Corrida de rua acelera no Brasil

Cada vez mais brasileiros optam pelo esporte, considerado democrático, um facilitador da sociabilização e um "remédio natural" para a saúde física e mental

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Paula Pacheco 6 minutos de leitura

Brasil, o país do futebol? Pode ser, mas tem outro esporte que vem ganhando a preferência entre os brasileiros, sem fazer distinção de idade, sexo ou classe social. Basta ter um par de tênis, uma camiseta e um shorts, abrir o portão de casa e escolher o trajeto, pisando sobre o asfalto - seja uma caminhada para iniciantes ou um ritmo mais acelerado para quem tem melhor preparo físico.

Pesquisa "Perfil do Atleta Brasileiro 2024", divulgada nesta segunda-feira (6) pela Ticket Sports, marketplace para inscrições em provas de corrida de rua, ciclismo e triatlo, aponta que no ano passado foram recebidas 1,8 milhão de inscrições - 75% de crescimento na comparação com os números aferidos em 2023 - e 87,3% das vendas vieram das corridas de rua.

Veja como foi a distribuição das inscrições em provas de rua no ano passado:

distribuição das inscrições em provas esportivas de rua em 2024, da Ticket Sports
Fonte: Ticket Sports 2024/Reprodução

O Nordeste foi a região com mais crescimento em relação ao levantamento anterior, de 2023: sua participação passou de 9% para 22,3%. O Sudeste segue na liderança, mas recuou de 60,2% para 51%. A relação entre homens (50,1%) e mulheres (49,9%) é muito próxima, o que confirma como essa atividade é democrática.

Ainda segundo a pesquisa da Ticket Sports, duas faixas etárias tiveram destaque em 2024 em comparação a 2023: entre 15 e 25 anos, a evolução de inscritos foi de 7,9% para 10,9%. Entre 26 e 35 anos, a alta foi de 24,8% para 17,9%. Outra características entre os corredores é o gosto pela participação em provas em outro município ou estado. Ao todo, 48% dos atletas, ou seja, quase a metade, saíram de suas cidades para competir.

Participação nas inscrições em competições, segundo faixa etária:

participação nas inscrições em eventos esportivos da Ticket Sports em 2024, segundo faixa etária
Fonte: Ticket Sports 2024/Reprodução

"A corrida de rua no Brasil vive um fenômeno inédito de novos entrantes. Em 2024, 35% da nossa base de clientes foi renovada. Estamos falando que cerca de um terço nunca tinha participado de uma prova", destaca Daniel Krutman, CEO da Ticket Sports.

Para o empresário, ao contrário do que muitos dizem, não se trata de um modismo. "Encaro como um fenômeno social, de transformação humana". Entre os fatos que vêm contribuindo para o aumento do interesse pela corrida de rua estão, segundo ele, o fim da pandemia, que valorizou a busca pela saúde e a qualidade de vida, e a busca pela ocupação dos espaços públicos depois de um período, como lembra Krutman, "em que ficamos enclausurados".

A corrida também ganha força com o aumento de influenciadores digitais que registram e divulgam seu dia a dia - treinos, alimentação e lançamentos de tênis. A geração Z, nascida já acostumada à cultura digital, tem um papel importante no aumento do interesse dos corredores - pesquisas mostram que é uma fatia da população mais propensa a hábitos saudáveis, como dormir e acordar mais cedo e consumir bebidas sem álcool.

Uma prova como a São Silvestre, que acaba de chegar à edição de número 100 e é a mais importante do Brasil, é um dos exemplos de como a corrida de rua é uma prática cada vez mais atraente. Em 2024, as inscrições - 37,5 mil - se esgotaram dois meses antes da competição, realizada em 31 de dezembro, na capital paulista.

QUALIDADE DE VIDA

Para o ex-maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, bicampeão dos Jogos Pan-Americanos, medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004, não há dúvida quanto a relação entre o aumento dos praticantes de corrida e a busca por qualidade de vida também por meio de atividades esportivas.

"Quando falamos de corrida de rua, não estamos tratando apenas de um aliado na melhora do desempenho físico, mas também emocional e até profissional. Quem corre se torna mais sociável, leva a superação do esporte para o cotidiano, tanto para a vida pessoal quanto para o trabalho", explica o ex-maratonista.

Cordeiro de Lima começou a treinar aos 15 anos, no interior do Paraná, incentivado pelo professor de educação física. Na época ele se revezava entre o trabalho na lavoura, a escola e os treinos. Nas primeiras competições, foi preciso emprestar os tênis apropriados para corrida. Hoje aposentado das provas, ele conta que muitas vezes chega em casa cansado e, para não "jogar a toalha", trata de vestir a roupa esportiva e o par de tênis e logo ir para o asfalto.

Veja o que Vanderlei Cordeiro de Lima sugere para quem quer começar a correr:

  • Antes de começar a correr ou praticar qualquer atividade esportiva, passe por um médico para saber como anda a saúde e se você está apto a treinar. Pode haver a predisposição para algum problema de saúde, independentemente da idade.
  • Quando começamos a correr, a autocobrança é inevitável. Mas é preciso fazer um planejamento para os treinos para ser algo prazeroso, livre de dores ou lesões.

O QUE DIZ A MEDICINA

As pesquisas mostram uma série de ganhos para o corpo de quem costuma correr, como a melhora do condicionamento aeróbico, o que impacta na diminuição da mortalidade. Segundo Cristina Milagre, cardiologista e especialista em medicina do esporte do HCor, também já se constatou uma melhor na saúde óssea, uma vez que o exercício de impacto, como a corrida, favorece a absorção de massa óssea, prevenindo a osteoporose.

Outros ganhos, de acordo com a especialista, são o controle do diabetes e da hipertensão. "É um tratamento não farmacológico para quem tem esse tipo de doença, mas a atividade também atua de forma preventiva." Além disso, há impacto positivo no controle do colesterol e na circulação sanguínea, na qualidade do sono e da saúde intestinal, no sistema imunológico e na perda de peso, já que esse é um exercício de alta intensidade.

A saúde mental também é influenciada pela prática da corrida, segundo a cardiologista. "Há uma melhora da ansiedade, do controle do estresse e a sensação de bem-estar e de relaxamento depois de um treino", completa a especialista do HCor.

Uma boa corrida também ativa mecanismos cerebrais, como o sistema endocanabinoide, relacionado à plasticidade cerebral, aprendizado, memória, processos de regulação do metabolismo. Sabe-se ainda que há a liberação de serotonina, conhecida como hormônio da felicidade, e dopamina, que age no mecanismo de recompensa cerebral, com a sensação de prazer.

POUPANÇA PARA A VIDA

Tem sido cada vez mais comum ver a troca da atividade física pelo tempo diante de telas. Desde muito novas, crianças são entretidas pelo celular, sem interesse por brincadeiras e pela sociabilização.

Segundo estudo feito por pesquisadores da Unesp, publicado na Agência Fapesp, os exercícios durante a infância e a adolescência gera benefícios cardiovasculares ao longo da vida, ainda que o adulto não seja fisicamente ativo. A pesquisa avaliou 242 moradores de Santo Anastácio (SP) e concluiu que entre as vantagens estão o controle da frequência cardíaca pelo sistema nervoso autônomo (modulação autonômica cardíaca). Esse é um marcador de risco cardiovascular e de mortalidade muito importante.

Os dados foram coletados por meio do uso de sensores vestíveis nos voluntários, com capacidade de captar os batimentos cardíacos e transferência dos dados para um relógio. Foi instalado ainda um acelerômetro preso à cintura para monitorar o tempo e a intensidade da atividade física diária.

Os pesquisadores ajustaram os dados e fizeram uma classificação do que era benefício obtido da prática esportiva na infância ou adolescência e o que era resultado da atividade física recente. A conclusão é que o exercício físico funciona como uma “poupança” com ganhos que o corpo vai "consumir" ao longo da vida.


SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais