Como ter uma carteira defensiva no pós-eleição nos EUA

Ao mesmo tempo que política protecionista de Trump pode aquecer economia interna, existe o risco de pressão sobre os preços

Imagem feita por IA/Freepik
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Murilo Melo 5 minutos de leitura

A eleição americana acabou e o resultado trouxe de volta Donald Trump à Casa Branca após uma disputa contra a democrata Kamala Harris. Para investidores no Brasil e no mundo, a reeleição do republicado traz expectativas sobre como suas políticas, alinhadas à promessa de protecionismo e voltadas ao crescimento industrial dos Estados Unidos, devem impactar a economia global. Em meio a essas mudanças, montar uma carteira defensiva surge como uma estratégia para enfrentar os possíveis impactos econômicos e geopolíticos.

Segundo o economista Felipe Tavares, especialista em mercado internacional, a reeleição de Trump pode gerar uma nova onda de volatilidade, especialmente nos mercados emergentes, devido a possíveis sanções, mudanças em acordos comerciais e posturas mais rígidas em relação a países concorrentes. Para o investidor brasileiro, diz, isso significa adaptar a carteira para se proteger de oscilações externas.

Em cenários de incerteza, setores como saúde, energia e consumo básico tendem a oferecer uma maior proteção contra as flutuações de mercado. “Empresas que produzem bens de consumo essencial e setores de saúde são boas opções para quem busca um porto seguro em tempos de incerteza, já que a demanda por esses serviços permanece estável independentemente do cenário econômico”, explica Tavares.

Para Raony Rosseti, CEO da Melver, outro aspecto importante é o fato de essas empresas operarem em mercados regulados. “O governo estabelece limites para o aumento de preços, o que cria um certo monopólio regional e estabilidade de faturamento”, diz Rosseti. Embora a regulação possa limitar os aumentos de tarifas e repasses de custos, ela também traz previsibilidade. Além disso, as empresas de utilidade pública geralmente têm contratos de longo prazo, com duração superior a dez anos, o que permite fluxo de receita consistente.

O especialista sugere a combinação entre ativos brasileiros atrelados a uma receita menos exposta a oscilações negativas, com demanda constante, como Hapvida e Eletrobras, por exemplo, à diversificação da carteira com empresas estrangeiras de consumo básico, como Johnson & Johnson ou Procter & Gamble, cujas operações globais se mantêm estáveis em tempos de crise.

Rosseti menciona ainda os bancos e as seguradoras como setores com características defensivas, mas lembra que há uma correlação com o ciclo financeiro e as taxas de juros, que podem influenciar a demanda por crédito e os lucros.

Já as seguradoras, como a BB Seguridade e a Caixa Seguridade, também conseguem se manter estáveis em cenários variados, graças à diversidade de suas fontes de receita. Rosseti explica que, em períodos de juros baixos, as empresas do setor aumentam a receita operacional com a venda de apólices, enquanto, em cenários de juros altos, a receita financeira das aplicações tende a compensar a redução na venda de seguros. Essa flexibilidade torna o setor uma boa escolha para um portfólio diversificado.

RENDA FIXA E ATIVOS ATRELADOS AO DÓLAR

Com uma política econômica mais agressiva vinda de Washington, é possível que o dólar siga fortalecido. Para quem busca proteção, aumentar a exposição ao dólar é uma boa alternativa, especialmente em investimentos de renda fixa atrelados à moeda americana. Já os títulos públicos atrelados ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou Tesouro Selic são opções para quem prefere segurança e rendimento ajustado à inflação.

Para exposição direta ao dólar, fundos cambiais e ETFs baseados em índices estrangeiros são alternativas mais práticas e acessíveis para o pequeno investidor. “A política de Trump pode fazer o dólar disparar, tornando esses investimentos ainda mais vantajosos. Investir em dólar de forma gradual evita frustrações com a alta volatilidade do câmbio. Um pouco do valor mensal, trimestral ou semestral pode ser destinado a ativos dolarizados”, explica Felipe Tavares.

O mercado brasileiro oferece diversas opções para essa exposição internacional, inclusive por meio da aquisição de Brazilian Depository Receipts (BDRs), que permitem investir em empresas internacionais com aportes acessíveis.

Para os especialistas, o acesso ao mercado global está mais democrático, permitindo que os investidores diversifiquem sem grandes barreiras. Com menos de R$ 100, é possível comprar ações de empresas globais por meio de plataformas de corretoras e sistemas como home brokers.

COMMODITIES E SETORES EXPORTADORES

A volta de Trump à Casa Branca também pode significar um fortalecimento das indústrias americanas, o que, por outro lado, tende a impactar países fornecedores de commodities, como o Brasil. Ainda assim, os setores de exportação são, em parte, beneficiados pela alta do dólar.

A Petrobras e a Vale, por exemplo, têm receitas dolarizadas e podem compensar parte das perdas que outras empresas de setores mais vulneráveis possam amargar com uma eventual desvalorização do real. “O investidor brasileiro deve olhar para setores exportadores que se beneficiam com o dólar alto. As commodities, como o minério de ferro, e setores agrícolas, como o de soja e milho, seguem fortes pela demanda global”, comenta Tavares.

FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO COMO OPÇÃO

Os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) também surgem como uma boa opção para quem busca uma carteira defensiva, especialmente os fundos de logística e lajes corporativas de alta qualidade, afirma a especialista em investimentos financeiros, Rachel Soares. Mesmo com oscilações políticas, o setor de logística tem se mostrado resiliente, com empresas que continuam necessitando de centros de distribuição e galpões logísticos para atender a demanda crescente do e-commerce.

Além disso, os FIIs são uma alternativa para diversificar a carteira de forma acessível, já que podem ser comprados com pequenos aportes. “Os fundos imobiliários, especialmente os de tijolo (tipo de fundo de investimento que aplica recursos em imóveis físicos, como prédios comerciais, shopping centers, galpões logísticos, hospitais), são uma forma de diversificar, com o benefício de que parte dos rendimentos vêm de contratos de aluguel indexados ao IPCA, o que ajuda a proteger o poder de compra do investidor”, comenta Rachel.

Com a eleição de Trump, o cenário internacional pode trazer surpresas e exigir que o investidor mantenha uma postura atenta e flexível. O planejamento defensivo, neste contexto, é o primeiro passo para enfrentar possíveis impactos sem prescindir de crescimento.

Os especialistas pontuam que manter uma carteira diversificada e defensiva não significa que o investidor não possa correr riscos, mas, sim, que está preparado para atravessar crises com maior segurança. A vitória de Trump, explicam, traz questões que exigem cautela, mas também oportunidades para aqueles que sabem onde e como investir.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Murilo Melo é formado em jornalismo e letras. Foi repórter da Folha de S.Paulo, Estadão e InfoMoney. É louco por dinheiro. Escreve sob... saiba mais