Dá para confiar na IA na hora de definir onde investir?

Assim como acontece nos estudos, no trabalho e até nos cuidados com a saúde, a inteligência artificial também entrou na rotina de quem quer tomar decisões sobre o que fazer com o dinheiro; conheça os riscos

IA pode ajudar a fazer investimento?
Rawpixel via Getty Images

Márcia Rodrigues 3 minutos de leitura

Você pediria um conselho de investimento a uma ferramenta que não conhece seus objetivos financeiros nem o contexto do mercado? Pois é exatamente isso que vem acontecendo com o uso cada vez mais comum de inteligências artificiais generativas — como o ChatGPT — por investidores pessoa física. Mas, embora a IA possa ser úteis em várias etapas da gestão financeira, especialistas alertam: ela não substitui o olhar técnico, estratégico e personalizado que um profissional capacitado pode oferecer.

O QUE PODE DAR CERTO OU MUITO ERRADO?

Ao receber o pedido de entrevista da reportagem, João Paulo Braune Guerra, sócio do escritório PGLaw, decidiu fazer um teste real. “Consultei o ChatGPT com o comando: ‘me dê uma recomendação de investimento em ações de uma empresa brasileira na área da saúde, por favor’”, conta o advogado.

A resposta da IA sugeriu uma operadora de planos de saúde, destacando sua posição no setor, o valuation atrativo e a geração de caixa robusta. Mas, ao checar o desempenho real das ações, o resultado foi bem diferente: a empresa acumulava perdas desde maio e, no momento da consulta, caía -4,78%. “Chama atenção o fato de que a análise oferecida pela IA não mencionava tal oscilação nem os fatores conjunturais associados à tendência de queda”, aponta Guerra.

USO DA IA DEVE SER LIMITADO

A experiência confirma o que José Carlos de Souza Filho, professor da FIA Business School, observa: ferramentas como o ChatGPT podem ajudar na educação financeira, condensação de notícias e simulação de cenários, mas não têm rigor analítico nem sensibilidade humana. “Não se pode esquecer que investir é um processo complexo e cheio de detalhes que podem passar despercebidos por um GPT [General Purpose Technology)] que responde via chat”, diz Souza Filho.

“A adoção acrítica de recomendações geradas por IA pode configurar uma conduta imprudente por parte do investidor”

João Paulo Braune Guerra, sócio do escritório PGLaw

Além disso, como destaca Guerra, as ferramentas não conhecem o perfil do investidor, não captam nuances de mercado em tempo real e podem gerar respostas genéricas, desatualizadas ou mesmo equivocadas. “A adoção acrítica de recomendações geradas por IA pode configurar uma conduta imprudente por parte do investidor”, afirma o advogado.

COMO BANCOS E INSTITUIÇÕES USAM IA COM SEGURANÇA

Tanto Guerra quanto Souza Filho destacam que há uma diferença clara entre o uso da IA por investidores pessoa física e por instituições financeiras.

“Bancos e casas de investimento utilizam inteligência artificial para criar portfólios com base no perfil do cliente e em conformidade com normas da CVM [Comissão de Valores Mobiliários] e do Banco Central”, explica Guerra. Além de cumprir uma série de exigências legais, essas instituições mantêm supervisão humana, testes de robustez e mecanismos de rastreabilidade para garantir a segurança e a adequação dos modelos usados.

Segundo Souza Filho, o uso institucional é mais amplo e sofisticado: vai da análise de perfil de investimento ao atendimento via chatbot, passando por segurança cibernética, previsões macroeconômicas, Open Finance e detecção de oportunidades com base em dados proprietários e em tempo real.

“Já os investidores individuais trabalham com dados públicos e APIs limitadas, o que aumenta o risco de decisões baseadas em informações defasadas ou enviesadas”, alerta o professor da FIA.

IA PODE AJUDAR, DESDE QUE USADA COM SENSO CRÍTICO

Apesar das limitações, os especialistas reconhecem o valor da IA no suporte à organização das finanças. “A IA pode organizar grandes volumes de informação, identificar padrões históricos e simular cenários”, afirma Guerra.

“Use a IA como apoio, não como decisão final”
José Carlos de Souza Filho, professor da FIA Business School

Já Souza Filho lembra que ferramentas como o ChatGPT são úteis para automatizar tarefas simples e auxiliar na preparação de planilhas e análises, desde que usadas com perguntas objetivas e sem esquecer de validar os dados.

“O ideal é tratar essas ferramentas como orientadoras, mas nunca como substitutas da análise feita por profissionais Mas a recomendação principal é clara: use a IA como apoio, não como decisão final. “O ideal é tratar essas ferramentas como orientadoras, mas nunca como substitutas da análise feita por profissionais qualificados”, reforça Souza Filho.


SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais