O dinheiro some e você nem vê: o que está drenando seu orçamento

Pequenas despesas automáticas, como delivery e assinaturas, consomem até 10% da renda mensal. Veja como identificar e cortar os ralos financeiros que passam despercebidos

O dinheiro some e você nem vê: o que está drenando seu orçamento
cogal eIlton Rogerio via Getty Images

Márcia Rodrigues 6 minutos de leitura

Delivery, diversas assinaturas de streaming, pequenas compras por impulso em sites como Shopee, Shein, AliExpress e Temu… sozinhos, esses gastos parecem inofensivos. Mas, somados, eles se transformam em verdadeiros ralos por onde o dinheiro escorre mês a mês, devagarinho como se fosse água.

E o que é pior, é tão fácil cair nessas armadilhas! Três especialistas em finanças pessoais explicam como não cair em tentação. Eles ensinam ainda como criar hábitos para fazer sobrar mais no fim do mês.

OS VILÕES INVISÍVEIS DO ORÇAMENTO

De acordo com Michel Pires, planejador financeiro CFP® pela Planejar, o problema não está apenas nos grandes gastos, mas nas pequenas despesas recorrentes que passam despercebidas. “São gastos de baixo valor que, por não gerarem impacto imediato, são subestimados. Mas, ao final do mês, comprometem uma fatia significativa da renda”, explica.

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Esses “ralos” incluem aplicativos de transporte e delivery — que, segundo o planejador financeiro, podem consumir até 10% do orçamento mensal —, lanches e cafés diários, assinaturas de streaming, taxas bancárias e até juros por atrasos de pagamento. “Um cafezinho de R$ 10 por dia pode virar R$ 300 no mês e R$ 3.600 em um ano”, exemplifica Pires.

Paula Bento, também planejadora financeira CFP® pela Planejar, reforça que são justamente essas pequenas contas que escapam do controle. “As pessoas têm mais atenção aos custos fixos, como aluguel e energia, mas não se dão conta dos gastos variáveis, que parecem pequenos. Quando somados, podem causar surpresas no fim do mês”, diz Paula.

Paula Sauer, professora de economia comportamental da ESPM e planejadora financeira CFP®, resume bem: “pequenos vazamentos afundam grandes navios”. Para a especialista, a falta de atenção a valores baixos, como uma assinatura de R$ 19 ou uma corrida de aplicativo, cria a falsa sensação de que “não faz diferença”. “Mas se você anualizar, percebe que R$ 100 mensais não usados viram R$ 1.200 no ano, dinheiro que poderia ser destinado a algo realmente importante”, afirma.

PRINCIPAIS VILÕES

Os tão falados “gastos invisíveis” estão no nosso dia a dia:

Assinaturas de streaming e serviços digitais: muitas vezes, mantemos múltiplas assinaturas que mal utilizamos, esquecendo de cancelar após o período de teste ou simplesmente por inércia;

Compras por impulso: itens de pequeno valor adquiridos sem planejamento, frequentemente estimulados por promoções ou pela conveniência;

Taxas bancárias e anuidades de cartão de crédito: custos que podem ser negociados ou até eliminados com a escolha de produtos financeiros mais adequados ao perfil do consumidor; e

Juros e multas por atraso: pequenos esquecimentos que geram custos extras totalmente evitáveis com um mínimo de organização.

Veja a simulação

Na categoria alimentação fora, os cafezinhos e lanches diários podem gerar uma despesa de R$ 200 a R$ 400 por mês. Já com transporte, o uso frequente de apps pode comprometer de R$ 100 a R$ 300 mensais.

Quando se trata de entretenimento, as assinaturas de streaming representam um gasto médio de R$ 50 a R$ 150. Por último, na categoria de serviços financeiros, anuidades de cartão e taxas representam, em média, despesas que vão de R$ 30 a R$ 100.

POR QUE É TÃO DIFÍCIL PERCEBER ESSE ‘VAZAMENTO

O motivo está mais na mente do que na planilha. Segundo Pires, nossa dificuldade em enxergar o impacto desses pequenos gastos é explicada por vieses comportamentais. “A maioria das decisões financeiras é emocional. O viés do presente faz com que valorizemos a satisfação imediata de um lanche ou uma compra, ignorando o benefício futuro de economizar”, aponta.

O planejador financeiro acrescenta que o consumo também tem forte componente social. “As redes sociais intensificam a comparação e criam desejos que nem sempre cabem na realidade financeira de cada um”, diz.

Paula Bento concorda que o automatismo é um grande vilão. “Essas despesas fazem parte do hábito. Como são recorrentes, acontecem quase sem a gente perceber: pedir um delivery, comprar uma roupa ou pagar um app. E justamente por serem frequentes, é mais difícil registrar e controlar tudo”, explica ela.

SINAIS DE ALERTA DE QUE O DINHEIRO ESTÁ ESCAPANDO

Se o salário parece desaparecer antes do fim do mês, é sinal de que algo vai mal. “A desconexão entre renda e capacidade de poupança indica que os ralos invisíveis estão abertos”, observa o planejador financeiro. Segundo ele, outros sinais claros são o uso recorrente do cheque especial, o pagamento mínimo do cartão e a dificuldade de guardar qualquer valor.

Para Paula Bento, esse desequilíbrio é facilmente identificado quando o dinheiro acaba antes do previsto, mesmo sem grandes despesas extraordinárias. “Se você paga as contas fixas, mas nunca consegue poupar, é hora de revisar os gastos variáveis”, reforça.

Outros indicadores claros incluem:

Dificuldade para fechar o mês: chegar ao fim do período sem dinheiro é o sintoma mais comum;

Uso recorrente do cheque especial ou pagamento mínimo do cartão: recorrer a crédito caro para cobrir despesas correntes é um forte sinal de desequilíbrio;

Incapacidade de poupar ou investir: a ausência de sobras para construir uma reserva de emergência ou investir em objetivos de longo prazo; e

Aumento do endividamento: quando as dívidas crescem sem uma causa aparente, como a compra de um bem de alto valor.

CONFIRA 5 DICAS PRÁTICAS PARA ESTANCAR OS RALOS

Identificar o problema é o primeiro passo. O segundo é agir. Os especialistas indicam caminhos práticos para retomar o controle e fazer sobrar dinheiro no fim do mês.

1. FAÇA UM “PENTE-FINO” NAS ASSINATURAS E DÉBITOS AUTOMÁTICOS

Olhar o extrato do cartão e revisar débitos automáticos é essencial, segundo a professora da ESPM. “De tempos em tempos, dou uma limpa nas cobranças. Se o serviço não faz mais sentido, cancelo. Hoje é mais fácil, mas ainda é preciso firmeza, porque muitas empresas tentam te convencer a ficar”, diz.

Paula Sauer lembra que, nos Estados Unidos, já existem ferramentas de inteligência artificial que fazem cancelamentos automaticamente, justamente para evitar esse tipo de “assédio”.

2. PLANEJE SUAS COMPRAS E CRIE LIMITES SEMANAIS

Paula Bento recomenda definir um valor máximo para gastos variáveis. “Trabalhar com prazos curtos, como orçamentos semanais, ajuda a entender melhor o fluxo do dinheiro”, ensina. Ela sugere, por exemplo, reservar R$ 200 por semana para despesas como delivery, transporte e lazer, com uma margem de 20% a 30% para imprevistos.

Já o planejador financeiro propõe fazer uma lista antes de ir ao supermercado. Para compras de maior valor, adote a “regra das 24 horas”: espere um dia antes de decidir. Isso reduz drasticamente as compras por impulso.

3. PAGUE-SE PRIMEIRO

Ainda segundo Pires, o segredo está na disciplina. “Trate a economia como uma conta obrigatória. Assim que receber o salário, transfira 10% para uma conta separada de investimento ou poupança. Automatizar essa transferência garante consistência”, orienta.

4. REAVALIE PERIODICAMENTE SUAS DESPESAS

Segundo Paula Bento, revisar gastos fixos e variáveis a cada três meses é uma boa prática. “Sempre dá para cancelar algo que não está sendo usado. Mesmo uma assinatura barata pode representar um desperdício se não traz valor real”, afirma.

5. OBSERVE SEUS COMPORTAMENTOS DE CONSUMO

O controle financeiro também passa pelo autoconhecimento. “É importante entender em que momentos você compra por impulso e por quê”, diz Paula Bento.

Pires reforça que a análise constante ajuda a ajustar rotas. “Reserve um tempo na agenda, nem que seja 15 minutos por semana, para revisar as finanças. Esse ‘encontro com o dinheiro’ é essencial para manter o controle e celebrar o progresso”, conclui.


SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais