Como não procrastinar na hora de cuidar do seu dinheiro: as dicas de 5 especialistas
Planejadores financeiros ensinam quais são as principais atitudes que você deve ter para manter a disciplina
Quantas vezes você incluiu nos seus objetivos ter uma relação melhor com o dinheiro e assim não apenas se livrar do sufoco, mas também se voltar para a formação de um patrimônio que permita tirar alguns planos do papel?
Agora responda: quantas vezes esse plano naufragou? Ter disciplina e não escorregar é uma tarefa exaustiva. Lembra, por exemplo, a dificuldade em manter uma dieta alimentar ou a frequência na academia.
O ato de priorizar tarefas agradáveis em vez de realizar os compromissos trabalhosos, ainda que sejam importante, é conhecido como procrastinação. É bem provável que você já tenha cedido a tentações como as promoções do varejo em janeiro ou se desviado do objetivo de guardar parte da renda todos os meses para alcançar metas mais ambiciosas no médio e longo prazo. Mas por que isso acontece?
COM A PALAVRA
A Fast Company Money fez três perguntas-chave para cinco especialistas em finanças pessoais com o objetivo de entender o comportamento da sociedade em relação ao dinheiro e apontar os caminhos para quem não quer desistir dos seus objetivos financeiros.
Lai Santiago, planejadora financeira, é categórica ao dizer que a procrastinação é o caminho natural da condição humana. "A gente tende a deixar as coisas para depois. Quando falamos de mudanças de hábitos financeiros, estamos falando sobre gastar energia, saindo da inércia, da zona de conforto", cita.
Ainda segundo Lai, a economia comportamental mostra que a tendência do ser humano é manter as coisas como estão para poupar energia, evitando a demanda que se tem (por exemplo, com o raciocínio lógico) ao cuidar das finanças.
A procrastinação com as contas é uma tentativa irracional de não encarar os problemas, de acordo com João Victorino, administrador de empresas e especialista em finanças pessoais. "Quando vivemos apenas para ter alegrias, frequentemente evitamos coisas que consideramos desagradáveis. Mas é essencial ver a parte desagradável da organização financeira como um passo necessário para alcançar uma estabilidade duradoura e prazerosa."
CEO da Okame Educação Financeira, Kelvin Saegussa segue na mesma linha de Victorino. Para o especialista, uma das razões mais comuns para protelar o cuidado com as finanças é o medo de encarar a realidade. "A partir do momento que você olha um saldo negativo, ele passa a ser real. Por outro lado, se ele não é percebido, parece que o problema não existe. A dor da descoberta parece ser um fenômeno paralisante", resume.
AQUI E AGORA
Para quem acha que ainda não chegou a hora de mudar a relação com o dinheiro e que algumas escorregadelas aqui e ali não são o fim do mundo, Wanessa Guimarães, planejadora financeira CFP® pela Planejar, explica de forma objetiva porque é preciso sair da estagnação e persistir.
"O primeiro passo é entender que o 'momento perfeito' nunca vai chegar. A procrastinação, muitas vezes, vem da sensação de que precisamos de mais tempo, dinheiro ou conhecimento para começar. Na verdade, o mais importante é dar o primeiro passo, mesmo que pequeno", aponta a planejadora financeira.
Para sair da fase das promessas, ensina Lusciméia Reis, presidente da Associação Brasileira dos Profissionais de Educação Financeira de Minas Gerais (Abefin-MG), é essencial entender a raiz das suas crenças financeiras. O autoconhecimento, resume a especialista, é a chave.
Abaixo, confira o que o time de cinco especialistas em finanças pessoais pode ensinar sobre sua relação com o dinheiro:
1. Como sair da fase das promessas, passar a organizar as finanças e investir?
João Victorino - O primeiro passo é reconhecer que a organização financeira não é um ‘evento pontual’, mas sim um processo contínuo. Muitas pessoas ficam paralisadas diante do volume de informações. Comece simples: estabeleça uma meta concreta, como guardar uma porcentagem do seu salário todos os meses ou pagar uma dívida específica em um prazo determinado. Em seguida, estruture suas finanças, com uma lista de gastos fixos e variáveis. Negocie dívidas com juros altos e, aos poucos, comece a reservar um valor para investimentos.
Kelvin Saegussa - Caso o tema de finanças pessoais não te agrade ou seja muito complexo, considere delegar partes do processo para quem é especialista. Se não der, avalie usar ferramentas para facilitar o processo de organização e de investimentos. Existem diversas planilhas, aplicativos e ferramentas online que podem ajudar sem que você precise começar do zero. Com o avanço do Open Finance, a movimentação dos dados está cada vez mais fácil e diversas soluções, como por exemplo o Parsa AI, permitem gerenciar as transações de maneira automática.
Wanessa Guimarães - O primeiro passo é conhecer sua realidade financeira. Liste as receitas e despesas. Pode ser desconfortável no início, mas essa clareza é libertadora. Depois, defina metas claras, tangíveis e que façam sentido. Esqueça os objetivos vagos, como “quero ficar rico” ou “vou investir mais”. Em vez disso, escolha algo concreto, como “quero economizar R$ 300 por mês” ou “quero investir R$ 5 mil no próximo ano”. Essas metas menores são mais fáceis de atingir e criam um ciclo positivo de motivação. Uma estratégia poderosa é automatizar suas finanças. Configure transferências automáticas para sua reserva de emergência ou para um investimento mensal, o que elimina a tentação de gastar antes de poupar e cria um hábito financeiro saudável. Lembre-se que a organização das finanças é uma ferramenta para alcançar os sonhos.
Lusciméia Reis - Para sair da fase das promessas, é essencial entender a raiz das suas crenças financeiras. O autoconhecimento é a chave. Identifique os padrões e influências familiares que impactam sua relação com o dinheiro, realizando um processo de anamnese financeira para entender o modelo de dinheiro, quais os impactos positivos e negativos na sua maneira de olhar sistemicamente para as suas decisões econômicas. Em seguida, estabeleça metas claras e alcançáveis e as divida em passos menores e realizáveis. Utilize ferramentas de planejamento financeiro e busque educação financeira, levando em consideração sua identidade financeira e estilo de vida. O compromisso com pequenos passos diários pode levar a grandes mudanças.
Lai Santiago - O ponto de partida é definir metas muito claras, específicas. Por exemplo, se você define apenas que quer economizar, isso não dá um parâmetro de quanto e de que forma isso vai acontecer. Afunile bastante a sua meta. Por exemplo, ao definir que vai fazer uma viagem e juntar R$ 10 mil para daqui a 12 meses. Transforme essa meta em uma tarefa, que possa ser enxergada quanto à forma de execução no dia a dia. Para facilitar, há ferramentas de simulação, como a Calculadora do Cidadão, disponível no site do Banco Central (BC), que mostras qual vai ser o seu esforço mensal para atingir esse objetivo. O valor que você terá de separar para o investimento é uma tarefa. Nessa jornada, vale aproveitar os recursos que automatizam as decisões financeiras, como as ferramentas de aplicação programada. Coloque a data da aplicação imediatamente posterior à do seu pagamento principal. Isso vai facilitar para se manter aquele hábito.
2. Por que as pessoas tendem a protelar esse momento?
João Victorino - A procrastinação na organização financeira muitas vezes está relacionada a fatores emocionais e cognitivos. A teoria das Finanças Comportamentais, estudada por nomes como Richard Thaler e Daniel Kahneman, mostra que nosso cérebro nem sempre toma decisões racionais. Temos uma tendência natural a dar mais valor ao prazer imediato (como gastar agora) do que ao benefício de longo prazo (como investir para o futuro). Além disso, o medo de errar, a aversão à complexidade dos produtos financeiros e a falta de referência sobre por onde começar podem alimentar a inércia. As pessoas protelam porque não querem lidar com o desconforto inicial de organizar números, cortar despesas desnecessárias ou escolher investimentos.
Kelvin Saegussa - Uma das razões é o medo de encarar a realidade. A partir do momento que você olha um saldo negativo, ele passa a ser real. Por outro lado, se ele não é percebido, parece que o problema não existe. A dor da descoberta parece ser um fenômeno paralisante. Outra situação muito comum é a dor do trabalho. Há uma visão comum de que cuidar das finanças precisa ser um processo demorado, trabalhoso e desgastante. Uma outra dificuldade muito comum é o desconhecimento sobre as ferramentas ou sobre a matéria. Lidar com aplicativos de gestão financeira ou com o próprio excel pode ser um pré-requisito que gera uma barreira, assim como o próprio conhecimento em finanças.
Wanessa Guimarães -O dinheiro carrega um peso emocional que paralisa: é comum associá-lo a medo, culpa ou vergonha, especialmente para quem já enfrentou dificuldades financeiras. A ideia de encarar as finanças de frente pode ser desconfortável. Outro motivo é a ilusão da complexidade. Existe a percepção de que cuidar do dinheiro e investir é algo técnico, difícil e exclusivo para especialistas. Essa crença, alimentada pela falta de educação financeira, faz com que as pessoas se sintam incapazes de começar. E quando algo parece complicado ou assustador, a resposta natural é adiar, esperando que em algum momento as circunstâncias "mágicas" facilitarão o processo. A procrastinação também está ligada a um comportamento humano universal: priorizar o presente em detrimento do futuro.
Lusciméia Reis - Muitas pessoas protelam a organização financeira devido a crenças limitantes e medos enraizados em suas histórias com o dinheiro. O medo do desconhecido, a falta de confiança em lidar com números, preocupações e ansiedades que podem ter origem desde o útero da sua mãe. Além disso, o ambiente familiar e social pode ter reforçado a ideia de que falar sobre dinheiro é tabu ou pecado, entendendo-se que ter dinheiro me afasta das pessoas que amo, levando à procrastinação, num processo silencioso e ancorado no nosso subconsciente.
Lai Santiago - O fato é que a procrastinação faz parte da nossa natureza. É muito difícil ir contra um hábito financeiro ruim, porque ele é uma delícia. Por exemplo, ao gastar impulsivamente no cartão para comprar uma roupa. Já um hábito financeiro saudável tem a dor no primeiro momento e muitas vezes só vai receber a recompensa lá na frente.
3. Como não cair na tentação de voltar a negligenciar as finanças?
João Victorino - É fundamental manter um sistema de monitoramento e revisão periódica. Assim como um treino físico requer disciplina, frequência e ajustes ao longo do tempo, suas finanças também precisam de check-ups regulares. Reserve um dia por mês para revisar seu orçamento, analisar se está cumprindo suas metas e avaliar o desempenho de seus investimentos. Além disso, tenha objetivos claros e visíveis: isso pode significar a montagem de um quadro com a meta da sua reserva de emergência ou uma imagem que simbolize um sonho futuro. Por fim, automatize o máximo possível: agende débitos automáticos para seus investimentos e contas, utilize planilhas ou aplicativos que consolidam seus gastos e enviam alertas periódicos.
Kelvin Saegussa - Quando as metas estão claras, o engajamento com a organização financeira fica muito mais forte. É fundamental entender o porquê do cuidado com o seu dinheiro. Como seres humanos, somos imediatistas, então temos dificuldade com o cumprimento de metas de longo prazo. Por isso, uma mescla entre objetivos claros de curto e longo prazo ajuda a cuidar do seu futuro, sem que você seja sabotado no presente. Por exemplo: investir para a independência financeira parece um alvo muito distante que sempre pode ser adiado, então você não se preocupa muito com isso. Por outro lado, se você tem uma meta que permita investir para o longo prazo e ser recompensado no curto prazo, então você tem o incentivo para sentir que o seu investimento está sendo proveitoso.
Wanessa Guimarães - É comum que, após um momento de entusiasmo inicial, as pessoas relaxem e voltem a antigos hábitos. Por isso, o segredo está em construir uma relação consistente e sustentável com o dinheiro, baseada em disciplina e propósito. Construa hábitos financeiros sólidos, conecte suas finanças aos seus valores e objetivos, crise recompensar estratégicas, se proteja dos 'gatilhos que levam à negligência e se lembre do impacto futuro.
Lusciméia Reis - É crucial criar um sistema de responsabilidade financeira, que pode incluir um método que utilizamos em escolas e empresas. O DSOP (Diagnosticar, Sonhar, Orçar e Poupar) tem por objetivo ajudar pessoas a tirar uma fotografia do seu estado financeiro atual, estabelecer metas ou sonhos de curto, médio ou longo prazo, gerar um orçamento financeiro e definir um plano de poupança para realizar sonhos, incluindo o sonho de se livrar das dívidas. Através do autoconhecimento e da aplicação prática de estratégias financeiras, é possível transformar promessas em ações concretas, garantindo um ano novo de conquistas e prosperidade.
Lai Santiago - É natural e esperado que, à medida que o tempo passa, aconteçam imprevistos no meio do caminho. O deslize é mais provável de acontecer do que um planejamento financeiro perfeito. Por isso, deve-se partir do pressuposto de que em algum momento você vai negligenciar as finanças. Isso acontece porque em algum momento ficamos sobrecarregados, temos imprevistos, vamos sentir uma demanda reprimida após passarmos muito tempo economizando e vamos gastar de forma mais impulsiva depois de um período longo de economia. É importante saber sair desses momento, prezando por um planejamento realista, que considera a falha como algo que fatalmente vai acontecer.