Em meio a desastres naturais, americanos não conseguem fazer o seguro residencial

À medida que inundações, tempestades, incêndios florestais e outras catástrofes são cada vez mais comuns, proteções se tornam caras e escassas e pressionam por participação maior dos governos

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The Conversation 9 minutos de leitura

Os incêndios florestais que devastaram grandes áreas do Condado de Los Angeles nas últimas semana atraíram nova atenção para as dificuldades que muitos americanos enfrentam para fazer o seguro de suas casas.

Desde 2022, 7 das 12 maiores seguradoras pararam de emitir novas apólices para proprietários de imóveis na Califórnia, citando riscos crescentes devido às mudanças climáticas.

A Califórnia não está sozinha: a mesma coisa aconteceu em outros estados americanos vulneráveis às mudanças climáticas, incluindo Louisiana e Flórida. A proporção de americanos sem seguro residencial aumentou de 5% para 12% desde 2019. Enquanto isso, aqueles com a sorte de ter seguro estão pagando mais do que nunca: os prêmios na Califórnia, como em outros lugares, aumentaram drasticamente nos últimos cinco anos.

Quando o mercado de seguros privados não fornece cobertura, nos EUA, o governo geralmente entra para preencher a lacuna. Por exemplo, o Programa Nacional de Seguro contra Inundações foi estabelecido na década de 1960 porque quase todas as seguradoras privadas excluíram a cobertura contra inundações.

Enquanto isso, o California FAIR Plan, que atende mais de 450.000 californianos, é uma típica seguradora de último recurso criada pelo estado. Esses programas, que estão disponíveis em muitos estados, oferecem cobertura limitada para pessoas que não conseguem obter seguro privado.

Mas a enorme escala da necessidade significa que é difícil para os programas públicos se manterem saudáveis financeiramente. Não é inconcebível que os incêndios florestais recentes possam exceder as reservas e resseguros disponíveis para o plano California FAIR. Devido à forma como o plano é configurado, isso forçaria outras seguradoras — e, em última análise, os proprietários de imóveis — a compensarem a diferença.

Esses são problemas complicados e, falando como especialista em seguros, é difícil ter respostas, mas sim as perguntas certas a serem feitas. E esse é um primeiro passo crucial para aqueles que vivem nos EUA encontrarem soluções.

PARA QUE SERVE O SEGURO, AFINAL?

Uma das perguntas mais importantes também é a mais básica: Quais são os objetivos do seguro?

O seguro é um produto financeiro que permite às pessoas compartilharem riscos, o que significa que se uma catástrofe atingir qualquer pessoa, ela não terá de arcar com os custos sozinha. Mas não se trata apenas de dinheiro. Mesmo que a maioria das pessoas não perceba, toda forma de seguro incorpora valores e atende a objetivos de políticas públicas. Isso geralmente requer fazer compensações sociais, políticas e até morais.

QUAL É O PROBLEMA?

O primeiro passo para resolver um problema é identificá-lo. Quando se trata de seguro, isso nem sempre é fácil. Por exemplo, a afirmação de que "os proprietários precisam de cobertura de seguro que não podem pagar no mercado privado" pode parecer uma boa descrição do problema. Mas não é. Isso ocorre porque algumas casas em áreas propensas a desastres são simplesmente muito arriscadas para serem seguradas.

Imagine uma casa em uma área costeira que inunda repetidamente, por exemplo. Se você fosse uma seguradora, quanto cobraria por essa apólice? Quando uma casa está sujeita a perdas repetidas, faz mais sentido econômico comprá-la e demoli-la.

Definir o problema cuidadosamente também ajuda a esclarecer os valores em jogo. Por exemplo, um valor é proteger os investimentos dos atuais proprietários — particularmente, por exemplo, moradores idosos de longa data. Mas outro valor é precificar o risco corretamente para que as pessoas não se mudem para empreendimentos perigosos.

Em termos mais amplos, um valor é reconhecer a responsabilidade coletiva da sociedade em relação às pessoas que sofrem dificuldades financeiras. Outro é promover o uso justo e eficiente dos recursos sociais. Esses valores podem estar em conflito.

O QUE O GOVERNO TEM A VER COM SEGUROS?

Em 1881, em suas palestras clássicas sobre o Common Law, o Juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes Jr. disse:

- O estado pode concebivelmente se tornar uma companhia de seguros mútua contra acidentes e distribuir o fardo dos infortúnios de seus cidadãos entre todos os seus membros. Pode haver uma pensão para paralíticos e auxílio estatal para aqueles que sofreram pessoalmente ou em seu patrimônio com tempestades ou feras selvagens.

A posição do próprio Holmes era clara: "O estado não faz nenhuma dessas coisas", ele escreveu — e não deveria. Essa linha de individualismo permaneceu forte na política dos EUA: liberdade individual, responsabilidade pessoal e oportunidade econômica são os fundamentos da vida americana, dizem os individualistas, então cada pessoa deve ganhar ou perder por conta própria.

Sob essa abordagem, o mercado de seguros privados baseia sua agregação, classificação de risco e precificação principalmente no tamanho do risco que cada segurado apresenta, de modo que casas em áreas propensas a incêndios florestais sejam cobradas com prêmios mais altos. Em teoria, isso é moralmente sólido e economicamente eficiente, já que cada segurado arca com o custo de seus próprios riscos. Mas quando o mercado privado falha — como aconteceu com o seguro contra inundações — o governo tem um forte incentivo para intervir.

AJUDA DO GOVERNO

Hoje, como uma questão empírica, a declaração de Holmes não poderia estar mais errada. O estado, de fato, se torna "uma companhia de seguros mútuos contra acidentes" e fornece uma "pensão para paralíticos", por meio do Medicaid - programa de saúde social dos EUA para famílias e indivíduos de baixa renda e recursos limitados -, Seguro de Invalidez da Previdência Social e outros programas. E na Califórnia, como em outros lugares, o governo fornece ajuda para aqueles que "sofreram em estado… de tempestade", por meio da Agência Federal de Gestão de Emergências e outras entidades.

Desde pelo menos o New Deal - programa de recuperação da economia dos Estados Unidos após a quebra das Bolsa Valores de Nova Iorque, em 1929 -, há um amplo reconhecimento de que algum nível de responsabilidade coletiva é essencial; as únicas questões são onde e quanto. No âmbito do seguro saúde, por exemplo, o Affordable Care Act fornece seguro saúde subsidiado para muitos americanos, e mudar o Medicare (programa federal e estadual conjunto que dá cobertura de saúde para algumas pessoas com renda e recursos limitados) é uma terceira via política.

A política pública sobre perdas por desastres está situada entre os dois extremos de deixar as perdas permanecerem e fazer com que o estado assuma todos os encargos dessas perdas. Frequentemente, formuladores de políticas e pesquisadores veem o seguro ou planos semelhantes a seguros como soluções — sejam fornecidos por uma entidade pública ou envolvendo um programa público-privado misto. A Agência Federal de Gestão de Emergências (Federal Emergency Management Agency, ou FEMA), por exemplo, opera o National Flood Insurance Program em cooperação com seguradoras privadas e também concede subsídios diretos para mitigação de danos causados ​​por inundações.

COMO DEVE SER UMA SOLUÇÃO DE SEGURO PÚBLICO?

Às vezes, uma pergunta leva a outra, e esse é o caso aqui. Há perguntas que os formuladores de políticas devem responder para projetar uma solução pública eficaz para o seguro contra desastres.

Três perguntas são as mais importantes:

  • Quais são os objetivos do seguro?
  • Quem está sendo segurado?
  • Como os segurados e seus riscos são classificados?

Quais são os objetivos do seguro? Qualquer forma de seguro enfrenta compensações e limites. Quando uma solução de seguro é adotada em vez de alguma outra forma de intervenção, o objetivo principal é compensar o segurado por uma perda. Mas esse não é o único objetivo. Por exemplo, o seguro geralmente visa reduzir perdas, além de pagar se elas ocorrerem. As seguradoras têm muitas maneiras de moldar o comportamento, como cobrar prêmios mais baixos para proprietários que mantêm suas propriedades livres de arbustos de fácil combustão Como muitos desses comportamentos afetam outras pessoas também, eles geram um benefício social. E como o seguro tem benefícios sociais, como esses benefícios são distribuídos — por raça, gênero, classe e outras linhas — também é importante.

Isso leva à segunda questão-chave: quem está sendo segurado? O seguro envolve a transferência de risco de um indivíduo para um grupo maior de pessoas que podem compartilhar o risco. Especialistas em seguros chamam isso de "pool de risco". Pools muito pequenos terão dificuldades porque não há pessoas suficientes para compartilhar o fardo.

Em soluções públicas para problemas de catástrofes, colocar mais pessoas no pool pode ser especialmente útil para expandir a cobertura. Por exemplo, o National Flood Insurance Program traz muitos proprietários de imóveis em todo o país para um pool, mas também exclui alguns, como aqueles que sofrem danos causados ​​pelo vento durante um furacão. Em contraste, o INSURE Act proposto, apresentado no último Congresso, colocaria efetivamente toda a nação em um pool para cobrir uma variedade de riscos catastróficos, incluindo inundações, incêndios florestais, terremotos e outros.

Ainda assim, só porque você está no mesmo pool que outra pessoa não significa que será tratado da mesma forma — pessoas com o mesmo seguro podem ser cobradas por prêmios diferentes e receber diferentes quantias de cobertura.

AJUDA DE DADOS

Isso leva à terceira pergunta: como os segurados e seus riscos são classificados? Se as seguradoras tratassem todos exatamente da mesma forma, elas rapidamente sairiam do mercado. É por isso que elas analisam enormes quantidades de informações sobre perdas passadas, condições atuais e previsões futuras, tentando determinar os riscos apresentados por cada membro. Esse trabalho é feito por atuários e subscritores, mas não é apenas uma questão de matemática: as seguradoras classificam os segurados de maneiras que refletem os objetivos e valores do seguro — que normalmente incluem equilibrar ampla disponibilidade e cobertura a preços acessíveis — e os benefícios sociais que o seguro gera.

Uma visão desse processo é que uma classificação de risco e precificação mais precisas são boas. Como o seguro envolve transferência de risco, quanto mais precisamente os riscos podem ser calculados e precificados, melhor o processo funciona.

Mas há um problema mais profundo, que tem a ver com valores. Às vezes, a precisão na subscrição pode entrar em conflito com objetivos sociais maiores. Com catástrofes em particular, a cobertura ampla pode ser uma prioridade máxima, já que muitas pessoas acreditam que o estado tem a responsabilidade de proteger seu povo. Além disso, proteger os investimentos das pessoas em suas casas é importante, e aumentar repentinamente os prêmios de proprietários de imóveis de alto risco ameaçaria seus investimentos. Os desastres também causam respostas comunitárias — muitos americanos não afetados doam para a Cruz Vermelha e outras organizações sem fins lucrativos.


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