Desafios de mãe: lista inclui sobrecarga, carreira e maternidade solo

A maternidade ainda traz um peso adicional nos planos profissionais, na renda e nas relações; mas há quem esteja encontrando formas de mudar as estatísticas

os desafios da maternidade
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Márcia Rodrigues 6 minutos de leitura

Ser mãe é uma das experiências mais transformadoras da vida e, também, uma das mais exigentes. No mundo contemporâneo, essa jornada vem acompanhada de múltiplas camadas: a sobrecarga mental, os desafios da carreira, a culpa constante e a busca por rede de apoio.

Quando essa mãe também é solo, empreendedora ou uma das poucas mulheres em cargos de liderança, o caminho se torna ainda mais complexo.

DOR QUE VIROU CAUSA

Dani Junco, fundadora da B2Mamy — comunidade que prepara mulheres para serem livres economicamente, independentemente da carreira — conhece bem essa realidade. Mãe de um menino de 10 anos, ela transformou sua vivência em propósito.

“A maternidade me levou para esse lugar de entender como a gente está sozinha, exausta e, muitas vezes, sem apoio”, afirma. Foi o que impulsionou a criação de uma rede de suporte para outras mulheres.

REDE DE APOIO E OLHAR DA SOCIEDADE

Dani é enfática ao destacar que o principal ponto de vulnerabilidade para as mães no mercado de trabalho está na falta de rede de apoio.

“A sociedade não pensa na mãe que não tem com quem contar ou que, mesmo quando tem uma rede, muitas vezes não é suficiente. Isso impacta diretamente o desenvolvimento da carreira dessas mulheres”, explica.

Para a empresária, o empréstimo de tempo, o apoio compartilhado nas tarefas do dia a dia e o reconhecimento da sobrecarga são fatores cruciais para que as mães consigam se manter no mercado sem perder a qualidade de vida.

O cenário não é apenas uma percepção individual. Uma pesquisa divulgada recentemente pela Diversitera, realizada entre junho de 2022 e fevereiro de 2025 com mais de 70 organizações em 17 segmentos, revelou que mães solo possuem uma renda anual 32% menor em comparação a outras mulheres. Trata-se de um reflexo direto das dificuldades enfrentadas na criação dos filhos sem a presença de parceiros.

"São 11 milhões de mães solo no país, isso significa que elas não têm um parceiro, o pai da criança, para fazer a parte dele em relação a finanças, em relação a cuidados, em relação a cuidados emocionais também. Então, com isso, obviamente, a sobrecarga é maior do que quem tem a outra pessoa fazendo a parte dela", pontua Dani.

Uma paternidade ativa, completa a fundadora do B2Mamy, tem impacto direto na economia. Quando as responsabilidades são divididas de forma mais equilibrada, ressalta a empreendedora, as mulheres ganham espaço para buscar novas fontes de renda e deixam de estar tão sobrecarregadas.

A maternidade solo não afeta apenas a saúde mental da mulher, mas também a sociedade como um todo, que perde potencial produtivo e econômico, acrescenta Dani. Por isso, "não é possível falar em transformação ou inovação social sem incluir o papel fundamental da paternidade ativa".

DUPLA JORNADA E POUCA REPRESENTATIVIDADE

Além da desigualdade salarial, a sobrecarga de trabalho doméstico continua como um grande entrave para a ascensão profissional, Mulheres no mercado formal brasileiro dedicam, em média, 186 horas a mais por ano do que os homens às tarefas domésticas e ao cuidado familiar.

No topo das empresas, a desigualdade também está presente. Apenas 35% das posições de alta gestão (como diretoria, gerência executiva e C-level) são ocupadas por mulheres. Em contrapartida, elas são maioria em funções operacionais, como recepção e limpeza — representando 70% da força de trabalho nessas áreas.

LONGAS HORAS DE TRABALHO

Gabriela Masson, gerente de marketing da Cimed, conta que a maternidade transformou sua relação com o trabalho. “Eu amava trabalhar longas horas, viajar, mergulhar em projetos. Quando meu filho nasceu, a prioridade virou outra. E foi difícil entender que isso não me tornava menos profissional”, diz.

A pressão para atender à vida profissional e familiar simultaneamente muitas vezes resulta em um senso de inadequação. “Nos primeiros meses de maternidade, eu me sentia péssima por não conseguir conciliar bem os dois mundos. Levou tempo para entender que as exigências que a sociedade coloca sobre a mulher não são realistas", diz a gerente de Marketing.

EMPATIA DEVE SER PALAVRA DE ORDEM DAS EMPRESAS

No entanto, Gabriela destaca que a flexibilidade no trabalho foi fundamental para equilibrar maternidade e carreira. “Encontrei líderes que também são pais e mães. Isso fez toda a diferença. Trabalhar em um lugar onde a parentalidade é respeitada me deu segurança para continuar crescendo sem me sentir culpada.”

Segundo Gabriela, sua equipe sempre demonstrou empatia, o que lhe deu tranquilidade para se dedicar aos projetos profissionais sem deixar de ser uma mãe presente.

EMPREENDEDORISMO COMO ÚNICA ALTERNATIVA

Luzia Helena Costa Silva, 44 anos, fundadora da rede de franquias Sóbrancelhas, também conhece bem a pressão de ser mãe e empreendedora. A trajetória começou quando o casal de filhos ainda era pequeno. Os recursos eram limitados, mas os desafios iam além. Por exemplo, com o fato de a sociedade não reconhecer o papel da mulher empreendedora.

“Eu não podia esperar o momento ideal. Ou eu fazia acontecer, ou não teria o que colocar na mesa. Muitas vezes, meus filhos estavam comigo na loja ou no escritório, o que era visto como algo ‘não profissional’. Muita gente julgava", conta a empreendedora.

FILHOS FORAM MOTOR PARA ‘PENSAR GRANDE’

Para Luzia, a maternidade também foi motor para o crescimento. “Foi pensando nos meus filhos que tive coragem de sonhar grande. Não me permiti mais aceitar limitações. Mas, por outro lado, a solidão foi imensa. Não só na criação das meninas, mas também no empreendedorismo. Comecei a entender a importância de criar uma rede de mulheres para nos apoiarmos.”

A fundadora da Sóbrancelhas também denuncia a desigualdade estrutural que recai com mais força sobre mães solo, principalmente as negras e periféricas. “Elas têm menos acesso ao capital e enfrentam mais obstáculos, não só por falta de estrutura, mas pelo olhar da sociedade. Muitas vezes, somos vistas como menos capazes simplesmente por sermos mães e empreendedoras ao mesmo tempo.”

MAIS POLÍTICAS E DEBATE SOCIAL

Esses relatos mostram a complexidade da jornada de mulheres que tentam equilibrar a maternidade com a vida profissional — e, em muitos casos, também com o empreendedorismo.

Para Dani, Gabriela e Luzia, políticas inclusivas nas empresas, empatia no ambiente corporativo e redes de apoio são fundamentais para a maternidade não ser um obstáculo, mas um fator de fortalecimento.

A fundadora da B2Mamy resume: “A gente precisa de política, oportunidade, empatia e presença feminina. Eu certamente contrataria uma mãe. Ela tem muito mais poder de gestão, liderança e otimização do seu tempo e tarefas do dia a dia.”

Apesar dos números ainda revelarem um cenário desigual, Dani mantém o otimismo: “Embora os dados não tenham avançado muito na participação feminina em cargos de liderança, vemos mudanças importantes na percepção sobre o nosso papel. Hoje há mais espaço para discutir a presença da mulher, o assédio, a demissão após licença-maternidade. E as mulheres estão falando mais.”

Dani destaca que a B2Mamy não está sozinha nessa luta: “Nestes dez anos, surgiram muitos grupos representativos. Estamos brigando, todas juntas, para garantir que mães e mulheres tenham cada vez mais voz, respeito e espaço.”


SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais