgânicos. Graças à economia circular, os parceiros reduzem o impacto ambiental e os pescadores têm um incremento de renda. O biomaterial é misturado ao cimento.

Com o modelo de economia circular, além de diminuir o impacto ambiental, o projeto contribui com o aumento da renda. A primeira linha - o cobogó Mundaú - foi lançada em 2019, seguida pela linha Solar e, mais recentemente, a linha Fita, vendida nas lojas Portobello Shop.

*Com informações da redação da Fast Company Brasil


SOBRE A AUTORA

Elizabeth Segran, Ph.D., é colunista na Fast Company. Ela mora em Cambridge, Massachusetts. saiba mais