Do metrô às redes: marketing de provocação vira estratégia de empresas de IA e genética

As polêmicas campanhas das marcas Friend e da Nucleus Genomics revelam que a raiva, e não a simpatia, está sendo usada para conquistar atenção em tempos de hiperpolarização

Do metrô às redes: como o marketing de provocação virou estratégia de empresas de IA e genética
Fast Company

Grace Snelling 11 minutos de leitura

Se você perguntar aos nova-iorquinos na rua o que eles acham da gigantesca e controversa campanha publicitária impressa no metrô de Nova York, a resposta inicial provavelmente será: "Qual delas?". Só nos últimos dois meses, não uma, mas duas campanhas publicitárias com essa descrição apareceram por lá.

A primeira estreou no final de setembro, quando a Friend, uma empresa de inteligência artificial que vende "companheiros" portáteis, lançou uma campanha impressa de US$ 1 milhão com diversas mensagens subservientes, como "Nunca deixarei pratos sujos na pia".

A campanha recebeu críticas massivas — a ponto de a MTA (Autoridade Metropolitana de Transporte), de Nova York, ser obrigada a remover continuamente os anúncios vandalizados da Friend. Em entrevista à Fast Company, o CEO da Friend, Avi Schiffmann, disse que "esperava que isso acontecesse" e, de fato, projetou os anúncios com espaços em branco para incentivar o grafite.

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Agora, outra campanha publicitária impressa controversa entrou na briga. Os novos anúncios são pagos pela Nucleus Genomics, uma empresa de saúde genética especializada em testes genéticos, serviços de fertilização in vitro e triagem de embriões. Os anúncios da empresa incluem frases como "A altura é 80% genética", "O QI é 50% genético", "Tenha o melhor bebê" e "Esses bebês têm ótimos genes".

Nucleus Genomics e sua campanha no metrô de Nova York
Nucleus Genomics

Em e-mails para a Fast Company, a Nucleus afirmou que sua nova campanha foi inspirada por outro anúncio polêmico deste ano: a recente parceria de Sydney Sweeney com a American Eagle, que gerou reações negativas por ser considerada por muitos como uma promoção velada da eugenia.

MARKETING DO CHOQUE

O marketing de choque é tão antigo quanto a própria publicidade. Mas as campanhas recentes da Friend e da Nucleus representam um novo tipo de marketing que busca indignação, ideal para o atual momento de polarização política e tecnológica. Essa nova era de provocação para chamar a atenção, incubada nas redes sociais com empresas como a Cluely, agora chegou ao mundo físico, com marcas buscando transformar reações negativas em oportunidades.

Conversamos com especialistas renomados sobre a ascensão do marketing de provocação e para onde ele está caminhando.

- Um professor da NYU Stern School of Business explica por que a nova geração de startups de tecnologia está perfeitamente preparada para usar a provocação.

- O diretor de marca da Martin Agency fala sobre a vantagem que campanhas de marketing provocativas oferecem às empresas jovens — e o que isso pode custar a elas.

- A cofundadora da Joan Creative comenta o que vem depois dessa onda inicial de campanhas de provocação.

O QUE A NUCLEUS GENOMICS ESTÁ TENTANDO FAZER?

A Nucleus foi lançada em 2021 por Kian Sadeghi, hoje com 25 anos. Segundo Sadeghi, a empresa se dedica a "ajudar os pais a terem filhos mais saudáveis" por meio do que ele chama de "otimização genética".

Na prática, a Nucleus oferece alguns serviços diferentes. Seu primeiro produto foi um kit proprietário de teste de DNA que utiliza cotonetes para coleta de amostras da mucosa bucal para, segundo seu site, “revelar seu risco genético para mais de 2.000 doenças”.

Neste verão, a Nucleus firmou uma parceria com a empresa Genomic Prediction para começar a oferecer um serviço de triagem embrionária que permite aos pacientes analisar as características estatisticamente previstas de seus embriões — incluindo a probabilidade potencial de desenvolver doenças como autismo ou Alzheimer, além de cor dos olhos, altura, cor do cabelo e QI. Posteriormente, em agosto, a empresa combinou esse serviço com um novo programa completo de fertilização in vitro (FIV) chamado IVF+.

Processo seletivo da fertilização in vitro
Nucleus IVF+

A Nucleus não é a única empresa que começou a oferecer serviços mais avançados de triagem embrionária nos últimos anos. Várias outras empresas, como a Orchid e a Genomic Prediction, surgiram na última década. Todas elas enfrentam intensos debates na comunidade científica sobre a legitimidade de seus modelos de previsão, a moralidade da triagem para determinadas características e as repercussões a longo prazo de um futuro em que a otimização de embriões se torne comum.

Essa discussão em torno da ética da premissa central da Nucleus é, na verdade, o que a prepara para uma campanha de incitação à raiva bem-sucedida, de acordo com Joshua Lewis, professor assistente de marketing na Stern School of Business da Universidade de Nova York.

RELAÇÃO COM DETRATORES

Para empresas como a Friend e a Nucleus, afirma Lewis, certo nível de polarização é intrínseco ao próprio produto. Companheiros de IA, por exemplo, inevitavelmente terão detratores que consideram a premissa questionável, assim como defensores que acreditam nela incondicionalmente; o mesmo se aplica às empresas de triagem de embriões.

Ao empregar táticas de "incitação à raiva", diz Lewis, essas empresas podem iniciar diálogos culturais mais amplos e construir Ao empregar táticas de "isca de raiva", diz Lewis, essas empresas podem iniciar diálogos culturais mais amplos e construir afinidade com seus públicos-alvo sem perder muitos clientes em potencial.

"Polarizar intencionalmente pode fazer algum sentido, porque, no fim das contas, o que você quer no marketing é que seus segmentos-alvo sejam leais. Polarizar pode ser muito bom, desde que seus segmentos não-alvo estejam sentindo a raiva e seus segmentos-alvo estejam apreciando o que a marca está fazendo", diz Lewis.

Independentemente das intenções reais da Nucleus, Lewis acrescenta, "não custa muito para eles desagradar pessoas que não usariam seus produtos de qualquer maneira".

IMPACTO ADICIONAL

Para empresas em setores emergentes, há uma vantagem adicional em buscar o impacto em campanhas, diz Elizabeth Paul, diretora de marca da Martin Agency, uma premiada agência de publicidade.

"Se você está no ramo de bebês geneticamente modificados ou companheiros de inteligência artificial, a controvérsia já está embutida no produto", diz Paul. “Parece-me que a Nucleus Genomics e a Friend AI decidiram abraçar essa realidade e transformar a reação negativa em um recurso. Se alguém está se perguntando: 'Por que fariam isso?', acho que suas campanhas repletas de tensão ampliaram a conscientização do público sobre categorias ainda muito recentes.”

DENTRO DA CAMPANHA MAIS RECENTE DA NUCLEUS

Em um e-mail para a Fast Company, a assessoria de imprensa da Nucleus descreveu a campanha no metrô — que inclui uma ocupação completa da estação Broadway-Lafayette Street, mais de 1.000 anúncios em vagões de metrô e outros 1.000 anúncios de rua — como “a primeira campanha convencional a defender abertamente a seleção avançada de embriões para características específicas”. Vários anúncios mencionam atributos físicos e QI, e a maioria direciona os espectadores para a página da Nucleus em pickyourbaby.com.

A equipe da Nucleus afirma que se inspirou na “controversa campanha ‘Good Jeans’ com Sydney Sweeney”. Nessa campanha, Sydney Sweeney, vestindo jeans, narra: “Os genes são transmitidos de pais para filhos, muitas vezes determinando características como cor do cabelo, personalidade e até mesmo a cor dos olhos. Meu jeans é azul.” Uma voz masculina em off acrescenta: “Sydney Sweeney tem um jeans incrível.” Quase imediatamente, a campanha entrou para a infâmia do marketing por (provavelmente sem querer) promover ideais genéticos, dados os olhos azuis, o cabelo loiro e a pele branca de Sweeney.

Quando Sadeghi viu a reação ao anúncio de Sweeney, percebeu o que chama de “dissonância do DNA” — ou o que considera um mal-entendido generalizado sobre o que o DNA realmente é, por que a genética importa e o quanto os testes genéticos avançaram na comunidade científica. Ele afirma que os produtos da Nucleus são “apenas mais uma ferramenta que os pais usarão para ajudar a dar aos seus filhos o melhor começo de vida” e que os anúncios podem ajudar os pais a entender melhor como alcançar essa vantagem.

Embora Sadeghi apresente a campanha de forma benigna como uma ferramenta educacional, isso não condiz exatamente com os anúncios em si. Grande parte do texto parece ter sido criada para gerar uma reação — positiva ou negativa — ao que Sadeghi chama de "narrativa de ficção científica" em torno da otimização de embriões.

A INTERNET REAGE

No Threads, uma postagem sobre um anúncio diz: "Todo santo dia tem um novo anúncio distópico no metrô". No TikTok, um vídeo com quase 200 mil visualizações criticando a campanha tem a legenda: "Precisamos ter conversas muito sérias sobre eugenia porque estamos perdendo terreno aqui". Outro vídeo do TikTok com mais de 2,4 milhões de visualizações mostra uma câmera percorrendo a estação Broadway-Lafayette com o texto sobreposto: "Uhhh, desculpe, mas que diabos é isso?". Mais de 8 mil outros usuários se manifestaram sobre a campanha nos comentários

À primeira vista, incitar a raiva pode parecer contraproducente — afinal, quem quer que as pessoas odeiem seu produto? Mas para empresas como a Friend e a Nucleus, os números falam por si.

A Nucleus afirma que, desde o lançamento da campanha, a empresa registrou um aumento de mais de 1.700% nas vendas, impulsionado principalmente pelas inscrições em seus serviços de fertilização in vitro (FIV+). Considerando as respostas orgânicas, a empresa alcançou quase 5 milhões de impressões. Da mesma forma, a campanha anterior da Friend gerou dezenas de reportagens na mídia e comentários nas redes sociais, levando Schiffmann a considerá-la um "sucesso estrondoso".

TODA PUBLICIDADE É BOA PUBLICIDADE?

A grande maioria dos profissionais de marketing não vai querer testar o ditado "toda publicidade é boa publicidade" buscando controvérsia, diz Paul. Ainda assim, a maioria provavelmente entende o desejo de se destacar em meio ao ruído em um ambiente onde os consumidores são bombardeados com conteúdo diariamente. Nas redes sociais, uma maneira algorítmica de atingir esses objetivos é provocando medo ou raiva.

"A realidade é que, segundo a Kantar, 85% dos anúncios atualmente não atingem o nível mínimo de atenção necessário para a compreensão", afirma Paul. Em outras palavras, são tão insípidos, entediantes e invisíveis que as pessoas não prestaram atenção suficiente nem para processar o que disseram. Em um ambiente como esse, a invisibilidade da marca é uma ameaça maior do que a rejeição da marca.

“As empresas estão optando por dizer em voz alta o que antes era óbvio”

TRUQUES DO MARKETING

Risco e provocação no marketing são uma história tão antiga quanto o tempo. Paul destaca que essas táticas remontam aos truques chocantes de P.T. Barnum para seus eventos circenses. Mas Jaime Robinson, cofundador da agência Joan Creative, acredita que há algo totalmente único nas campanhas recentes da Friend e da Nucleus: a disposição de abordar abertamente — e até mesmo enfatizar — elementos intrinsecamente controversos de seus produtos.

Robinson lembra de um anúncio de 1974 em que uma marca chamada Beautymist apresentava o jogador de futebol americano Joe Namath com as pernas alisadas por um par de meias de nylon. E Lewis se lembra de um anúncio da Nike de 2018 com Colin Kaepernick depois que ele se ajoelhou durante o hino nacional. Cada um desses exemplos, disseram-me em entrevistas separadas, foi feito com a consciência de que haveria alguma reação negativa do público.

A diferença entre a Friend e a Nucleus, explica Robinson, é que meias-calças e tênis não são inerentemente controversos, enquanto assistentes virtuais com inteligência artificial e triagem de embriões são. Ee, em vez de esconder os elementos desses produtos que mais preocupam os consumidores, ambas as empresas os estão trazendo à tona.

“O produto da Nucleus permite não apenas verificar possíveis doenças que seus embriões possam ter, mas também selecionar características como cor dos olhos e do cabelo. Eles fizeram uma escolha realmente provocativa em seu produto e em seu caso de uso”, diz Robinson. No ano passado, acrescenta ela, uma empresa como a Nucleus poderia ter evitado falar sobre essas características e, em vez disso, enfatizado “os aspectos de saúde” do marketing. Agora, eles estão “colocando isso em primeiro plano”.

“Trata-se de dizer coisas que vão contra algumas das convicções mais profundas da maioria de nós e as coisas que consideramos mais desconfortáveis ​​no mundo: sermos substituídos por robôs; ter bebês sendo escolhidos por suas características físicas e QI”, diz Robinson. “Essas são as coisas que consideramos mais repugnantes, como seres humanos.”

Robinson acredita que parte dessa estratégia de marketing pode ser atribuída a “um clima político em que figuras de autoridade estão constantemente testando os limites do que é aceitável dizer”. Lewis observou que, de certa forma, o presidente americanoo Donald Trump frequentemente usa técnicas semelhantes de incitação à raiva para comunicar sua própria marca pessoal. Agora, podemos estar vendo esse tom político se infiltrar na esfera do marketing. Tanto Robinson quanto Paul preveem que, após as campanhas da Friend e da Nucleus, provavelmente veremos um aumento no marketing de “incitação à raiva” nos próximos meses.

“O interessante agora é como as empresas estão optando por dizer o que geralmente se pensa abertamente, e fazendo isso sem medo”, diz Robinson. “É quase como se tivessem jogado fora o apito para cães e o trocado por uma sirene de nevoeiro.”


SOBRE A AUTORA

Grace Snelling é colaboradora da Fast Company e escreve sobre design de produto, branding, publicidade e temas relacionados à geração Z. saiba mais